Brutal aumento de impostos foi só para os trabalhadores

Governo PSD/CDS favoreceu os mais ricos entre os mais ricos

Paulo Sá

Em Por­tugal, os mi­li­o­ná­rios não pagam os im­postos de­vidos! Esta é uma de­núncia que o PCP vem fa­zendo há muito tempo e que agora foi con­fir­mada pela pró­pria Au­to­ri­dade Tri­bu­tária e Adu­a­neira num Me­mo­rando en­viado à As­sem­bleia da Re­pú­blica.

A re­ceita fiscal anual que re­sul­taria da tri­bu­tação ade­quada em sede de IRS dos cerca de mil con­tri­buintes de ele­vada ca­pa­ci­dade pa­tri­mo­nial que se es­tima exis­tirem em Por­tugal po­deria atingir cerca de três mil mi­lhões de euros

No âm­bito da Au­to­ri­dade Tri­bu­tária e Adu­a­neira, uma re­du­zida equipa de pro­jecto (seis ele­mentos a tempo par­cial) tem de­sen­vol­vido um tra­balho di­rec­ci­o­nado para os cha­mados Con­tri­buintes de Ele­vada Ca­pa­ci­dade Pa­tri­mo­nial, aqueles que, di­recta ou in­di­rec­ta­mente, detêm um pa­tri­mónio su­pe­rior a 25 mi­lhões de euros e/​ou ob­ti­veram ren­di­mentos su­pe­ri­ores a cinco mi­lhões de euros (num ano ou na média dos três anos an­te­ri­ores). Ou seja, os mais ricos entre os mais ricos!

Re­cor­rendo às bases de dados da Au­to­ri­dade Tri­bu­tária e Adu­a­neira e a in­for­mação ex­terna, esta equipa ini­ciou o pro­cesso de iden­ti­fi­cação dos Con­tri­buintes de Ele­vada Ca­pa­ci­dade Pa­tri­mo­nial e de en­ti­dades por estes de­tidas, con­si­de­rando as ver­tentes ren­di­mentos e pa­tri­mónio. Este ob­jec­tivo tem sido di­fi­cul­tado pelo facto de estes con­tri­buintes apre­sen­tarem ca­rac­te­rís­ticas es­pe­cí­ficas, de­sig­na­da­mente, pa­tri­mónio dis­se­mi­nado por em­presas par­ti­ci­padas, trusts e fun­da­ções, mo­bi­li­dade in­ter­na­ci­onal, acom­pa­nha­mento es­pe­ci­a­li­zado por con­sul­tores fis­cais e es­tru­turas e contas ban­cá­rias em pa­raísos fis­cais.

Até à data, a Au­to­ri­dade Tri­bu­tária e Adu­a­neira con­se­guiu iden­ti­ficar em Por­tugal 240 Con­tri­buintes de Ele­vada Ca­pa­ci­dade Pa­tri­mo­nial, cor­res­pon­dendo a 229 agre­gados fa­mi­li­ares. Con­tudo, um es­tudo in­ter­na­ci­onal, que a Au­to­ri­dade Tri­bu­tária e Adu­a­neira iden­ti­fica como sendo um es­tudo de re­fe­rência, es­tima que serão cerca de 930, e uma em­presa que vende ser­viços de con­sul­ta­doria fiscal a estes con­tri­buintes con­si­dera um uni­verso de 1000 pes­soas. O facto de a Au­to­ri­dade Tri­bu­tária e Adu­a­neira só ter iden­ti­fi­cado uma parte dos Con­tri­buintes de Ele­vada Ca­pa­ci­dade Pa­tri­mo­nial en­contra ex­pli­cação nos es­cassos re­cursos hu­manos alo­cados ao ob­jec­tivo de iden­ti­ficar estes con­tri­buintes e com­bater o seu in­cum­pri­mento fiscal.

Op­ções po­lí­ticas fa­vo­recem mi­li­o­ná­rios

Com base nos va­lores de­cla­rados em sede de IRS, a Au­to­ri­dade Tri­bu­tária e Adu­a­neira re­velou que os 240 Con­tri­buintes de Ele­vada Ca­pa­ci­dade Pa­tri­mo­nial iden­ti­fi­cados até à data pa­garam 54 mi­lhões de euros, 60 mi­lhões de euros e 49 mi­lhões de euros de im­postos em 2012, 2013 e 2014, res­pec­ti­va­mente.

Estes são va­lores ver­da­dei­ra­mente in­sig­ni­fi­cantes, tendo em conta os ele­va­dís­simos ren­di­mentos e pa­tri­mónio destes con­tri­buintes. Efec­ti­va­mente, um sim­ples cál­culo per­mite es­timar que a re­ceita fiscal anual que re­sul­taria da tri­bu­tação ade­quada em sede de IRS dos cerca de mil Con­tri­buintes de Ele­vada Ca­pa­ci­dade Pa­tri­mo­nial que se es­tima exis­tirem em Por­tugal po­deria atingir cerca de três mil mi­lhões de euros. Mas esta avul­tada re­ceita po­ten­cial tem sido des­per­di­çada, por op­ções po­lí­ticas que fa­vo­recem uma ín­fima mi­noria de pri­vi­le­gi­ados à custa da es­ma­ga­dora mai­oria que vive do seu tra­balho.

