Desporto para o povo?

Octávio Augusto (Membro da Comissão Política)

A vi­tória da se­lecção na­ci­onal de fu­tebol no eu­ropeu e uma série de ex­ce­lentes re­sul­tados em vá­rias mo­da­li­dades, am­pli­ados pela co­mu­ni­cação so­cial de forma exaus­tiva, pro­du­ziram um duplo efeito: Uma onda de eu­foria e, ao mesmo tempo, uma ilusão quanto à re­a­li­dade da si­tu­ação em que se en­contra o des­porto na­ci­onal.

Também no des­porto, há con­cep­ções po­lí­ticas e ide­o­ló­gicas in­con­ci­liá­veis

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Ainda o país não es­tava re­com­posto de ta­manha eu­foria e in­con­tá­veis ho­me­na­gens, ce­ri­mó­nias e fes­ti­vi­dades, e de novo o des­porto ocupou boa parte das pri­o­ri­dades me­diá­ticas, ainda por cima num mo­mento em que, como é há­bito, a agenda no­ti­ciosa era es­cassa. Vi­nham aí os Jogos Olím­picos!

Ou­viram-se pre­vi­sões para todos os gostos. Desde os mais pes­si­mistas aos mais en­tu­si­as­mados que anun­ci­avam me­da­lhas…duas, três, quatro, cinco… Ter­mi­nados os jogos, as opi­niões também di­vergem entre os que con­si­deram a pres­tação na­ci­onal po­si­tiva e os que a con­si­deram ne­ga­tiva e aquém das pos­si­bi­li­dades.

Uma coisa é certa: Esta in­vulgar sequência de acon­te­ci­mentos e re­sul­tados des­por­tivos glo­bal­mente po­si­tivos veio des­pertar mais cons­ci­ên­cias para a re­a­li­dade do des­porto na­ci­onal, que vai muito para além do fu­tebol, e para a ne­ces­si­dade de uma re­flexão sobre as ra­zões para que «o des­porto na­ci­onal sofra de uma das suas mais graves crises desde 1974» (1).

A pe­quena di­mensão do nosso país não pode ser um ar­gu­mento vá­lido quando nos com­pa­ramos com os ou­tros países com idên­tico nú­mero de ha­bi­tantes. Onde está então o pro­blema?

O pro­blema é do foro po­lí­tico(2), ou seja está nas po­lí­ticas, nas op­ções, nas pri­o­ri­dades.

Es­tado da arte

Al­guns ele­mentos da­quilo que o PCP ca­rac­te­rizou, em 2015, como um di­ag­nós­tico de­vas­tador:

- As cri­anças do 1.º ciclo do bá­sico con­ti­nuam sem Edu­cação Fí­sica pe­da­go­gi­ca­mente in­te­grada;

- Aten­dendo à forma como se im­ple­men­taram, as ac­ti­vi­dades cha­madas de en­ri­que­ci­mento cur­ri­cular de­sem­pe­nham uni­ca­mente uma função de ocu­pação do tempo livre, re­ve­lando-se até como pre­ju­di­ciais para a afir­mação da Edu­cação Fí­sica cur­ri­cular;

- Os jo­vens que fre­quentam as es­colas do 2.º e 3.ºci­clos do bá­sico e do se­cun­dário, en­frentam com os seus pro­fes­sores di­fi­cul­dades acres­cidas de re­a­li­zação da Edu­cação Fí­sica e do des­porto es­colar;

- A ac­ti­vi­dade fí­sica e des­por­tiva nas uni­ver­si­dades é pra­ti­ca­mente ine­xis­tente;

- O sub­sis­tema do des­porto fe­de­rado con­tinua a não ver re­co­nhe­cida a im­por­tância da sua acção em termos da for­mação, ori­en­tação e es­pe­ci­a­li­zação dos jo­vens que re­velam mai­ores ap­ti­dões, não re­ce­bendo da parte dos go­vernos o apoio in­dis­pen­sável para a es­tru­tu­ração do nível de alto ren­di­mento que um país mo­derno exige. De­vido a esta si­tu­ação Por­tugal não con­segue om­brear com os países eu­ro­peus e vá­rios do resto do mundo, que pos­suem ca­rac­te­rís­ticas de­mo­grá­ficas e es­tru­tu­rais do mesmo nível;

