O Avante! deu voz à greve das minas
de S. Pedro da Cova

«Não podiam trabalhar com fome»

Daniel Vieira

«A greve an­dava-se a formar, tinha-se fa­lado e a gente fa­lava a este e àquele. (…) Nessa al­tura já era muito vi­giado na mina. (…) Eu já sabia, che­guei à mina e an­davam al­guns cá fora e eu per­guntei: O que é que se passa? E res­pon­deram – É greve, é fome. E eu disse: – Então se é fome, eu também tenho fome, até nem al­mocei, e sentei-me a con­versar.»

A re­pressão é uma das prin­ci­pais me­mó­rias que a po­pu­lação guarda da greve de 1946

A des­co­berta de carvão nos fi­nais do sé­culo XVIII em S. Pedro da Cova pro­vocou pro­fundas al­te­ra­ções no quo­ti­diano de uma po­pu­lação que vivia e de­pendia es­sen­ci­al­mente da agri­cul­tura. Com o início da ex­plo­ração mi­neira, S. Pedro da Cova trans­formou-se num centro in­dus­trial de grande im­por­tância à es­cala re­gi­onal, para onde se des­lo­caram tra­ba­lha­dores pro­ve­ni­entes de todo o País. Neste im­por­tante com­plexo in­dus­trial mi­neiro chegou a ex­trair-se, du­rante a dé­cada de 30 do sé­culo XX, 70 por cento da pro­dução na­ci­onal de carvão.

A ex­plo­ração das minas de carvão man­teve-se como a prin­cipal ac­ti­vi­dade da fre­guesia até o li­miar da dé­cada de 70 do sé­culo pas­sado e, apesar do seu en­cer­ra­mento há já mais de quatro dé­cadas, ainda hoje a fre­guesia é mar­cada pela ex­tracção do carvão e pela vida so­frida de mi­neiros e suas fa­mí­lias.

Se a me­mória que hoje pre­do­mina na po­pu­lação desta terra nos re­mete para as duras con­di­ções de tra­balho, os aci­dentes, as mortes, ou a ma­nu­tenção até quase ao en­cer­ra­mento das minas de re­la­ções so­ciais que fazem lem­brar a so­ci­e­dade feudal, também a re­sis­tência e a luta dos mi­neiros por me­lhores con­di­ções de vida e de tra­balho é a me­mória que este povo es­co­lheu como sua.

 

A mo­bi­li­zação

«Em 1942, salvo o erro, na al­tura da Guerra, a mina foi mo­bi­li­zada. Muitos ho­mens ti­nham saído daqui pelas pés­simas con­di­ções que havia e porque os or­de­nados eram muito baixos, e foram ga­nhar mais, al­guns cin­quenta es­cudos por dia, tra­ba­lhos mais leves. Mas a Com­pa­nhia tinha as fi­chas do pes­soal que saiu e foi buscá-lo aonde ele es­tava, obrigou-os a vir e mo­bi­lizou-os a ga­nhar vinte e dois e qui­nhentos! Até a in­di­ví­duos que só ti­nham tra­ba­lhado dois dias nas minas! Pu­seram-nos numa mi­séria ainda maior do que aquela em que es­tavam. Se algum não pu­desse vir, ou não qui­sesse vir, ou se re­cu­sasse, ia um Cabo do Exér­cito buscá-lo aonde ele es­ti­vesse, e trazia-o de­baixo de prisão»1.

Di­ver­si­fi­cadas ra­zões, de ca­rácter mais par­ti­cular ou geral, in­flu­en­ci­aram o mo­vi­mento gre­vista de 1946 em S. Pedro da Cova.

