Perguntas por fazer

João Ferreira

Quase tudo o que foi dito e es­crito nas úl­timas se­manas sobre o caso BANIF mete al­gures lá pelo meio duas pa­la­vras: União Eu­ro­peia (UE). O ex­tenso rol de no­tí­cias deixou claro, de al­guma forma até mesmo para um leitor ou te­les­pec­tador aci­dental, que a UE al­guma coisa teve a ver com o de­sen­rolar e o des­fecho do pro­cesso.

A no­tícia de que a UE «não per­mitiu» (sic) uma so­lução para o BANIF que pas­sasse pela sua in­te­gração na es­fera pú­blica, por exemplo, fez capa de jor­nais.

Pe­rante isto (mesmo sa­bendo-se o que é e de quem é a co­mu­ni­cação so­cial do­mi­nante-do­mi­nada), não pode deixar de sur­pre­ender a falta de per­guntas, a falta de es­cru­tínio jor­na­lís­tico sobre as in­for­ma­ções que se vei­culam, per­gun­titas sim­ples que sejam. E, já se sabe, sem per­guntas es­cas­seiam também as res­postas.

Ocorreu a al­guém per­guntar por que carga de água «não per­mite» a UE que o Es­tado por­tu­guês tome conta de um banco no qual en­terrou mi­lhares de mi­lhões de euros dos con­tri­buintes, mais do que o valor do pró­prio banco? Al­guém viu algum co­men­tador ou ana­lista en­car­tado per­guntar porque não vale desta vez o prin­cípio «quem paga manda» que tanto gostam de in­vocar nou­tras oca­siões? E, so­bre­tudo, de­ta­lhou que «re­gras eu­ro­peias» são essas que, a fazer fé nas no­tí­cias, obrigam o Es­tado a pagar os pre­juízos dos bancos pri­vados e a trans­ferir os seus ac­tivos e car­teira de ne­gó­cios para um grupo fi­nan­ceiro pri­vado es­tran­geiro?

Já agora, al­guém per­guntou quando e quem aprovou essas ditas re­gras? Em nome de quem? Com que po­deres para o fazer? E porque é que só nestas al­turas ou­vimos falar nas tais «re­gras», sem ainda assim nos di­zerem onde estão es­critas?

Um leitor ou te­les­pec­tador mais avi­sado po­deria talvez acres­centar ao rol das per­guntas que ficam por fazer ou­tras, com raízes que mer­gu­lham no que há mais de um ano nos an­daram a vender os mesmos jor­nais e te­le­vi­sões que agora di­fundem as no­tí­cias sobre o caso BANIF, aquando da con­clusão da cha­mada União Ban­cária. Não se disse nessa al­tura (sem di­reito a con­tra­di­tório que se visse, nos tais jor­nais e te­le­vi­sões) que a le­gis­lação então apro­vada pela União Eu­ro­peia sig­ni­fi­cava o fim dos res­gates pú­blicos à banca pri­vada? Então e agora o BANIF? E, antes deste (mas já de­pois da «União Ban­cária»), o BES?

O sig­ni­fi­cado

da «União Ban­cária»

Uma sim­ples busca pela in­ternet ser­virá para en­con­trar abun­dantes re­fe­rên­cias ao que na pri­meira me­tade de 2014 se disse a res­peito da «União Ban­cária» – in­clu­sive na cam­panha elei­toral das elei­ções para o Par­la­mento Eu­ropeu.

Em contra-cor­rente com a maré (des)in­for­ma­tiva de então, vale a pena re­vi­sitar o que disse o PCP sobre esse passo na con­cre­ti­zação da gi­gan­tesca ope­ração de con­cen­tração e cen­tra­li­zação do sector ban­cário na UE a que chamam de «união ban­cária». Com o avanço deste pro­cesso, os Es­tados per­derão o – pouco ou quase ne­nhum – poder de con­trolo, re­gu­lação e in­ter­venção sobre a banca que ainda de­ti­nham vendo assim ainda mais li­mi­tada a pos­si­bi­li­dade deste sector es­tra­té­gico ser co­lo­cado ao ser­viço do de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico.

A falsa ale­gação de que (...) se co­lo­cará um ponto final na sal­vação da banca por parte dos Es­tados, (...) trata-se de uma ma­nobra para dis­si­mular o facto de serem sempre os povos e os re­cursos pú­blicos a as­sumir os in­com­por­tá­veis custos e riscos da es­pe­cu­lação e gestão da­nosa do sector fi­nan­ceiro.

O avanço no pro­cesso de cons­ti­tuição da «união ban­cária» (...), feito em nome da de­fesa da União Eco­nó­mica e Mo­ne­tária e do Euro, acres­cen­tará con­sequên­cias pro­fun­da­mente ne­ga­tivas às que já hoje os tra­ba­lha­dores e o povo por­tu­guês vivem.

O des­fecho en­con­trado para o caso BANIF será em parte con­sequência do con­junto de re­gras e ori­en­ta­ções que deu corpo à «União Ban­cária». Essa le­gis­lação, su­blinhe-se, en­trou ple­na­mente em vigor apenas no pas­sado dia 1.

Em qual­quer caso, ne­nhuma le­gis­lação ou cons­tran­gi­mento ex­ternos po­derão ser in­vo­cados para im­pedir o povo por­tu­guês de re­cu­perar a so­be­rania sobre este sector es­tra­té­gico para a eco­nomia na­ci­onal, re­cu­pe­rando o con­trolo pú­blico sobre a banca co­mer­cial e re­for­çando os me­ca­nismos de con­trolo e su­per­visão deste sector. Ne­nhuma im­po­sição su­pra­na­ci­onal po­derá ob­nu­bilar a com­pre­ensão dessa cris­ta­lina ver­dade, que o PCP levou ao de­bate na As­sem­bleia da Re­pú­blica, na an­te­vés­pera na­ta­lícia: «Só a banca nas mãos do povo não rouba o País.»




Mais artigos de: Europa

Artur Mas rejeitado

O chefe do go­verno ca­talão, Artur Mas, não vai ser re­con­du­zido para um novo man­dato pelo par­la­mento, facto que de­verá pre­ci­pitar elei­ções re­gi­o­nais an­te­ci­padas.

Alterações à nacionalidade

Mais de 70 organizações políticas, sociais e de defesa dos direitos humanos lançaram, a 30 de Dezembro último, uma petição com o objectivo de impedir a alteração da Constituição da República Francesa, proposta pelo governo gaulês....

Fronteiras repostas

A ponte que liga a capital dinamarquesa, Copenhaga, e a cidade sueca de Malmo, voltou, por iniciativa da Suécia, a ter controlo de fronteira. A decisão de Estocolmo, tomada no quadro de uma crise migratória na Europa, foi imediatamente seguida pela Dinamarca, que impôs semelhante...