A propósito de pulhas e pulhices

Rui Fernendes

Al­berto Gon­çalves (AG) es­creveu no Diário de No­ti­cias, de 7 de Fe­ve­reiro, o se­guinte naco de prosa:

«A ideia, hoje e ontem, é a de que as alu­ci­na­ções do PS e da ex­trema-es­querda, des­culpem a re­dun­dância, pas­sa­riam in­có­lumes na “Eu­ropa” se não fosse a acção sub­ver­siva e o es­pa­lha­fato da cá­fila de “vende-pá­trias” (termo cu­ri­o­sa­mente uti­li­zado há meses pelo Avante!)». Cabe re­ferir que tal afir­mação tem a ver com as ins­tân­cias eu­ro­peias pe­ro­rarem sobre o Or­ça­mento do Es­tado por­tu­guês, de de­pu­tados do PSD e do CDS terem sus­ci­tado crí­ticas ao OE no Par­la­mento Eu­ropeu e de ou­tros de­pu­tados, no­me­a­da­mente do PCP, se terem oposto às in­ge­rên­cias ex­ternas.

Já o ini­gua­lável An­tónio Bar­reto (AB) es­creveu também no DN, de 8 de Fe­ve­reiro, o se­guinte:

«De­testar os ca­pi­ta­listas, a di­reita, os so­ciais-de­mo­cratas e mesmo al­guns so­ci­a­listas é hon­roso e pa­trió­tico. De­testar os co­mu­nistas é pior do que ra­cismo.

«Co­locar no mesmo pé co­mu­nistas, fas­cistas e nazis, ati­tude justa e de bom senso, é con­si­de­rado pri­mário e gros­seiro.

«Os co­mu­nistas por­tu­gueses, úl­timos aben­cer­ra­gens de obs­cura utopia, der­ra­deiros exem­plares de raça quase ex­tinta, estão aí, para pre­o­cu­pação maior, a exibir o nosso atá­vico atraso pe­rante o mundo, a eco­nomia, a so­ci­e­dade, a li­ber­dade e a cul­tura!».

Em ma­téria de ad­jec­ti­vação, creio que não me­rece dú­vidas que An­tónio Bar­reto venceu aos pontos, neste round, Al­berto Gon­çalves. Es­pe­remos, pois, pela ré­plica.

Um, AG, lança-se contra os que de­fendem que com­pete a Por­tugal, aos seus ór­gãos de so­be­rania, de­cidir sobre, neste caso, o OE que pre­tendem, cri­ti­cando as chan­ta­gens e in­tro­mis­sões ex­ternas. Ao ler o ar­tigo de AG veio-me à me­mória que An­toine de Saint-Exu­péry de­veria estar a pensar em al­guém pa­re­cido quando disse que O es­cravo cons­trói o seu or­gulho em função do ardor do pa­trão.

Já AB é um pro­blema de outro foro. Con­si­derar que quem lutou pela li­ber­dade e a de­mo­cracia é igual aos nazis; que quem viu serem as­sas­si­nados mi­li­tantes seus na luta pela li­ber­dade e a de­mo­cracia é igual aos que tor­tu­raram e ma­taram muitas de­zenas de mi­li­tantes co­mu­nistas e muitos ou­tros de­mo­cratas por­tu­gueses, é um pro­blema que as ci­ên­cias mé­dicas ex­pli­carão. Mas te­nhamos pre­sente que pela cha­mada «Eu­ropa de­mo­crá­tica» re­cru­descem a olhos vistos as mais re­ac­ci­o­ná­rias me­didas e con­ceitos, nem sempre pelas mãos das mais re­ac­ci­o­ná­rias forças po­lí­ticas iden­ti­fi­cadas.

Este ano, em que se co­me­mora os 42 anos da Re­vo­lução de Abril e os 40 anos da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, im­porta su­bli­nhar que a luta pela li­ber­dade e a de­mo­cracia não é coisa do pas­sado. A luta pela li­ber­dade e a de­mo­cracia é coisa do pre­sente, de todos os dias. Luta pelo di­reito ao tra­balho e ao tra­balho com di­reitos; pelo di­reito à cul­tura; pelo di­reito à saúde; pelo di­reito à edu­cação. Luta pelo di­reito às pen­sões e re­formas e a uma ve­lhice com dig­ni­dade; pelo re­co­nhe­ci­mento de que é na obe­di­ência à Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa que re­side a fonte da so­be­rania e da in­de­pen­dência na­ci­o­nais e da le­ga­li­dade dos actos pra­ti­cados pelo Es­tado.

O re­fe­rido ar­tigo de Al­berto Gon­çalves inicia com a se­guinte frase: «Um in­glês cé­lebre afirmou que o pa­tri­o­tismo é o úl­timo re­fúgio dos pu­lhas». Neste par­ti­cular, AG não foi ino­vador, até teve de citar um in­glês, e até se pode dizer que não anda so­zinho ou, se qui­sermos, que anda cada vez mais acom­pa­nhado.

Olhando para a nossa his­tória – ainda agora se co­me­morou os 125 anos da Re­volta de 31 de Ja­neiro – per­cebe-se com cla­reza o dito do in­glês. Quanto a quem o cita, Al­berto Gon­çalves, isto nada tem de con­tra­di­tório, porque só se li­mita a re­pro­duzir pu­lhices.




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