Se do ponto de vista eco­nó­mico e co­mer­cial a Se­gunda Guerra Mun­dial pro­vocou al­te­ra­ções no con­sumo de carvão, com a cres­cente im­por­tância da energia hi­dráu­lica e dos com­bus­tí­veis lí­quidos, ori­gi­nando mesmo, entre 1944 e 1947, uma di­mi­nuição de cerca de 23 por cento dos ope­rá­rios e uma queda de apro­xi­ma­da­mente 30 por cento na ex­tracção em S. Pedro da Cova, a mo­bi­li­zação de­cre­tada pelo re­gime sa­la­za­rista é um as­pecto cen­tral para o des­con­ten­ta­mento dos mi­neiros. No ba­lanço re­fe­rente ao ano de 1943, con­si­de­rando o con­texto agi­tado que o mundo atra­ves­sava, o Con­selho de Ad­mi­nis­tração da em­presa des­taca o «an­gus­tioso pro­blema da mão-de-obra», apro­vei­tando para elo­giar o de­creto go­ver­na­mental da mo­bi­li­zação.

Tal como des­creve o Avante! da pri­meira quin­zena de Abril de 1946, com a mo­bi­li­zação de­cre­tada pelo re­gime sa­la­za­rista, em pleno con­texto da Se­gunda Guerra Mun­dial, «mais de 200 ope­rá­rios que já ti­nham aban­do­nado há bas­tante tempo a mina, tra­ba­lhando já nou­tras pro­fis­sões, nou­tros pontos do País, foram obri­gados a voltar, su­jeitos a tra­ba­lhos for­çados». O de­creto da mo­bi­li­zação de 1943 foi ainda uma das es­tra­té­gias uti­li­zadas pelo re­gime fas­cista para conter a in­tensa agi­tação gre­vista desses anos, co­lo­cando um con­junto de ser­viços e sec­tores es­tra­té­gicos su­jeitos à re­qui­sição mi­litar.

O facto de as minas de São Pedro da Cova es­tarem mo­bi­li­zadas pelo Mi­nis­tério da Guerra é fun­da­mental para a com­pre­ensão da greve de 1946, já que, desde 1943, um De­le­gado do re­fe­rido Mi­nis­tério (Ca­pitão Mi­randa) con­tro­lava todas as mo­vi­men­ta­ções dos ope­rá­rios.

 

As con­di­ções de tra­balho

 «As do­enças a gente não sabia, mas ali con­traía-se a si­li­cose, é uma do­ença muito má mas ao prin­cípio nin­guém sabia. O mé­dico sabia mas como tinha de in­dem­nizar, o do­ente nunca des­co­briu». 2

Os re­latos e de­poi­mentos dos mi­neiros não pre­cisam de ser fic­ci­o­nados para os con­si­de­rarmos como «trá­gicos» no que toca à ca­rac­te­ri­zação do tra­balho no in­te­rior das minas. Também as pre­cá­rias con­di­ções de se­gu­rança em que la­bu­tavam estes tra­ba­lha­dores ori­gi­navam graves aci­dentes de tra­balho, sig­ni­fi­cando nal­guns casos a pró­pria morte. Um re­la­tório es­ta­tís­tico3 re­fe­rente a 1939 in­dica-nos que nesse ano foram con­ta­bi­li­zadas 524 ví­timas de aci­dentes de tra­balho ocor­ridos nestas minas, o que equi­vale a cerca de 28 por cento do total dos tra­ba­lha­dores, sendo que 64 por cento desses mesmos aci­dentes im­pli­caram mais de sete dias de in­ca­pa­ci­dade de cada uma das suas ví­timas. Também na aná­lise do re­gisto diário do pes­soal em ser­viço, re­fe­rente ao dia an­te­rior à pa­ra­li­sação de 1946, re­gista-se a exis­tência de 45 si­nis­trados e 124 do­entes, entre mi­neiros e en­che­dores, nú­mero este as­su­mido pela pró­pria em­presa.

