Sinais da doença
Bem o sabemos porque está diariamente a acontecer perante os nossos olhos e ouvidos: a probabilidade de o Partido Comunista Português sair do gueto onde o queriam encerrar para todo o sempre e poder ter uma intervenção mais relevante no quadro político português, lançou em estado de desatino muitas cabeças aparentemente normais e revelou claros e graves sinais de uma doença endémica que por aí tem andado escondida: o anticomunismo primário sem princípios mas com fins. A maleita vem sendo muito óbvia na televisão, a privada e a pública, com substancial reforço da presença de gente da direita política, como de uma forma especialmente evidente se constata na RTP3, ex-RTP Informação, onde, por exemplo, a entrevista conduzida por João Adelino Faria a Jerónimo de Sousa e o mais que se lhe seguiu teria sido de bradar os céus se os céus tivessem pachorra para atentarem em tão frequentes delitos deste género. O motivo deste surto de sinais exteriores de pobreza democrática residirá talvez na evidência de que, ao contrário do que porventura terá sido sonhado por muitos, o PCP está vivo e intervém. Como já aqui terá sido lembrado alguma vez, nos maus velhos tempos do fascismo no poder um esforçado funcionário dos serviços de censura, chocado por numa prova tipográfica surgir uma referência explícita ao Partido Comunista (então decerto grafado com minúsculas iniciais), despachou à margem e em complemento do corte por ele próprio imposto: «este partido não existe!». Estava enganado, é claro, como o próprio censor pode ter verificado com os seus próprios olhos, com compreensível desapontamento, alguns anos depois, nas ruas de Lisboa e no País em geral: o Partido Comunista Português existia, e muito. Decepção semelhante terão agora sentido muitas criaturas, entre as quais muitos sujeitos com alma e prática de censores, perante a presença da activa intervenção do PCP na vida política portuguesa. Afinal, o PCP existe. De onde a raiva e o ranger de dentes que se diria quase audível graças aos microfones para que falam.
Um já antigo conselho
Os exemplos são tantos que seria vão tentar fazer deles, aqui, um inventário sequer aproximadamente exaustivo. Assim, refiramos apenas alguns, decerto ainda não os mais repugnantes, talvez só um ou outro utilizado como instrumento para falsificar a informação prestada e injectar a aversão, se possível o terror, perante a presença agora mais óbvia do PCP no terreno político português. Tivemos Rodrigo Guedes de Carvalho a etiquetar de «convulsão política» um processo de substituição governativa imposto pela mera e óbvia legalidade democrática. Tivemos um sujeito de nome Miguel Pinheiro a falar de «ferocidade» quando se referia à natural veemência de intervenções parlamentares e/ou a justamente indignadas declarações políticas. Tivemos, vindas do Norte, palavras machistas de sabor canalha para insultar deputadas que se destacaram na denúncia das graves malfeitorias praticadas pela direita. Desmandos verbais destes são sintomas do violento surto de anticomunismo amalgamado com medo e desapontamento que atravessa a direita portuguesa. Reconheçamos que a coitada tem razão: afinal o Partido Comunista Português existe e tem capacidade de intervenção, a capacidade que lhe é dada pelo povo no contexto da vida democrática para cuja obtenção o mesmo Partido Comunista deu uma contribuição fundamental. Será desagradável para essa gente, mas é assim. Apetece repetir um conselho que, em situação diferente, lhes foi endereçado há alguns anos por um dirigente do PS: «-Habituem-se!».