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Anabela Fino

O mi­nistro das Fi­nanças alemão Wolf­gang Schäuble afirmou an­te­ontem, na­quele tom ver­ri­noso que o ca­rac­te­riza, que o ob­jec­tivo das iné­ditas san­ções a Por­tugal e Es­panha por causa dos dé­fices não é «cas­tigar» os dois países mas sim «in­cen­tivá-los» a ac­tuar. Ma­ni­fes­ta­mente sa­tis­feito com os re­sul­tados da reu­nião dos mi­nis­tros das Fi­nanças da União Eu­ro­peia, Schäuble fez questão de ex­plicar aos jor­na­listas que houve um de­bate sobre se era «in­te­li­gente» tomar uma tal de­cisão no con­texto ac­tual da União Eu­ro­peia e que a con­clusão dos «in­te­li­gentes» como ele foi que «era muito im­por­tante que as re­gras eu­ro­peias se apli­quem», de forma a passar a men­sagem de que na UE pós Brexit tudo fun­ciona nor­mal­mente.

A «in­te­li­gência», re­bo­cada pela Ale­manha e seus acó­litos mais pró­ximos, impôs-se na­tu­ral­mente aos la­xistas e nem foi pre­ciso ir a votos. Ou­vidas as ale­ga­ções dos in­te­res­sados – sim, que isto na UE é tudo muito de­mo­crá­tico, mesmo quando as de­ci­sões estão pre­vi­a­mente to­madas – a Co­missão Eu­ro­peia tem 20 dias para impor uma multa ou para blo­quear o acesso «total ou par­cial» aos fundos es­tru­tu­rais. Não é um cas­tigo, in­siste Schäuble, mas um «in­cen­tivo», como de resto foi cla­ra­mente ex­pli­cado aos mi­nis­tros por­tu­guês, Mário Cen­teno, e es­pa­nhol, Luis de Guindos: «O risco de que se con­gelem os com­pro­missos dos fundos des­ti­nados ao fi­nan­ci­a­mento de pro­jectos a partir do pró­ximo mês de Ja­neiro pode ser evi­tado se, no res­tante de 2016, forem apli­cadas as re­co­men­da­ções do Con­selho. Se apli­carem ra­pi­da­mente me­didas efi­cazes para en­ca­mi­nhar o desvio do dé­fice já este ano, então será pos­sível le­vantar a sus­pensão dos fundos eu­ro­peus a partir de 2017».

Tra­du­zindo por miúdos, isto sig­ni­fica que se Por­tugal e Es­panha adop­tarem mais me­didas de aus­te­ri­dade não ha­verá san­ções; caso con­trário... Ou seja, em bom por­tu­guês, o que a Ale­manha chama de «in­cen­tivo» tem por cá o nome de chan­tagem.

Pouco dado a perder tempo com mi­nu­dên­cias destas, Schäuble con­si­dera que assim se envia um «sinal de fi­a­bi­li­dade» re­la­ti­va­mente às re­gras eu­ro­peias, o que de­monstra que para além de um di­ci­o­nário muito par­ti­cular o mi­nistro alemão dispõe também de uma bor­racha gi­gante que de uma bor­ra­cha­dela apagou as 114 oca­siões em que, desde 1999 até 2015, já foi vi­o­lada a regra eu­ro­peia de um dé­fice abaixo dos três por cento do Pro­duto In­terno Bruto, ou, para ser ri­go­roso, as 165, se in­cluirmos as 51 vezes em que tal foi per­mi­tido por os países es­tarem em re­cessão. Sem que daí re­sul­tassem san­ções, note-se. É ver­dade que neste rol fi­guram países como a França, Reino Unido, Itália e... pasme-se, até a Ale­manha, mas como diria Jean-Claude Juncker «la France c'est la France», o que no caso ver­tente sig­ni­fica sim­ples­mente que quem manda é a Ale­manha. É caso para dizer que não pre­ci­samos de tantos in­cen­tivos para con­cluir que esta UE não nos serve.

 



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