Os principais fornecedores de armas para o Médio Oriente e Norte de África são também os principais beneficiários de contratos para reforçar as fronteiras da UE.
Um relatório do Transnational Institute, divulgado dia 4, veio pôr a nú a promíscua teia de interesses que está por trás da escalada militar e securitária desencadeada pela UE a pretexto da chamada «crise migratória».
Na realidade são precisamente os maiores exportadores de armas europeus que obtêm contratos milionários para a segurança das fronteiras. Ou seja, por um lado alimentam os conflitos que põem as populações em fuga, por outro lado vendem equipamentos e sistemas de vigilância para impedir a entrada de refugiados no espaço europeu. Parece um paradoxo mas não é.
Mas como refere o relatório «Guerras nas fronteiras – os traficantes de armas que lucram com a crise dos refugiados na Europa», estas empresas estão longe de serem «beneficiários passivos das mãos largas da União Europeia». Pelo contrário, «encorajam activamente a securização crescente das fronteiras europeias».
Por seu turno, são os próprios estados europeus que incentivam este duplo negócio, uma vez que concedem licenças de exportação de armamentos a empresas que depois contratam para reforçar a segurança das fronteiras e assim gerir as consequências das guerras que fomentam.
Vendedores de canhões
As exportações mundiais de armas para o Médio Oriente aumentaram 61 por cento entre os períodos de 2006-2010 e 2011-2015. Entre 2005 e 2014, os estados-membros da UE concederam licenças de exportação de armamentos para o Médio Oriente e Norte de África no valor de 82 mil milhões de euros.
Ao mesmo tempo, o «mercado» das fronteiras está em plena ascensão. Se em 2015 representou cerca de 15 mil milhões de euros, em 2022 este valor deverá quase duplicar para 29 mil milhões de euros.
Este aumento exponencial é visível no crescimento do orçamento do Frontex, que passou de 6,3 milhões de euros em 2005 para 238,7 milhões de euros em 2016.
O complexo industrial-militar não tem mãos a medir com as sucessivas operações militarizadas no Mediterrâneo, bem como em várias fronteiras de estados-membros, caso da Hungria, Croácia, Macedónia ou Eslovénia.
O relatório do Transnational Institute observa que o aumento da despesa militar é uma decorrência directa da resposta política europeia à crise dos refugiados, a qual assenta essencialmente no alegado combate aos traficantes de pessoas e ao reforço das fronteiras externas.
Aliás, parte das exportações de material militar para o Médio Oriente e Norte de África destina-se ao controlo das fronteiras externas, isto é em países terceiros.
Porém, a natureza dos fornecimentos permite que os equipamentos sejam utilizados para fins distintos da segurança fronteiriça. Além dos tradicionais veículos militares e helicópteros, as empresas europeias exportam igualmente sofisticados drones, sistemas de vigilância, biometria, tecnologia de informação e barreiras físicas.
Os líderes do «mercado»
A fatia de leão deste «mercado» cabe a apenas cinco empresas do complexo industrial militar europeu: as francesas Airbus, Thales e Safran, a italiana Finmeccanica e a espanhola Indra.
Segundo os investigadores, a Airbus e Finmeccanica lideram o segmento da segurança e controlo das fronteiras, sendo que a primeira recebeu quase 9,8 mil milhões de euros de financiamento da UE para projectos de investigação e desenvolvimento nesta área.
Finmeccanica, Thales e Airbus são igualmente os maiores exportadores de armamento da UE, tendo registado receitas no valor de 95 mil milhões de euros em 2015.
Para além destes gigantes, em torno dos quais existem muitas outras empresas de menor dimensão, os únicos beneficiários não europeus dos financiamentos comunitários para investigação são as empresas israelitas, que também estiveram presentes na fortificação das fronteiras da Bulgária e da Hungria.
Como se lê no relatório, a empresa israelita Btec Electronic Security Systems foi seleccionada pela Frontex para participar num seminário sobre vigilância das fronteiras em Abril de 2014. Um dos principais atributos da Btec são as «tecnologias, soluções e produtos instalados na fronteira islaelo-palestiniana».
O lobbying político
Outra conclusão relevante do relatório é o facto de a indústria de armamento e segurança participar na definição da política europeia de segurança das fronteiras.
Fá-lo principalmente através da Organização Europeia para a Segurança (EOS), que integra a Thales, Finmeccanica e Airbus, da Associação Europeia de Indústrias Aearoespaciais e de Defesa (ASD) e do Centro de Estudos Friends of Europe (Amigos da Europa).
De acordo com os investigadores, muitas das propostas destes influentes grupos de lobbying foram levadas à prática, sendo o exemplo mais recente a transformação da agência Frontex em Guarda Costeira e de Fronteiras Europeia, com poderes e efectivos alargados.
A estreita colaboração com a indústria militar é ainda assegurada pelas jornadas bianuais de diálogo com a Frontex, por mesas redondas sobre segurança e exposições de equipamentos e armas especializadas.
Por fim o relatório constata que «a UE tenta repetidamente lançar as culpas da morte de refugiados sobre os traficantes de pessoas, enjeitando as suas próprias responsabilidades em relação às causas que levam as pessoas a fugir, ao alimentar os conflitos e o caos nos seus locais de origem».
Do mesmo modo, a UE «é responsável pelas consequências da sua resposta militar à migração que gera», elegendo como orientação prioritária «a luta contra o negócio dos traficantes de pessoas», alocando a este objectivo meios militares suplementares. «Isto cria uma espiral, uma vez que quanto maior é o controlo e a repressão, maiores são os riscos que correm os refugiados, resultando em mais mortes», denuncia o relatório.