 

A greve

 «Par­ti­cipei na pri­meira greve que houve aqui na mina. Eu acho que foi, mais ou menos, em 1947 (…) Foi no tempo em que es­tava a mo­bi­li­zação aqui. Ti­vemos uma se­mana em casa. (…) A greve an­dava-se a formar, tinha-se fa­lado e a gente fa­lava a este e àquele. (…) Nessa al­tura já era muito vi­giado na mina. (…) Eu já sabia, che­guei à mina e an­davam al­guns cá fora e eu per­guntei: O que é que se passa? E res­pon­deram – É greve, é fome. E eu disse: – Então se é fome, eu também tenho fome, até nem al­mocei, e sentei-me a con­versar.»4.

Tendo em aná­lise o re­gisto diário da pro­dução e da dis­tri­buição de pes­soal5 (dados da em­presa), a adesão à greve pode con­si­derar-se como muito sig­ni­fi­ca­tiva. Se com­pa­rado o pri­meiro dia de greve (27 Fe­ve­reiro) com o dia an­te­rior, re­gistou-se mais de 75 por cento de adesão à pa­ra­li­sação, sendo que foi nos mi­neiros (cerca de 70%) e nos en­che­dores (cerca de 85%) que mais se fez sentir a pa­ra­li­sação. Ne­nhum dos ca­pa­tazes aderiu ao mo­vi­mento, o que de­nota di­fe­rentes in­te­resses entre o pes­soal.

Na con­sulta dos in­ter­ro­ga­tó­rios efec­tu­ados pela PIDE, um dos ope­rá­rios afirma ter ade­rido à greve «em vir­tude de, na­quele dia vinte e sete de Fe­ve­reiro, quando se di­rigiu para o tra­balho, da parte da manhã, ter ido mal al­mo­çado e não ter gé­neros em casa para sus­tento dos fi­lhos»6. Na quase to­ta­li­dade dos re­latos, os de­tidos re­ferem que «não po­diam tra­ba­lhar com fome».

Num outro in­ter­ro­ga­tório, um dos de­tidos afirma que «muito antes da greve par­cial ocor­rida nessas minas era opi­nião geral entre os mi­neiros que de­viam pôr-se em greve, por não po­derem tra­ba­lhar com os di­mi­nutos sa­lá­rios que re­cebem (…) em todos os grupos se ouvia falar do as­sunto, todos di­zendo que não se podia tra­ba­lhar com fome». É ainda per­cep­tível, du­rante os in­ter­ro­ga­tó­rios, que os ope­rá­rios vi­nham aler­tando para a si­tu­ação em que vi­viam, pelo que um dos de­tidos «es­cla­rece que dias antes o seu ca­ma­rada de tra­balho co­nhe­cido pelo «Sar­risca» tinha or­ga­ni­zado uma co­missão para irem pedir au­mento de sa­lário ao Se­nhor Ca­pitão Mi­randa».

 

Os apelos à greve e a cres­cente in­fluência do PCP

«Apa­re­ceram por aí uns pa­péis, do Par­tido Co­mu­nista, uns dentro da Mina, ou­tros cá fora, a ex­plicar-nos o que se havia de fazer. (…) O Par­tido foi sempre o que cercou aqui com os pa­péis.»7

É pre­ci­sa­mente o PCP e, par­ti­cu­lar­mente, o Avante! que dará ao mo­vi­mento de S. Pedro da Cova uma di­mensão mais global, tendo em conta a sua di­fusão em grande parte do ter­ri­tório na­ci­onal, e pelo des­taque que lhe ofe­rece nas suas pá­ginas cen­trais. Já no de­correr do pro­testo, um do­cu­mento as­si­nado pelo Par­tido enuncia as prin­ci­pais rei­vin­di­ca­ções dos mi­neiros: «au­mento de sa­lá­rios, mais gé­neros e me­lhores con­di­ções de vida»8. Neste do­cu­mento, o PCP pro­cura es­ti­mular e in­cen­tivar os mi­neiros a con­ti­nu­arem o mo­vi­mento gre­vista, ape­lando à so­li­da­ri­e­dade de ou­tros tra­ba­lha­dores: «Que todos os por­tu­gueses apoiem esta luta, exi­gindo que parte dos lu­cros fa­bu­losos da Com­pa­nhia das Minas de S. Pedro da Cova sejam re­par­tidas pelos Mi­neiros ex­plo­rados! (…) Es­crevam cartas de pro­testo às au­to­ri­dades contra a ex­plo­ração feita aos Mi­neiros».