A este pro­pó­sito im­porta re­cordar que, em 2013, o an­te­rior go­verno PSD/​CDS impôs um brutal saque fiscal sobre os ren­di­mentos do tra­balho, in­cluindo os ren­di­mentos mais baixos. Num só ano, a re­ceita de IRS au­mentou 35 por cento, mais de 3200 mi­lhões de euros. Esta me­dida de ataque aos ren­di­mentos de quem vive do seu tra­balho, acom­pa­nhada de muitas ou­tras me­didas de aus­te­ri­dade, con­tri­buiu para o alas­tra­mento da po­breza e para a de­gra­dação das con­di­ções de vida de largas ca­madas da po­pu­lação.

Este brutal au­mento de im­postos não era ine­vi­tável. Foi uma opção! Uma opção do an­te­rior go­verno PSD/​CDS, que, po­dendo tri­butar de forma ade­quada uma ín­fima mi­noria de mi­li­o­ná­rios, ar­re­ca­dando mi­lhares de mi­lhões de euros de re­ceita fiscal adi­ci­onal, pre­feriu ir buscar esses mi­lhares de mi­lhões de euros aos tra­ba­lha­dores, aos re­for­mados, às fa­mí­lias e às micro e pe­quenas em­presas.

A falta de von­tade po­lí­tica e de efi­cácia no com­bate ao in­cum­pri­mento fiscal dos mais ricos entre os mais ricos con­trasta com a sanha per­se­cu­tória do an­te­rior go­verno PSD/​CDS di­ri­gida contra os pe­quenos e mé­dios con­tri­buintes, sejam eles par­ti­cu­lares ou em­presas. Se os mi­li­o­ná­rios pagam de im­postos uma pe­que­nís­sima fracção do que de­ve­riam pagar, en­colhe-se os om­bros e fala-se das di­fi­cul­dades e dos obs­tá­culos a uma tri­bu­tação ade­quada. Se o pe­queno con­tri­buinte co­mete uma in­fracção, mesmo que in­vo­lun­tária, ou se se atrasa no pa­ga­mento dos im­postos, aplica-se uma coima exor­bi­tante, pe­nhora-se o sa­lário, o carro e até a casa.

Estas op­ções são bem re­ve­la­doras da na­tu­reza da po­lí­tica de di­reita tão di­li­gen­te­mente apli­cada pelo an­te­rior go­verno PSD/​CDS, uma po­lí­tica que os por­tu­gueses, de forma tão ex­pres­siva, re­jei­taram nas elei­ções le­gis­la­tivas do pas­sado dia 4 de Ou­tubro.

Com­bate à fuga e evasão fiscal

A fuga ao pa­ga­mento de im­postos por parte dos ci­da­dãos mais ricos é uma si­tu­ação es­can­da­losa! Não se pode aceitar que aqueles que mais têm fujam ao pa­ga­mento dos im­postos, so­ne­gando ao Es­tado re­ceitas fis­cais es­sen­ciais para as­se­gurar as suas fun­ções, em par­ti­cular as fun­ções so­ciais, e exi­gindo aos res­tantes con­tri­buintes, em par­ti­cular aos tra­ba­lha­dores, um es­forço fiscal des­me­su­rado.

Exige-se me­didas ur­gentes de com­bate à fuga e evasão fiscal dos con­tri­buintes de ele­vada ca­pa­ci­dade pa­tri­mo­nial, de­sig­na­da­mente ao nível da le­gis­lação fiscal, dos meios hu­manos e tec­no­ló­gicos co­lo­cados à dis­po­sição da Au­to­ri­dade Tri­bu­tária e Adu­a­neira, assim como a cri­ação de par­ce­rias com ou­tras or­ga­ni­za­ções e en­ti­dades que es­tudem a re­a­li­dade pa­tri­mo­nial e de ren­di­mentos dos con­tri­buintes mais ricos e uma in­ter­venção no seio das or­ga­ni­za­ções in­ter­na­ci­o­nais, no­me­a­da­mente na União Eu­ro­peia, FMI, ONU e Or­ga­ni­zação Mun­dial do Co­mércio, de forma a com­bater a cha­mada com­pe­ti­ti­vi­dade fiscal cujo ob­jec­tivo é a cap­tura de re­ceitas fis­cais com origem em pa­tri­mó­nios e ren­di­mentos ob­tidos em países ter­ceiros.

É ne­ces­sária uma nova e al­ter­na­tiva po­lí­tica fiscal, mais justa e mais ade­quada às ne­ces­si­dades do País. Uma po­lí­tica fiscal, ar­ti­cu­lada com a di­mensão or­ça­mental, que tri­bute de forma ade­quada as grandes em­presas, os grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros, os ren­di­mentos e pa­tri­mó­nios mais ele­vados, ao mesmo tempo que de­so­nere os tra­ba­lha­dores, os re­for­mados, as fa­mí­lias, assim como as micro e pe­quenas em­presas.

 



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