Os problemas avolumam-se

Rui Fernandes

Sobre as mal­fei­to­rias do go­verno PSD/​CDS no que res­peita aos mi­li­tares, já tudo foi dito: desde as al­te­ra­ções ne­ga­tivas ao Es­ta­tuto dos Mi­li­tares, pas­sando pelo ataque nas áreas da saúde, apoios so­ciais e re­formas, a um re­la­ci­o­na­mento ad­mi­nis­tra­ti­vista com as as­so­ci­a­ções mi­li­tares e op­ções de re­e­qui­pa­mento pau­tadas por in­te­resses e pri­o­ri­dades ao lado dos reais in­te­resses e pri­o­ri­dades na­ci­o­nais, até aos ra­lhetes pú­blicos do então mi­nistro, tudo acon­teceu. Tudo acon­teceu com im­pactos no fun­ci­o­na­mento da pró­pria Ins­ti­tuição, nas suas ca­pa­ci­dades ope­ra­ci­o­nais e mo­ti­vação (uma coisa é as mis­sões serem cum­pridas, outra coisa é a mo­ti­vação na sua re­a­li­zação), e também na sua pró­pria ca­pa­ci­dade de atracção com os ób­vios re­flexos.

Ora, im­punha-se, e impõe-se, um outro ca­minho. Mas em boa ver­dade, vai-se ge­ne­ra­li­zando a ideia de que assim não será no que res­peita con­cre­ta­mente a esta área. Pre­ci­sando: é certo que há me­didas po­si­tivas de ordem geral que também têm re­per­cussão po­si­tiva nos mi­li­tares. Mas no que res­peita aos as­pectos es­pe­cí­ficos, não só ne­nhum sinal ou me­dida surge como, nal­guns casos, o sinal é de sen­tido con­trário.

É assim, quando o sinal que o MDN dá no que res­peita ao Es­ta­tuto dos Mi­li­tares é o da sua não al­te­ração; quando sete meses de­pois o MDN ainda não en­con­trou tempo para re­ceber todas as as­so­ci­a­ções mi­li­tares e com elas pro­curar es­ta­be­lecer um re­la­ci­o­na­mento mais pro­fícuo; quando as­sume como boa a Lei de Pro­gra­mação Mi­litar ou, mais per­cep­tível, do Re­e­qui­pa­mento; quando mantém uma si­tu­ação pan­ta­nosa no IASFA, sem qual­quer reu­nião do seu con­selho con­sul­tivo e em que se impõe que o «con­sul­tivo» não seja um mero pró-forma, mas uma via real de de­fi­nição das op­ções; quando mantém in­jus­tiças, como seja a li­gada aos com­ple­mentos de pensão, que feriu le­gí­timas ex­pec­ta­tivas de mi­li­tares. Tudo isto quando, si­mul­ta­ne­a­mente, já foram pu­bli­cados novos dis­po­si­tivos le­gais que sus­citam le­gí­timos ques­ti­o­na­mentos, como seja o li­gado com o abate aos qua­dros ou o li­gado com o IASFA, entre ou­tros exem­plos. Ao mesmo tempo pros­segue não só o dis­curso lau­da­tivo da par­ti­ci­pação e in­serção ex­terna nas suas di­versas ge­o­me­trias, como en­grossa a voz para a ne­ces­si­dade de uma ati­tude firme da NATO face à Rússia, res­tando saber o que é que no con­creto isto quer dizer.

Sobre o abate aos qua­dros por opção do pró­prio res­sar­cindo, jus­ta­mente, a Ins­ti­tuição, a fi­lo­sofia foi au­mentar o con­junto de fac­tores que contam para o cál­culo do valor a ser pago. Se é certo que a Ins­ti­tuição não pode ser uti­li­zada como uma mera es­cola de for­mação, finda a qual se sai para onde se é me­lhor pago, é certo também que: pri­meiro, é pre­ciso medir os fac­tores que contam para o cál­culo desse valor, porque há custos que de­correm da função (por exemplo: se um mi­litar é in­di­cado para uma de­ter­mi­nada for­mação de­cor­rente da sua função e uns anos de­pois de­seja o abate aos qua­dros, essa for­mação conta como factor para o res­sar­ci­mento?); se­gundo, não se vê que seja sa­lutar para a Ins­ti­tuição em­pa­redar de tal modo essa via de saída, fa­zendo com que na prá­tica seja quase uma im­pos­si­bi­li­dade, man­tendo nas fi­leiras pes­soas que já não de­sejam lá estar. E não vale a pena ar­gu­mentar com a saída dos pi­lotos, porque o dis­po­si­tivo legal não é só a esses apli­cável.

