Comentário

O lobo com pele de cordeiro

João Ferreira

1. O «ro­a­ming».

A na­tu­reza as­si­mé­trica da União Eu­ro­peia re­vela-se nas pe­quenas como nas grandes coisas.

Acabar com o «ro­a­ming» nas co­mu­ni­ca­ções mó­veis na UE – a ta­rifa que se paga nas co­mu­ni­ca­ções através de te­le­móvel (voz, men­sa­gens e dados mó­veis) entre países – é um ob­jec­tivo que há muito vem sendo pro­cla­mado. Apa­ren­te­mente con­sen­sual, o tema tem ser­vido vastas vezes para fins de pro­pa­ganda ins­ti­tu­ci­onal, para ilus­trar as van­ta­gens que a UE pode trazer aos ci­da­dãos-con­su­mi­dores, na sequência de de­ci­sões an­te­ri­ores que re­du­ziram o mon­tante dessas ta­rifas. Por cum­prir ficou a pro­messa de lhe pôr fim, agora apra­zada para 2017.

Como tantas vezes acon­tece, por de­trás da apa­rente bon­dade da pro­posta existe o re­verso da me­dalha.

As cha­madas efec­tu­adas em «ro­a­ming» acar­retam mais custos do que os as­so­ci­ados a cha­madas na­ci­o­nais. A questão é ine­vi­tável: aca­bando as ta­rifas de «ro­a­ming», quem pa­gará esses custos? Acresce que os países/​re­giões re­cep­tores lí­quidos de fluxos tu­rís­ticos terão au­mentos sa­zo­nais de pressão sobre as res­pec­tivas redes, que nal­guns casos podem ser sig­ni­fi­ca­tivos, o que pode causar pro­blemas ao ser­viço e/​ou exigir in­ves­ti­mentos no re­forço da rede. A mesma per­gunta: quem paga esses in­ves­ti­mentos?

As ope­ra­doras de co­mu­ni­ca­ções mó­veis destes países – nos quais Por­tugal ob­vi­a­mente se in­clui – já vi­eram avisar: se não for pos­sível re­flectir estes e ou­tros custos, de ope­ração e de in­ves­ti­mento, nas ta­rifas de «ro­a­ming», então eles serão di­luídos... nas ta­rifas do­més­ticas! Ou seja, e para sermos claros: pre­fi­gura-se a pos­si­bi­li­dade de virem a ser os con­su­mi­dores dos países do Sul a arcar com os custos do fim do «ro­a­ming» no con­junto da UE.

Eis o «mer­cado único das te­le­co­mu­ni­ca­ções»! Neste como nou­tros sec­tores, a li­be­ra­li­zação e a mi­rí­fica «livre con­cor­rência» servem ob­jec­tivos de con­cen­tração mo­no­po­lista à es­cala eu­ro­peia. Não servem nem os con­su­mi­dores, nem o in­te­resse na­ci­onal.


2. A «rein­dus­tri­a­li­zação».

Têm mar­cado pre­sença as­sídua no ple­nário do Par­la­mento Eu­ropeu os de­bates sobre a ne­ces­si­dade de «rein­dus­tri­a­lizar a Eu­ropa». Assim su­cedeu este mês, mais uma vez, a pre­texto dos re­centes casos de en­cer­ra­mento de uni­dades pro­du­tivas da Ca­ter­pillar e da Alstom, no­me­a­da­mente em França e na Ir­landa.

Nestes de­bates, o ci­nismo da mai­oria (so­cial-de­mo­cracia, li­be­rais, con­ser­va­dores e afins) é mo­nu­mental. Co­meçam por la­mentar a si­tu­ação dos tra­ba­lha­dores des­pe­didos. Pedir a mo­bi­li­zação de apoios pa­li­a­tivos para fazer face à sua di­fícil si­tu­ação. Mas nem por um mo­mento põem em causa as po­lí­ticas que estão na base da dita de­sin­dus­tri­a­li­zação. Pelo con­trário, re­a­firmam-nas. As mesmas po­lí­ticas que per­mitem às mul­ti­na­ci­o­nais des­lo­ca­li­za­ções su­ces­sivas, sempre em busca de me­lhores con­di­ções de ex­plo­ração dos tra­ba­lha­dores, dei­xando atrás de si um rasto de mi­séria e des­truição. Uma es­tra­tégia be­duína que chega a ser in­cen­ti­vada pela pró­pria UE, quando con­cede vul­tu­osos apoios à ins­ta­lação de mul­ti­na­ci­o­nais num Es­tado-membro, mesmo que estas ve­nham des­lo­ca­li­zadas doutro Es­tado-membro.

Mas nestes de­bates vai-se muito além deste exer­cício de ci­nismo e de hi­po­crisia. In­va­ri­a­vel­mente, a re­fe­rida mai­oria acaba a des­fiar todo um pro­grama po­lí­tico.

De­fendem mer­cados abertos à es­cala mun­dial, as li­be­ra­li­za­ções. Mas pedem aos es­tados e à UE que te­nham atenção à «con­cor­rência des­leal» que as em­presas da UE têm de en­frentar no plano mun­dial. Ou seja, eco­nomia de mer­cado aberta sim. Desde que o poder de Es­tado – que nou­tras oca­siões se exige «mí­nimo» – seja todo usado na de­fesa dos in­te­resses dos mo­no­pó­lios.

De­fendem mais apoios pú­blicos à «rein­dus­tri­a­li­zação eu­ro­peia», no­me­a­da­mente vindos do or­ça­mento da UE. Mas, ao mesmo tempo, de­fendem uma «po­lí­tica in­dus­trial eu­ro­peia» que dê um sen­tido global e uma co­e­rência a esses in­ves­ti­mentos. Uma po­lí­tica que pre­veja as ne­ces­sá­rias «re­es­tru­tu­ra­ções» e que aposte «onde somos mais fortes». Tra­du­zindo: uma «po­lí­tica in­dus­trial» que sirva os in­te­resses das grandes po­tên­cias e das suas mul­ti­na­ci­o­nais. Como? Aju­dando-as a «ga­nhar es­cala» no plano eu­ropeu – através das ditas «re­es­tru­tu­ra­ções», um eu­fe­mismo que sig­ni­fica o ani­quilar da in­dús­tria da pe­ri­feria eu­ro­peia – para me­lhor com­pe­tirem no plano in­ter­na­ci­onal, no tal mer­cado aberto global. Eis, pois, o ob­jec­tivo da re­cla­mada «po­lí­tica in­dus­trial eu­ro­peia»: pro­mover a con­cen­tração mo­no­po­lista à es­cala eu­ro­peia, dando mús­culo ao grande ca­pital eu­ropeu na con­cor­rência inter-im­pe­ri­a­lista.

Por esta gente, para os tra­ba­lha­dores so­brará mi­séria. E mais al­gumas pun­gentes de­cla­ra­ções numa qual­quer fu­tura sessão ple­nária...




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