- Nº 2224 (2016/07/14)
Reunião Nacional de quadros do PCP

O estado da cultura em Portugal

Temas

Na reunião de quadros com intervenção na área da cultura, realizada no passado dia 2 de Julho, actualizou-se e aprofundou-se o diagnóstico sobre as políticas culturais seguidas pelos sucessivos governos, as consequências de décadas de política de direita também na área da cultura, o seu flagrante conflito com a Constituição da República Portuguesa (CRP) e, consequentemente, com os interesses de desenvolvimento humano, social e cultural do povo português.

A iniciativa abordou igualmente várias vertentes de intervenção no plano cultural de profissionais do sector ao movimento associativo popular, do ensino artístico à necessária inserção da cultura nos programas educativos gerais, da intervenção nas autarquias ao papel e responsabilidade do Estado central. A situação laboral e social das diversas formas de expressão artística foi também relatada e abordada, com intervenções ligadas às artes plásticas, ao teatro, à música, ao design, à literatura ou ao património.

A continuidade da desresponsabilização do Estado foi referida em diversas intervenções, bem como no documento de apoio ao trabalho dos participantes: «O facto de o actual Governo ter reclassificado a secretaria de Estado ao nível de Ministério não altera o essencial dessa herança: há ministro mas não há Ministério, que mantém os meios humanos, técnicos e orçamentais do governo anterior. O orçamento da Cultura para 2016 é o mais baixo de sempre, num país cujo orçamento para a Cultura era em 2015 o mais baixo da UE27 em percentagem da despesa pública». Esta linha de desinvestimento orçamental é visível num OE de apenas 0,1 por cento para a Cultura, mas também nos consecutivos cortes impostos às autarquias, hoje as principais financiadoras públicas desta área, com mais do dobro do financiamento da administração central. Aqui, como noutras áreas, assiste-se à transferência de competências sem os respectivos meios, através de tentativas de municipalização em curso. Isto mesmo foi cabalmente demonstrado pela deputada do PCP na AR, Ana Mesquita: «A tendência de diminuição do financiamento público da cultura no nosso País é notória e tem vindo a acentuar-se nos últimos 15 anos, com uma notória aceleração nos últimos cinco anos. Entre 2011 e 2016, a Cultura perdeu 61,1 milhões de euros no Orçamento do Estado – cerca de 40 por cento do que é hoje o Orçamento do Estado para a cultura – uns curtos, muito curtos, 154,4 milhões de euros. Cerca de 0,1 por cento do Orçamento do Estado. Outra linha caracterizadora da situação actual é o facto de mais de 70 por cento do financiamento público da cultura advir já do poder local, não chegando a 30 por cento o financiamento da administração central. Entre 2000 e 2005, a distribuição era 60 por cento/40 por cento».

Aspectos igualmente graves da desresponsabilização do Estado são a «empresarialização», com a entrega a privados de equipamentos públicos, e a «autonomia» das instituições, com a responsabilização pelo seu financiamento. Estes, a par de outros conceitos, como a «criatividade e empreendedorismo», as «indústrias culturais e criativas» ou a «penetração da economia na cultura e da cultura na economia» são peças de profundo carácter ideológico que visam dois objectivos: a ausência de uma real democratização cultural, da qual o Estado se demite, bem como a integração da cultura numa esfera puramente económica.

Em várias intervenções foram sendo traçadas as consequências que aquelas causas provocaram: um nunca visto atrofiamento das funções e da actividade programada; encerramento definitivo e em massa de estruturas e cortes substanciais de programação a todos os níveis da actividade, das colectividades populares aos teatros nacionais, passando pelas estruturas de produção independente; redução do quadro permanente de trabalhadores das estruturas ao mínimo e crescimento exponencial do desemprego, da precariedade, do subemprego e do trabalho não-remunerado; redução da rede de serviço público; extinção e degradação das carreiras profissionais na administração pública; concentração da actividade e do emprego em áreas sujeitas a forte mercantilização e desqualificação: entretenimento, publicidade, produção multimédia e turismo; crescimento da emigração a níveis nunca vistos; abandono das profissões; perdas irreparáveis e degradação acelerada de património cultural, de informação e documentação. Aniquilou o potencial cultural e artístico de gerações mais jovens, as mais qualificadas de sempre.

O Serviço Público de Cultura

O PCP defende um Serviço Público na área da Cultura que dê cumprimento a uma das responsabilidades do Estado consagradas na CRP. Este objectivo, que envolveria várias estruturas do Estado central, articulando-o com as autarquias e outros agentes fora da esfera do Estado, incumbe a este um determinante papel na definição das políticas e das prioridades e dotação dos respectivos meios humanos, técnicos e financeiros, de forma a permitir a concretização de objectivos centrais para os comunistas: a democratização, o acesso generalizado à criação e à fruição, a liberdade de criação e a defesa e apropriação generalizada do património e da criação contemporânea. Neste sentido foi referida a actualidade, importância e abrangência das medidas e orientações constantes do Programa eleitoral do PCP para as últimas eleições legislativas no debate político para as batalhas em curso nesta frente.

O desenvolvimento e alargamento da luta

Em diversas intervenções foi referido o papel da luta. A luta dos trabalhadores por salários, contratos, horários de trabalho, condições de segurança no trabalho, o esforço desenvolvido pelos sindicatos no sentido de os envolver na discussão sobre os seus direitos. Foram assinaladas, nas intervenções, as armas ideológicas difundidas, que procuram banalizar toda a instabilidade profissional existente, com o conceito de «intermitência» ou assumindo a precariedade de cada um quando, na verdade, são os vínculos que são precários, mas também que a inexistência de horários e de contratos são uma inerência destas profissões e que falamos de artistas e não de trabalhadores.

A par do desenvolvimento e agravamento da política de direita nos últimos anos, ocorreram acontecimentos e iniciaram-se processos de acção política nas áreas da cultura, de grande importância, com expressão de massas, mudando sensivelmente as condições em que se realizava a luta dos trabalhadores da cultura e em defesa da cultura, e marcando, seguramente em definitivo, o trabalho futuro, nomeadamente com a criação do Manifesto em Defesa da Cultura e com toda a dinâmica de massas e agregadora que logrou obter.