Ligações espúrias entre poderes económico e político

Promiscuidade que rói a democracia

Passos firmes e claros têm de ser dados no com­bate à pro­mis­cui­dade entre o poder eco­nó­mico e o poder po­lí­tico.

A questão da su­bor­di­nação do poder eco­nó­mico ao poder po­lí­tico as­sume a maior ac­tu­a­li­dade

É a de­mo­cracia e as re­gras da trans­pa­rência na po­lí­tica que o exigem, con­si­dera o PCP que tem na AR dois di­plomas para al­terar o es­ta­tuto dos de­pu­tados e o re­gime de in­com­pa­ti­bi­li­dades.

O tema es­teve em de­bate sexta-feira pas­sada, 8, no Par­la­mento, sus­ci­tado, além das subs­critas pelo PCP, por ini­ci­a­tivas le­gis­la­tivas apre­sen­tadas por PS e BE. Todos os textos bai­xaram, sem vo­tação, à Co­missão even­tual para o Re­forço da Trans­pa­rência no Exer­cício de Fun­ções Pú­blicas, ainda a cons­ti­tuir. Esta Co­missão, pro­posta pelo PS, ob­teve o con­senso de todas as ban­cadas.

Se em re­lação a esta ini­ci­a­tiva houve acordo o mesmo já não se pode dizer quanto às normas a in­cre­mentar com vista a uma se­pa­ração mais ní­tida entre as es­feras pú­blica e pri­vada.

Pelo lado do PCP – e nesse sen­tido vão quer as suas pro­postas que al­teram o Es­ta­tuto dos de­pu­tados quer as que al­teram o re­gime ju­rí­dico dos Ti­tu­lares de Cargos Po­lí­ticos e Altos Cargos Pú­blicos –, do que se trata é de «me­lhorar as normas que visam im­pedir essa pro­mis­cui­dade que mina a de­mo­cracia, de­grada o re­gime de­mo­crá­tico e é o campo fértil para os pri­vi­lé­gios e be­ne­fí­cios ile­gí­timos dos grandes grupos eco­nó­micos».

Disse-o o de­pu­tado Jorge Ma­chado, ci­ente de que em­bora o pro­blema não se re­solva apenas com uma al­te­ração à lei, esta não pode deixar de se fazer face às in­su­fi­ci­ên­cias da le­gis­lação, e sob pena de tudo se manter como até aqui.

«Ne­gó­cios»

Assim, quanto ao Es­ta­tuto dos de­pu­tados, entre ou­tras al­te­ra­ções, o PCP propõe que se acabe com o que chama de «au­tên­tico offshore» de que be­ne­fi­ciam as so­ci­e­dade de ad­vo­gados. Fun­da­men­tando o sen­tido da pro­posta, Jorge Ma­chado re­feriu que hoje aquele Es­ta­tuto per­mite, aos de­pu­tados que em si­mul­tâneo são ad­vo­gados, me­diar e par­ti­cipar em ne­gó­cios com o Es­tado, desde que es­tejam in­se­ridos numa so­ci­e­dade de ad­vo­gados, algo que não se per­mite se o mesmo de­pu­tado e ad­vo­gado exercer so­zinho a pro­fissão.

Ora o que acon­tece, hoje, é que as so­ci­e­dades de ad­vo­gados são com frequência usadas para «in­ter­me­diar e par­ti­cipar em ne­gó­cios com o Es­tado», como bem lem­brou o par­la­mentar do PCP, sus­ten­tando por isso que é «ina­cei­tável» não aplicar o Es­ta­tuto dos de­pu­tados aos que estão in­se­ridos em so­ci­e­dades de ad­vo­gados.

Já quanto ao re­gime ju­rí­dico de in­com­pa­ti­bi­li­dades e im­pe­di­mentos dos ti­tu­lares de cargos po­lí­ticos e altos cargos pú­blicos, a re­alçar, entre ou­tras pro­postas de al­te­ração, está a de que esses ti­tu­lares não possam pelo pe­ríodo de cinco anos exercer fun­ções em em­presas que tu­te­laram. Não menos im­por­tante é ainda a pro­posta que eli­mina todas as «alí­neas, sub­ter­fú­gios e al­ça­pões que levam a que a lei ra­ra­mente seja apli­cada», como ex­plicou Jorge Ma­chado.

So­fismas

Tendo-se de­mi­tido de apre­sentar pro­postas para este pro­cesso le­gis­la­tivo, as ban­cadas à di­reita do he­mi­ciclo vi­eram ao de­bate ale­gando que este «nasce torto», que está a ser le­van­tado um «manto de sus­peita», que há um risco de «pro­fis­si­o­na­li­zação e fun­ci­o­na­li­zação» dos de­pu­tados e que a «ex­clu­si­vi­dade é re­du­tora» quanto à «pos­si­bi­li­dade de a AR poder contar com os me­lhores da so­ci­e­dade por­tu­guesa» (Mar­ques Guedes, PSD). Na mesma tecla bateu o CDS, com Nuno Ma­ga­lhães a de­clarar que «ser de­pu­tado não é car­reira pro­fis­si­onal».

Jorge Ma­chado re­cusou que seja a sua ban­cada a le­vantar qual­quer «manto de sus­peita», as­si­na­lando a este pro­pó­sito que é a vida a com­provar através dos inú­meros casos que têm vindo a lume ao longo dos anos a ne­ces­si­dade de al­terar a lei. E re­cordou que quando o PCP propôs que se me­xesse no texto legal foram aqueles par­tidos e o PS que não o per­mi­tiram.

Antes, o líder par­la­mentar co­mu­nista ques­ti­o­nara já o PS sobre a pos­si­bi­li­dade de con­si­derar o «âm­bito de alar­ga­mento do en­ri­que­ci­mento in­jus­ti­fi­cado», de­safio em re­lação ao qual o de­pu­tado Fi­lipe Neto Brandão disse haver «dis­po­ni­bi­li­dade» da sua ban­cada, apesar das re­ti­cên­cias que aduziu em ma­téria de «di­reito penal».

Nessa mesma in­ter­venção João Oli­veira acusou o PSD de ter feito aprovar na an­te­rior le­gis­la­tura um di­ploma de cri­mi­na­li­zação do en­ri­que­ci­mento ilí­cito, sa­bendo de an­temão que o Tri­bunal Cons­ti­tu­ci­onal o viria a de­clarar in­cons­ti­tu­ci­onal.

 



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