Amigos para a ocasião

Correia da Fonseca

Ao que ainda lem­bram os mais ve­lhos, nos pés­simos tempos da Se­gunda Guerra Mun­dial fa­lava-se muito de uma tal Quinta Co­luna que teria dis­creta mas eficaz in­fluência no re­sul­tado de di­versas si­tu­a­ções ha­vidas so­bre­tudo nos pri­meiros anos do con­flito, quando os avanços do exér­cito nazi sur­giam como im­pa­rá­veis e ine­vi­ta­vel­mente vi­to­ri­osos. A de­sig­nação de Quinta Co­luna era então apli­cada ao pu­nhado, ou talvez antes o pu­nhadão de mi­li­tantes ou sim­pa­ti­zantes nazis, em prin­cípio civis, que se in­fil­travam na po­pu­lação dos países que a Ale­manha se pre­pa­rava para atacar ou que no in­te­rior deles eram re­cru­tados e aí se apli­cavam a se­mear bo­atos, men­tiras, ca­lú­nias, que en­fra­que­ce­riam a pre­vi­sível re­sis­tência dos agre­didos e desse modo fa­ci­li­tavam a vi­tória do as­salto alemão. A ideia não era es­tranha nem se­quer sur­pre­en­dente: a pro­pa­ganda como arma de guerra, e con­se­quen­te­mente também qual­quer tipo de acção sobre as men­ta­li­dades, era a con­tri­buição do fa­mi­ge­rado dr. Go­eb­bels para o pro­jec­tado triunfo final do III Reich, o tal que du­raria mil anos e afinal morreu nas pla­ní­cies ge­ladas da União So­vié­tica numa al­tura em que os Ali­ados Oci­den­tais ainda me­di­tavam acerca do mais pro­pício lugar onde abrir a cha­mada Se­gunda Frente. De então para cá de­cor­reram dé­cadas e muita coisa mudou no mundo, mas a idei­a­zinha de in­jectar im­pos­turas na ca­beça das gentes não de­sa­pa­receu: bem pelo con­trário, en­con­trou meios mais efi­cazes, mé­todos aper­fei­ço­ados e as van­ta­gens de­cor­rentes do pro­gresso tec­no­ló­gico. De onde, na­tu­ral­mente, o seu pros­se­gui­mento e as vi­tó­rias por ela al­can­çadas.

Serão após serão

Sendo assim, o sur­pre­en­dente seria que a uti­li­zação de uma qual­quer es­pécie de Quinta Co­luna, ainda que de for­mato di­fe­rente, es­ti­vesse au­sente da ac­tual fase da vida po­lí­tica por­tu­guesa. E, uma vez que se trata de con­quistar po­si­ções nas ca­beças dos que podem in­flectir o rumo do País a curto/​médio prazo, nada pa­rece mais eficaz do que uti­lizar os po­deres de con­ven­ci­mento sem dor que são os da co­mu­ni­cação so­cial em geral e em es­pe­cial da te­le­visão, a tal que li­te­ral­mente nos entra pelos olhos adentro sem pre­juízo da parte que se re­fere aos ou­vidos. Posta assim a questão, segue-se a ve­ri­fi­cação do que em con­creto vai acon­te­cendo na vida quo­ti­diana dos ci­da­dãos que são agora te­les­pec­ta­dores e em breve serão elei­tores a votar. E aquilo a que as­sis­timos é à en­trada dos ca­nais por­tu­gueses de te­le­visão na ba­talha de ideias e con­ven­ci­mentos que está em curso, como aliás o está sempre ainda que com va­riá­veis in­ten­si­dades. Dia após dia, serão após serão, vemos e ou­vimos os di­versos ca­nais, uns mais que ou­tros mas talvez ne­nhum ino­cente, a dis­pa­rarem em al­tis­so­nância as no­tí­cias de­for­madas, in­tei­ra­mente falsas ou apenas ajei­tadas, que possam gerar de­sa­grado pelo go­verno que co­meteu o pe­cado mortal de ca­mi­nhar com más com­pa­nhias. Es­co­lhi­dís­simos a dedo, os co­la­bo­ra­dores opi­nantes for­necem uma su­gestão de plu­ra­lismo que possa iludir dis­traídos e in­gé­nuos, e a ofen­siva vai ao ponto de jor­na­listas/​apre­sen­ta­dores de pro­gramas par­ti­ci­parem no com­bate com certos des­ta­ques vo­cais ou ges­tuais. Quanto às in­for­ma­ções dadas «em ro­dapé», acon­tece bar­ri­carem-se na am­bi­gui­dade ou na má re­dacção para con­tra­ban­de­arem fal­si­dades. Em re­sumo, trata-se de uma apa­rente ofen­siva con­junta para de­belar o ter­rível fe­nó­meno que atingiu o Par­la­mento: nele ter sido plan­tada a ár­vore sempre mal­dita de uma nova cor­re­lação de forças, coisa an­ti­na­tural que é ur­gente com­bater e er­ra­dicar, pois bem se sabe que a di­reita en­tende ter sempre o di­reito si­mul­ta­ne­a­mente na­tural e di­vino de mandar. Per­cebe-se que neste quadro a te­le­visão tenha de estar pre­sente com os seus es­pe­cí­ficos mé­todos e ca­pa­ci­dades e também que no seu in­te­rior te­nham de agir os pos­sí­veis ope­ra­tivos que queiram res­ponder à mo­bi­li­zação. Porque a hora é de luta para der­rubar os usur­pa­dores. E os amigos são para as oca­siões.

 



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