Peditório pixel

Margarida Botelho

«Vamos pôr o Se­queira no lugar certo» é o tí­tulo da cam­panha que o Go­verno, o Museu Na­ci­onal de Arte An­tiga, a Di­recção Geral do Pa­tri­mónio Cul­tural e o jornal Pú­blico lan­çaram na se­mana pas­sada para re­co­lher o di­nheiro ne­ces­sário à compra da obra «Ado­ração dos Magos», de Do­mingos Se­queira.

A cam­panha é bri­lhante: o pri­vado que ac­tu­al­mente é dono do quadro pede por ele 600 mil euros; di­vide-se o quadro em 10 mi­lhões de pi­xels (um pixel é o menor ponto de uma imagem di­gital), tantos quantos os por­tu­gueses, e atribui-se-lhes um valor – por seis cên­timos apenas, cada por­tu­guês pode con­tri­buir para pôr um dos mais im­por­tantes qua­dros da his­tória da arte por­tu­guesa no museu certo.

Pa­rece sim­ples e inócuo. Quem não tem seis cên­timos para dar? Quem não gosta de es­co­lher um bo­ca­dinho de um im­por­tante quadro para ser o «seu» bo­ca­dinho e dar-lhe o seu nome? Quem não gosta de de­fender a cul­tura na­ci­onal e com­pletar o acervo de um museu tão im­por­tante como o Museu Na­ci­onal de Arte An­tiga? E quem não gosta de par­ti­cipar numa ini­ci­a­tiva «iné­dita», mo­derna, como se faz no es­tran­geiro?

Mas quando se re­flecte um pouco as in­ter­ro­ga­ções co­meçam a surgir. Se as três ins­ti­tui­ções pú­blicas que pro­movem a cam­panha con­si­deram que este quadro faz falta ao pa­tri­mónio na­ci­onal, por que é que não o ad­quirem? Por que é que o fazem de­pender de um pe­di­tório na­ci­onal – mesmo que agora se chame «crowd­fun­ding», para pa­recer menos o que é?

Se olharmos para o pa­no­rama geral, vemos que a cam­panha entra di­rei­tinha nas teses de que não há di­nheiro, o País não pode (apesar da «re­toma», claro), todos fa­zemos sa­cri­fí­cios iguais, e tretas afins. Se pen­sarmos que a cam­panha foi lan­çada pelo Go­verno na se­mana em que Passos Co­elho de­cidiu fazer a acção de charme de no­mear uma mi­nistra da Cul­tura, co­me­çamos a des­con­fiar que se ca­lhar o pe­di­tório não é nem tão ino­cente, nem tão mo­derno como nos querem fazer crer. E se por acaso al­guém se cruzar com a lista de mo­nu­mentos na­ci­o­nais que foram postos à venda pelos mi­nis­té­rios da De­fesa Na­ci­onal e das Fi­nanças no dia 13 de Ou­tubro, aí então é que lhes cai mesmo a más­cara. Qual pre­o­cu­pação com o pa­tri­mónio cul­tural, qual ca­ra­puça: não passa de uma enorme cam­panha ide­o­ló­gica para mer­can­ti­lizar tudo o que diga res­peito à cul­tura.




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