O papel do PCP neste mo­vi­mento gre­vista não foi pon­tual, pelo que são co­nhe­cidos ou­tros do­cu­mentos sobre o mo­vi­mento de­sen­ca­deado em S. Pedro da Cova, apon­tando para a pos­si­bi­li­dade de o Par­tido, que vinha in­flu­en­ci­ando as greves ocor­ridas na pri­meira me­tade da dé­cada de 40, se ter em­pe­nhado no apoio a este pro­testo dos mi­neiros.

Num outro do­cu­mento (Março/​1946), o PCP pro­cura ainda in­cen­tivar à vi­gi­lância, para que «os com­pa­nheiros mais fracos não re­tomem o tra­balho», e ainda a ne­ces­si­dade de os ope­rá­rios se or­ga­ni­zarem e cri­arem me­ca­nismos de re­sis­tência à pressão sobre eles exer­cida: «Criai grupos entre as vossas com­pa­nheiras e fi­lhos para pedir au­xílio eco­nó­mico, para que vos pos­sais manter na luta. En­viai-os às portas das fá­bricas, e ofi­cinas e co­mércio, pois o povo anti-fas­cista vos au­xi­liará».

A atenção que o PCP, que neste pe­ríodo go­zava de uma maior ex­pe­ri­ência e pres­tígio junto do pro­le­ta­riado in­dus­trial, deu ao mo­vi­mento gre­vista de S. Pedro da Cova con­tri­buirá fu­tu­ra­mente para a cons­trução de uma maior in­fluência junto dos tra­ba­lha­dores destas minas.

Também o Avante!, na capa da pri­meira quin­zena de Abril de 1946, re­lata os acon­te­ci­mentos de S. Pedro da Cova, de­mons­trando que o PCP co­nhece a re­a­li­dade so­cial dos mi­neiros e o con­texto em que a greve se de­sen­ca­deia. Neste nú­mero do Avante! é feito o apelo à or­ga­ni­zação dos ope­rá­rios, no sen­tido de se formar «uma Ampla Co­missão de De­le­gados de todas as minas, que ela­bore um ca­derno de rei­vin­di­ca­ções a apre­sentar aos pa­trões e au­to­ri­dades». Na edição pos­te­rior, o Avante! volta a citar a greve dos mi­neiros, desta vez para des­tacar a vi­tória al­can­çada e que, pela luta de­sen­ca­deada, «os fas­cistas foram obri­gados a au­mentar os sa­lá­rios». Este é um dos ele­mentos que o Par­tido mais pro­cura des­tacar, uma vez que a vi­tória dos gre­vistas po­deria con­tri­buir para o ger­minar de uma maior cons­ci­ência so­cial e po­lí­tica entre os ope­rá­rios.

No In­forme Po­lí­tico do Co­mité ao IV Con­gresso do Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês, re­a­li­zado em Julho de 1946, no ba­lanço das inú­meras greves, ma­ni­fes­ta­ções, pro­testos, – ge­rais, par­ciais ou pon­tuais – que ocor­reram desde o início dos anos 40, Álvaro Cu­nhal aborda a «greve dos mi­neiros de S. Pedro da Cova, Rio Tinto e Monte Aven­tino».

