Objectividades

Henrique Custódio

Passou na te­le­visão um «re­sumo» do «con­flito na Síria», onde re­vimos o que se chamou «o co­meço». É pena que os ca­nais de te­le­visão não «re­vejam» mais vezes, para que fi­nal­mente se veja (com «dis­tan­ci­a­mento», como gostam os opi­na­dores de ser­viço) a ver­gonha que foi toda aquela li­teral ar­mação.

Lá vimos mais uma vez uma ar­ruaça de meia dúzia de pro­vo­ca­dores, a per­turbar a pa­catez de uma rua na Síria e a re­ceber, dos re­pór­teres te­le­vi­sivos, in­fla­madas apre­ci­a­ções cha­mando àquilo uma «re­volta po­pular contra o re­gime». In­fe­liz­mente, fal­taram «apon­ta­mentos de re­por­tagem» igual­mente es­cla­re­ce­dores, como uns mar­gi­nais a agitar armas li­geiras em vi­a­turas abertas e ro­dando pelos po­vo­ados es­ba­fo­rindo os tran­seuntes. Visto à dis­tância, é ainda mais con­fran­gedor do que as «re­por­ta­gens» com um bando de ar­ru­a­ceiros a der­rubar uma es­tátua de Saddam numa praça de Bagdad, na sequência da in­vasão dos EUA.

Mais tarde, há-de fazer-se a his­tória desta si­nistra ma­qui­nação norte-ame­ri­cana para de­ses­ta­bi­lizar a Líbia e a Síria, en­quanto o Iraque já ardia nas in­ter­ven­ções mi­li­tares di­rectas dos EUA, a pre­texto de uma gros­seira men­tira de «armas de des­truição ma­ciça».

A res­pon­sa­bi­li­dade dos EUA nos «con­flitos do Médio Ori­ente» é muito vasta, in­cluindo a or­ga­ni­zação, trei­na­mento e fi­nan­ci­a­mento da Al Qaeda para com­bater os so­vié­ticos no Afe­ga­nistão, de­cor­rendo daí uma in­trin­cada rede de apoios a su­ces­sivos grupos ter­ro­ristas, apoi­ados pelos EUA e ali­ados na Eu­ropa con­so­ante as con­ve­ni­ên­cias e os «ta­bu­leiros es­tra­té­gicos» que foram en­gen­drando para as con­ve­ni­ên­cias po­lí­ticas do mo­mento (ficou cé­lebre a pro­sápia do pre­si­dente francês Sar­kozy a dizer, pu­bli­ca­mente e nas vés­peras da «pri­ma­vera árabe» ur­dida na Líbia pelos «ali­ados oci­den­tais», que queria para a França «um terço do pe­tróleo líbio»).

O apoio dos EUA (e dos «grandes» da UE) aos bandos de ter­ro­ristas tra­ves­tidos de «in­sur­gentes» que, de cam­bu­lhada com o ISIS, en­cur­ra­laram mi­lhões de pes­soas em ci­dades da Síria e do Iraque está pa­tente na co­ber­tura jor­na­lís­tica aos cercos das ci­dades de Alepo, na Síria, e de Mossul, no Iraque. No pri­meiro, só mos­trando fe­ridos civis e des­trui­ções das zonas onde estão civis en­cur­ra­lados, res­pon­sa­bi­li­zando o exér­cito sírio e a avi­ação russa; no se­gundo, re­a­li­zado pelo exér­cito ira­quiano com au­xílio da avi­ação norte-ame­ri­cana para a re­con­quista de Mossul, as re­por­ta­gens acom­pa­nham o exér­cito ira­quiano num re­gisto he­róico e só mos­tram bom­bar­de­a­mentos ao longe e sem ví­timas – vi­sí­veis.

Os EUA e ali­ados pu­seram o Médio Ori­ente a ferro e fogo, o que de­sem­bocou numa ava­lanche de re­fu­gi­ados para a Eu­ropa. E, aí, as re­por­ta­gens são cada vez menos com­pla­centes – com toda a ob­jec­ti­vi­dade, pois claro. O dono manda e a voz obe­dece.




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