Ricochete
Nos dias finais da passada semana, duas grandes manifestações entupiram em maior ou menor grau algumas estradas portuguesas e por consequência ocuparam alguns minutos dos telenoticiários. Uma delas era de protesto contra o aumento do preço dos combustíveis, sobretudo do gasóleo que faz mover os transportes transnacionais e as máquinas agrícolas, a outra protestava contra as grandes dificuldades de escoamento enfrentadas pelos produtores de leite e de carne. Quanto à primeira, é talvez de registar o pormenor curioso protagonizado pelos cidadãos que optam por percorrer uns bons pares de quilómetros para abastecerem os seus carros em Espanha, pagando ali os correspondentes impostos e assim deixando no estrangeiro uma pequena ajuda que negam ao seu país, é verdade, mas talvez orgulhosos por serem tão espertos e tão bons gestores das suas despesas. Em ponto muito pequeno, lembram os gestores dos grandes grupos empresariais que fazem o necessário para que os respectivos impostos sejam pagos algures por essa Europa fora e não em Portugal, mas deixemos essa analogia porque neste caso o dano é minúsculo e em muitas situações a vida ter-se-á tornado tão difícil que até a diferença de uns cêntimos é atendível. Aliás, as diversas operadoras de TV pareceram dar mais importância, e por consequência mais tempo de antena, aos breves excursionistas que vão a Espanha comprar gasolina e talvez beber um café que aos produtores de carne e leite que deparam com tão adversas condições de comercialização que a sombra da inviabilidade paira sobre a sua actividade como ave de rapina sobre um rebanho indefeso.
Como uma doença crónica
Tal como é frequente e até compreensível, as reportagens transmitidas pelos diferentes canais privilegiaram as facetas mais espectaculares dos protestos e passaram com maior ou menor ligeireza sobre causas e razões. Neste quadro, ainda foram nítidas algumas acusações formuladas contra grandes empresas do sector de distribuição (entre as quais talvez alguma ou algumas das que vão ao estrangeiro pagar impostos) que preferem comprar a fornecedores não portugueses e assim se dispensam de apoiar o escoamento de produções nacionais e, desse modo, ajudar a sempre difícil sobrevivência de um sector em dificuldades. Mas um outro motivo ou, se se quiser, um outro factor, foi denunciado ainda que fugazmente numa ou noutra reportagem: a suspensão de habituais exportações para a Rússia, canceladas pelo governo de Moscovo em resposta às chamadas sanções económicas decretadas contra a Rússia pela União Europeia no âmbito da crise desencadeada pela implementação da actual governança criptonazi, mais nazi que cripto, na Ucrânia. Assim, os cidadãos telespectadores puderam saber, ainda que de um modo um pouco transversal, que há sectores da produção nacional, os produtores de carne e leite e porventura mais alguns, que estão a pagar um duro preço porque o País está amarrado a opções de política estrangeira que não decide e cujo bom fundamento se situa muito abaixo do duvidoso. Trata-se, de facto, de uma decisão de carácter agressivo que neste caso fez ricochete sobre interesses portugueses. Aliás, como bem sabe quem minimamente o queira saber, a actual situação vivida na Ucrânia não justifica o mínimo acto de pressão ou de pretensa retaliação contra a Rússia. Que, na sequência da «guerra de sanções» desencadeada por uma União Europeia onde o já antigo e inconfessado sonho de uma cruzada antirrussa é uma espécie de doença crónica, de infecção permanente que historicamente sempre encontrou na Ucrânia ambiente favorável, trabalhadores e empresários portugueses se vejam seriamente prejudicados surge como um verdadeiro escândalo e um claro sinal de quanto certas dependências são indesejáveis. Ou, dizendo-o de um outro modo e adaptando uma já muito conhecida fórmula: claro sinal de que são antipatrióticas e de direita.