- O parque de ins­ta­la­ções des­por­tivas es­pa­lhadas pelo ter­ri­tório mantém-se ca­rac­te­ri­zado por uma enorme su­bu­ti­li­zação, en­fren­tado sé­rios pro­blemas de gestão;

- A au­sência de es­forços con­ju­gados entre os di­versos sec­tores do Es­tado, as au­tar­quias lo­cais, o mo­vi­mento as­so­ci­a­tivo des­por­tivo e as em­presas, im­pede que se es­tru­ture uma po­lí­tica na­ci­onal de de­sen­vol­vi­mento do des­porto;

- A trans­fe­rência de com­pe­tên­cias e res­pon­sa­bi­li­dades do Es­tado Cen­tral para o Poder Local no sen­tido do de­sen­vol­vi­mento da prá­tica des­por­tiva e da cri­ação das bases ma­te­riais para a vi­a­bi­lizar, não é acom­pa­nhada da in­dis­pen­sável trans­fe­rência de meios fi­nan­ceiros;

- O mo­vi­mento as­so­ci­a­tivo des­por­tivo vive um mo­mento ex­tre­ma­mente di­fícil. Di­fi­cul­dades que advêm da crise que li­mitou for­te­mente a ca­pa­ci­dade de fi­nan­ci­a­mento local, do agra­va­mento das con­di­ções de vida e da des­re­gu­lação dos ho­rá­rios de tra­balho dos seus di­ri­gentes, da al­te­ração da lei do ar­ren­da­mento ur­bano;

- O des­porto para as pes­soas com de­fi­ci­ência con­tinua a ser apre­sen­tado através dos êxitos con­se­guidos por al­guns atletas que, com as suas fa­mí­lias e os seus trei­na­dores, são afinal quem sus­tenta a sua pre­pa­ração, sem re­ceber o apoio sig­ni­fi­ca­tivo;

- A do­tação or­ça­mental para o sector, as­su­mindo desde há muito tempo uma po­breza cons­tran­ge­dora, foi agra­vada com o pre­texto da crise. Na ver­dade, esta si­tu­ação traduz o des­prezo a que é vo­tado o des­porto, e des­co­nhece, ou re­cusa, por in­com­pe­tência e in­cúria, o enorme papel que as ac­ti­vi­dades fí­sicas e des­por­tivas podem e devem de­sem­pe­nhar em termos de pou­pança em saúde, de au­mento da pro­du­ti­vi­dade, na luta contra o in­su­cesso es­colar e a favor da in­te­gração so­cial dos jo­vens;

- A pe­núria dos meios postos à dis­po­sição dos di­fe­rentes sub­sis­temas, im­pede o in­dis­pen­sável de­sen­vol­vi­mento do des­porto de alto ren­di­mento – o que põe em causa não só a res­posta aos/​às jo­vens que a ele de­sejam aderir, como também a afir­mação in­ter­na­ci­onal do País –, e leva conduz à mer­can­ti­li­zação das prá­ticas.

Há quem de­fenda um amplo «con­senso da visão do des­porto na­ci­onal para o sé­culo XXI» (3).

Mas não se pode es­ca­mo­tear que, também no des­porto, há con­cep­ções po­lí­ticas e ide­o­ló­gicas in­con­ci­liá­veis. O PCP con­si­dera in­dis­pen­sável uma nova po­lí­tica para a edu­cação fí­sica e o des­porto que, an­co­rada nos de­síg­nios cons­ti­tu­ci­o­nais, rompa de­ci­di­da­mente com an­te­ri­ores op­ções po­lí­ticas neste sector.
___________

1) Al­fredo Melo de Car­valho – Avante! – 11/​8/​2016
2) José Garcia, chefe da missão por­tu­guesa aos Jogos Olím­picos
3) Fran­cisco Tei­xeira da Mota – Pú­blico – 19/​8/​2016

 



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