 

A re­pressão, as pri­sões e a re­sis­tência

A re­pressão sobre os ope­rá­rios ini­ciou-se no mesmo dia em que des­po­letou a greve (27 de Fe­ve­reiro de 1946). Numa re­acção ime­diata aos pri­meiros fal­tosos, as­su­mida pelo De­le­gado do Mi­nis­tério da Guerra, co­mu­nica-se (Ordem de Ser­viço) «que todo aquele que faltar sem a ne­ces­sária jus­ti­fi­cação a partir das 16 horas de hoje será pu­nido se­gundo o de­ter­mi­nado pelo Re­gu­la­mento de Dis­ci­plina Mi­litar», e mais se acresce que «se vai in­ves­tigar da es­tranha ati­tude que o Pes­soal as­sumiu na manhã de hoje a fim de se pro­ceder ri­go­ro­sa­mente contra os res­pon­sá­veis». Es­tava assim lan­çada a pressão sobre todos os que as­su­miram não tra­ba­lhar. Uma re­pressão que foi ini­ci­al­mente psi­co­ló­gica, mas que logo de­pois adoptou ou­tras ca­rac­te­rís­ticas. Nesse mesmo dia, o Go­ver­nador Civil do Porto so­li­citou ao Co­man­dante da GNR que «uma força com­posta por 30 praças dessa guarda, co­man­dada por um Sr. Ofi­cial, siga ainda hoje para S. Pedro da Cova, con­celho de Gon­domar, deste dis­trito, a fim de manter a ordem que ali se en­contra al­te­rada pelos Ope­rá­rios Mi­neiros».

E é pre­ci­sa­mente no con­teúdo da cor­res­pon­dência tro­cada entre o De­le­gado do Mi­nis­tério da Guerra, des­ta­cado para as minas de S. Pedro da Cova, o Go­ver­nador Civil e a PIDE, que se pode en­con­trar al­gumas das me­didas de ca­rácter re­pres­sivo que foram to­madas no sen­tido de in­verter o sen­tido dos acon­te­ci­mentos.

É num con­texto de fortes me­didas re­pres­sivas que vão ser de­tidos 31 ope­rá­rios, sendo que na sua mai­oria eram anal­fa­betos e muitos deles es­tavam mo­bi­li­zados ao abrigo do re­fe­rido de­creto go­ver­na­mental.

A re­pressão é, por sinal, uma das prin­ci­pais me­mó­rias que a po­pu­lação guarda da greve de 1946:

«Chegou o En­ge­nheiro, pas­sado pouco tempo, eram talvez umas sete horas da manhã, a pedir para que todos en­trassem. (…) O En­ge­nheiro viu que não podia fazer vida, co­mu­nicou lá para os Pa­trões, e apa­receu aí muita Guarda Re­pu­bli­cana. Muitos sol­dados ar­mados de me­tra­lha­doras. Nós es­tá­vamos aqui ao pé do Es­cri­tório, todos juntos, para falar ao Di­rector. Che­garam aí “jeeps” cer­caram logo esta coisa toda lá por cima, co­me­çaram a as­sentar as me­tra­lha­doras vi­radas para o Pes­soal. Um Ca­pitão deu sinal e fi­cámos todos qui­etos, com as me­tra­lha­doras apon­tadas para nós. (…) Caímos uns por cima dos ou­tros, a fugir da­quilo. E cada um foi para sua casa. Os Guardas pas­saram a andar aí na ronda, de dia e de noite. Se vissem um tipo cá fora, era logo chi­co­teado. Meia dúzia de mi­neiros, dos mais me­drosos, me­teram-se logo dentro da Mina, a tra­ba­lhar. A Ca­va­laria ia buscá-los a casa, trazia-os aqui à Mina e, à hora de ar­riar, le­vava-os»9.

 

O im­pacto da greve

A greve atingiu a sua maior di­mensão entre o dia 27 de Fe­ve­reiro e 1 de Março, es­ba­tendo-se à me­dida que os me­ca­nismos re­pres­sivos au­men­tavam. Con­tudo, é fácil com­pre­ender que a mesma pro­vocou danos na pro­dução, com uma di­mi­nuição muito sig­ni­fi­ca­tiva da ac­ti­vi­dade ex­trac­tiva, fruto de uma no­tória falta de pes­soal ao ser­viço. Tal como re­fe­rido, a greve chegou a atingir mais de 75 por cento de adesão, entre o total de pes­soal ao ser­viço, o que se torna um nú­mero mais sig­ni­fi­ca­tivo se ti­vermos em conta que não afectou todos os sec­tores. A pró­pria di­recção da em­presa ad­mite que a pa­ra­li­sação foi uma «ati­tude to­mada pela mai­oria».