Perda de ca­pa­ci­dades

Sobre a in­serção e par­ti­ci­pação ex­terna que tanto pres­tígio re­colhe, in­cluindo o da ne­ces­si­dade do au­mento das des­pesas, tem tido como re­sul­tado in­ver­sa­mente pro­por­ci­onal o do au­mento das di­fi­cul­dades das ca­pa­ci­dades na­ci­o­nais, no­me­a­da­mente na ma­nu­tenção dos meios e no pes­soal, in­cluindo a falta dele, a que acresce os vá­rios pro­blemas de na­tu­reza mais es­tri­ta­mente sócio-pro­fis­si­onal.

Não vale a pena fingir sobre a re­a­li­dade, nem ter tar­tufos pu­dores na abor­dagem da questão. A re­a­li­dade é que, e mesmo abs­traindo desta equação geral as pre­missas es­ta­be­le­cidas na Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa (art.º 273.ª, art.º 9.º e art.º 7.º), para as grandes po­tên­cias é pos­sível ter uma am­pli­tude de meios e forças que lhes per­mite res­ponder no plano ex­terno sem com­pro­meter os seus in­te­resses na­ci­o­nais per­ma­nentes. A in­vasão pro­gres­siva, mas cons­tante, dessas con­cep­ções para a re­a­li­dade na­ci­onal, onde passou a ser quase crime «não ir, não estar, não dar», com tra­dução, no­me­a­da­mente, no mo­delo or­ga­ni­za­tivo das forças ar­madas, nas op­ções de re­e­qui­pa­mento e de ma­nu­tenção, deram e estão a dar um forte con­tri­buto para a si­tu­ação exis­tente. A imagem gro­tesca disto é que temos pres­tígio ex­terno, dizem, mas de­cide-se pôr um po­lícia ma­rí­timo nas ilhas sel­va­gens. Podem os de­fen­sores de tal ca­minho con­ti­nuar a in­sistir que a re­a­li­dade não se al­tera por causa disso, mas ao que tal in­sis­tência pode con­duzir é a uma perda ainda maior das ca­pa­ci­dades na­ci­o­nais de res­posta aos in­te­resses per­ma­nentes de Por­tugal en­quanto país so­be­rano e in­de­pen­dente.

Em re­sul­tado do re­fe­rendo no Reino-Unido, Martin Schulz, pre­si­dente do Par­la­mento Eu­ropeu, veio com ar de caso, dedo em riste e voz grossa, avisar: «quem sair terá con­sequên­cias». Do alto do seu pe­destal, não aprendeu nada com o re­sul­tado. Não ouviu nada antes e não ouviu nada de­pois. Há no plano na­ci­onal quem faça o mesmo e julgue que a velha frase do «tudo como dantes, quartel-ge­neral em Abrantes» é eterna. A his­tória não se re­pete, mas en­sina.



Mais artigos de: Argumentos

A Frente Leste

Na passada segunda-feira, por volta da hora de jantar, a TVI24 transmitiu mais uma reportagem no âmbito da sua rubrica «Observatório do Mundo», aliás habitualmente preenchida com conteúdos resultantes de uma colaboração permanente com um canal público...

«El Condor Pasa»

Um senhor alemão, com ar de instalado na vida e decerto tendo, no seu amplo escritório, obras de arte excelentes, como, por exemplo, quadros de gráficos históricos imortalizando dias felizes de credores troikando sorrisos após boa cobrança e jarras...