Comentário

As recomendações por países...

Miguel Viegas

No pas­sado dia 18 de Maio, a Co­missão Eu­ro­peia propôs um pro­jecto de re­co­men­da­ções es­pe­cí­ficas para Por­tugal que es­ta­be­lece acon­se­lha­mento in­di­vi­du­a­li­zado sobre a po­lí­tica eco­nó­mica du­rante os pró­ximos 12 a 18 meses. Este re­la­tório in­sere-se no ciclo do Se­mestre Eu­ropeu que re­pre­senta o ca­len­dário através do qual as ins­ti­tui­ções eu­ro­peias vão es­cru­ti­nando a po­lí­tica or­ça­mental dos es­tados-mem­bros. Re­la­ti­va­mente ao ac­tual ciclo de 2016 e que visa o or­ça­mento de 2017, o Se­mestre Eu­ropeu já vai na ter­ceira fase. Na pri­meira fase, no final de 2015, a Co­missão Eu­ro­peia ela­borou as pers­pec­tivas de cres­ci­mento com as grandes ori­en­ta­ções po­lí­ticas que devem nor­tear os or­ça­mentos na­ci­o­nais. Numa se­gunda fase, Por­tugal apre­sentou em Abril os seus Pro­gramas de Re­formas e de Es­ta­bi­li­dade, con­tendo os grandes ob­jec­tivos po­lí­ticos de médio prazo. Fi­nal­mente, chegou a vez de a Co­missão Eu­ro­peia lançar as re­co­men­da­ções es­pe­cí­ficas por países, onde são feitas apre­ci­a­ções sobre os planos de re­formas e de es­ta­bi­li­dade e que terão ainda que ser dis­cu­tidos e apro­vados pelo Con­selho no pró­ximo mês de Julho.

As re­co­men­da­ções de 2016 cen­tram-se numa aná­lise global da si­tu­ação por­tu­guesa e num con­junto de in­di­ca­ções. Sem sur­presa, ve­ri­fi­camos que tudo vai mal em terras lu­si­tanas. Não re­du­zimos o dé­fice como a Co­missão Eu­ro­peia exigia e a nossa dí­vida con­tinua alta. Afinal, o bom exemplo por­tu­guês que era re­fe­rido nas muitas in­ter­ven­ções dos co­mis­sá­rios que fomos ou­vindo no Par­la­mento Eu­ropeu, não devia ser assim tão bom. Pa­rece que toda a aus­te­ri­dade, todos os cortes na des­pesa, as em­presas pri­va­ti­zadas, não foram su­fi­ci­entes para sa­near as contas pú­blicas. E agora, o que re­co­menda a Co­missão Eu­ro­peia? Mais aus­te­ri­dade! Há que baixar ainda mais o dé­fice e para isto aponta-se ba­te­rias para a saúde e a se­gu­rança so­cial. Outra no­vi­dade: o nosso sa­lário mí­nimo é dos mais altos da Eu­ropa, quando com­pa­rada à me­diana... de Por­tugal! Bri­lhante! Com mais umas pa­tra­nhas sobre o sis­tema ju­di­cial e a efi­ci­ência da ad­mi­nis­tração pú­blica e está feito mais um hino à aus­te­ri­dade e às po­lí­tica ne­o­li­be­rais da UE ao ser­viço do grande ca­pital!

Mas esta reu­nião da Co­missão Eu­ro­peia não in­cidiu apenas nas re­co­men­da­ções es­pe­cí­ficas por países. Também foram ana­li­sadas a si­tu­ação dos países em si­tu­ação de Pro­ce­di­mento por Dé­fice Ex­ces­sivo (países que fu­raram as re­gras do dé­fice ou da dí­vida). E neste ca­pí­tulo ficou mais uma vez bem claro o ca­rácter pro­fun­da­mente po­lí­tico de todo o pro­cesso apesar de toda a ma­qui­lhagem téc­nica e ci­en­tí­fica. Neste mo­mento, existem seis países em Pro­ce­di­mento por Dé­fice Ex­ces­sivo (PDE): Croácia, França, Grécia, Es­panha, Reino Unido e Por­tugal. Che­garam a cir­cular ru­mores de que iriam ser apli­cadas multas a Por­tugal. Estas multas podem ir até 0,5 por cento do PIB, in­cluindo a sus­pensão dos fundos es­tru­tu­rais (con­di­ci­o­na­li­dade ma­cro­e­co­nó­mica). As pre­vi­sões não se ve­ri­fi­caram op­tando a Co­missão Eu­ro­peia por adiar a de­cisão para Julho. Na­tu­ral­mente que a si­tu­ação de Es­panha, em plena cam­panha elei­toral, pesou sig­ni­fi­ca­ti­va­mente, não fosse o PPE um dos bas­tiões do Par­tido Po­pular Eu­ropeu que su­porta Junker e do­mina as ins­ti­tui­ções eu­ro­peias. Se con­si­de­rarmos a si­tu­ação da França, igual­mente sob PDE desde 2009 e a quem foram dados mais dois anos para o ajus­ta­mento (até 2017), ou da Itália ou até da Bél­gica, ambos com dí­vidas pú­blicas muito acima da nossa, con­se­guimos com­pre­ender o me­lindre da si­tu­ação e o ta­manho do bu­raco em que esta UE está me­tida.

A cri­ação do euro, com o Pacto de Es­ta­bi­li­dade e Cres­ci­mento, e de­pois mais tarde o Tra­tado Or­ça­mental e todo o ar­senal da go­ver­nação eco­nó­mica (in­cluindo o se­mestre eu­ropeu), foi uma aber­ração so­cial e eco­nó­mica que nunca fun­ci­onou. Se não, como com­pre­ender que, ao longo da curta his­tória do euro, 24 dos 28 países da zona euro te­nham es­tado sob pro­ce­di­mento por dé­fice ex­ces­sivo? Como en­tender que, neste mo­mento, a dí­vida global da zona euro seja de 92 por cento do PIB, ou seja, 50 por cento acima do li­mite con­sa­grado pelos tra­tados, que é de 60 por cento do PIB? Im­porta con­tudo per­ceber que se a União Eco­nó­mica e Mo­ne­tário fa­lhou nos seus ob­jec­tivos for­mais, e de­sig­na­da­mente ao nível das metas ma­cro­e­co­nó­micas que se pro­punha al­cançar, foi bem-su­ce­dida nos seus reais ob­jec­tivos de con­cen­tração da ri­queza e no des­man­te­la­mento de es­tru­turas eco­nó­micas e so­ciais pú­blicas. Tal como o PCP de­nun­ciou, o euro re­pre­senta um ins­tru­mento de do­mínio do grande ca­pital des­ti­nado a sub­jugar a so­be­rania dos es­tados na­ci­o­nais. Romper com as amarras do euro é pois uma con­dição in­dis­pen­sável para co­lo­carmos no­va­mente Por­tugal no rumo do de­sen­vol­vi­mento.




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