Também a de­tenção de 31 ope­rá­rios tem um pro­fundo im­pacto local, não só junto das suas fa­mí­lias como de uma co­mu­ni­dade entre si iden­ti­fi­cada pelo valor do tra­balho.

 

Uma luta vi­to­riosa

Os efeitos da greve fi­zeram-se sentir, de­sig­na­da­mente ao nível dos sa­lá­rios. Em todos os ca­das­tros re­fe­rentes a tra­ba­lha­dores das minas de carvão em ser­viço no re­fe­rido ano, pode-se en­con­trar in­for­mação sobre um sig­ni­fi­ca­tivo au­mento sa­la­rial, re­gis­tado em 16 de Abril de 1946, mês pos­te­rior ao fim da greve. Tendo pre­sente que os baixos sa­lá­rios foram das ra­zões mais apon­tadas para o início do pro­testo, este au­mento sa­la­rial, na média su­pe­rior aos 15 por cento, re­pre­sentou uma «vi­tória» nas pre­ten­sões dos ope­rá­rios gre­vistas, dando a este mo­vi­mento uma di­mensão e al­cance muito mais sig­ni­fi­ca­tivos.

Com a greve de 1946 nas minas de S. Pedro da Cova, foi lan­çado o germe para um mo­vi­mento que ga­nhará, nos anos e dé­cadas se­guintes, uma nova ex­pressão.

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1 De­poi­mento de Abílio Fer­reira, em NORTON, An­tónio. His­tó­rias da Opressão/​1. De­poi­mentos Gra­vados. Edição de a opi­nião. Porto, No­vembro de 1975. Pág. 41.

2 En­tre­vista a Ma­nuel Alves das Neves (Neca Rana), em 1982, S. Pedro da Cova. Ar­quivo MMSPC.

3 Bo­letim de Minas, Ano de 1939, Mi­nis­tério da Eco­nomia, Lisboa, 1941.

4 En­tre­vista a Se­rafim Mar­ques (Mo­li­ceira), re­a­li­zada pelo autor, em 26 de De­zembro de 2008, S. Pedro da Cova (casa do en­tre­vis­tado). Mi­nuto 98.

5 Minas de Carvão de S. Pedro da Cova. Dis­tri­buição do Pes­soal. S. Pedro da Cova, Fe­ve­reiro e Março de 1946. Ar­quivo do MMSPC.

6 Po­lícia In­ter­na­ci­onal e de De­fesa do Es­tado. Auto de Per­guntas. Res­pon­dente: Al­va­rinho Mon­teiro da Silva. Porto, 13 de Março de 1946. PC 24/​46. Fl. 135. Ar­quivo da PIDE/​DGS, ANTT, DGARQ.

7 De­poi­mento de Abílio Fer­reira, em NORTON, An­tónio. His­tó­rias da Opressão/​1. De­poi­mentos Gra­vados. Edição da a opi­nião. Porto, No­vembro de 1975. Pág. 43 e 46.

8 Do­cu­mento do PCP de 1 de Março de 1946. Pa­ra­li­zação total de tra­balho em S. Pedro da Cova, Monte Aven­tino e Rio Tinto! Os Mi­neiros re­voltam-se contra a ex­plo­ração fas­cistas!. Ar­quivo do GES/​PCP.

9 De­poi­mento de Abílio Fer­reira, em NORTON, An­tónio. His­tó­rias da Opressão/​1. De­poi­mentos Gra­vados. Edição de a opi­nião. Porto, No­vembro de 1975. Pág. 44 e 45.