Um homem anda durante 28 dias em fuga e pode conjecturar-se se assim não continuaria se não se tivesse entregado. Tranquilize-se entretanto quem esteja a ler, porque não se trata aqui de opinar sobre uma matéria à qual um órgão da estatura do Correio da Manhã tem dedicado tanto esforço informativo.
A questão suscitada é outra: é olhar para a demografia da área geográfica desta fuga. Uma das razões possíveis por ser tão difícil encontrá-lo é porque havia muito pouca gente que o pudesse ver. Terá andado por Arouca (67,9 hab/km2), por S. Pedro do Sul (10,3 hab/km2), por Aguiar da Beira (26,4 hab/km2), por Sátão (61,6 hab/km2). E se, eventualmente, se terá arriscado a lugares mais densamente habitados (como os modestos 136,4 hab/km2 de Vila Real, 230,4 hab/km2 de Amares, 264,7 hab/km2 de Marco de Canaveses), rapidamente regressou aos quase desertificados concelhos de onde partiu.
É este o panorama demográfico de uma enorme mancha de um Portugal nem sequer muito interior. A desertificação humana de boa parte dos concelhos do País é um dos traços mais evidentes das extremas desigualdades que caracterizam o Portugal de hoje. E é um dos mais veementes libelos acusatórios contra as políticas há quatro décadas levadas a cabo por sucessivos governos.
Nestes lugares onde não existe ninguém para ver um homem que foge não há também ninguém, por exemplo, para detectar um incêndio que deflagra. Só este ano 1075 hectares ardidos em Viseu, 1077 em Vila Real. Com uma particularidade significativa: neste tipo de distritos a área de mato ardida é sempre superior à área ardida de povoamentos florestais. Bem pode o actual Governo pretender substituir a gente que falta pela vídeo vigilância na detecção de fogos: o problema não é só saber onde arde, é arder em zonas totalmente ao abandono e inacessíveis.
E outro dado: Portugal é o país da UE com a mais elevada percentagem de população em risco de pobreza nas áreas de mais baixa densidade populacional, 23,4 por cento segundo o Eurostat (dados de 2009, o que significa que a situação actual será ainda pior). O dobro da percentagem em áreas densamente povoadas, 11,9 por cento.
Ao contrário do homem em fuga, os responsáveis por esta situação não estão a contas com a Justiça.