Os picanços
Ao invés dos picanços, aves que espetam as presas em espinhos para as consumir mais tarde, os comentadores da praça mais parecem picapaus a bicar freneticamente, não os troncos onde pretendem escavar um abrigo, mas as notícias ou eventos que diariamente mudam, ao sabor da época ou da oportunidade.
Quando o Governo do PS tomou posse, um coro catastrófico pretendeu criar um maremoto de desgraças, prognosticando «instabilidade» a rodos vinda de uma «aliança espúria» entre o PS «do arco da governação» e os «partidos da extrema esquerda» – o PCP, o PEV e o Bloco de Esquerda – (nestes tempos de desnorte político-social, as identificações ideológicas valem tudo e o seu contrário: deixou de haver esquerda e extrema-esquerda para as substituírem por «moderados» e «extrema-esquerda» tudo ao molho, enquanto a direita absorveu a extrema-direita e vangloria-se dessa identidade aglutinante).
Afinal, a instabilidade não veio e a que borbulhava por aí, a agitar patinhas no ar como as baratas-tontas, não passava do estertor da direita a fazer figuras tristes, rosnando vinganças de caserna pelos cantos do País e jurando que estava em vias de «regressar ao poder» através de novas eleições, como Passos Coelho insiste em dizer, já ao estilo dos loucos furiosos.
A nova aposta predadora centrou-se no Orçamento do Estado. «Vai dar buraco», proclamavam toc-toc, esfusiantes, os picapaus.
«Ninguém se entende naquela casa», ansiavam, ardentes, os plumitivos e quejandos, rabiscando minuciosos vaticínios.
«À primeira volta das exigências de Bruxelas acaba-se o apoio do PCP» anunciava a plêiade de áugures.
E o Orçamento do Estado foi aprovado pacificamente na Assembleia da República. Com um pormenor: o PSD, após chispar lume no hemiciclo contra a proposta do Orçamento, acusando-o de «despesista» e de outras cobras e lagartos, não apresentou propostas alternativas, sequer uma proposta de emenda.
A tanto mal apontado, afinal não havia reparos a apresentar.
Depois viraram-se para as agências e os seus ratings mais «os mercados», essa besta sem identidade nem pátria que suspenderam sobre a cabeça dos países, qual deus ex machina que tudo manda e ameaça. Adivinhavam catástrofes, que diariamente «iam conferindo», como se diz nos telejornais.
Todavia, as catástrofes não apareceram, «os juros» não dispararam (até têm apresentado sinais de descida) e – cúmulo dos cúmulos – a agência Moody's (uma das «más», a par da Fitch, no dizer da malta do PaF) até se saiu com um prognóstico positivo em relação a este Orçamento do Estado aprovado na AR.
É claro que despacharam o assunto em meia dúzia de patacoadas.
Estes picapaus bem querem ser picanços, que espetam as presas nos espinhos. Mas o mais certo é serem despromovidos a gralhas – isto sem ofensa para qualquer das aves.