Sobre a Cultura / Política cultural

Miguel Soares (Membro do Comité Central)

A con­cepção que temos da cul­tura, e a im­por­tância que lhe damos, en­contra-se ins­crita no Pro­grama do Par­tido. Uma cul­tura en­rai­zada no povo, nas suas vi­vên­cias e par­ti­ci­pação. A cul­tura como com­po­nente es­sen­cial da de­mo­cracia, com a pro­moção de con­di­ções para o alar­ga­mento da cri­ação e da fruição, com a for­mação e di­fusão dos va­lores pro­gres­sistas, com o res­peito e o es­tí­mulo à plu­ra­li­dade das op­ções es­té­ticas, com a di­na­mi­zação do as­so­ci­a­ti­vismo e da par­ti­ci­pação po­pular e com a va­lo­ri­zação dos tra­ba­lha­dores da cul­tura, pro­mo­vendo as con­di­ções ma­te­riais e es­pi­ri­tuais in­dis­pen­sá­veis ao seu de­sen­vol­vi­mento e re­a­li­zação.

O oposto, por­tanto, do que temos, com o pre­do­mínio de uma cul­tura me­diá­tica de massas, pro­mo­vida pela cha­madas «in­dús­trias cul­tu­rais» que, trans­for­mando a cul­tura numa imensa área de ne­gócio, num mer­cado, pro­move so­bre­tudo uma he­ge­mo­ni­zação cul­tural à es­cala mun­dial ao ser­viço da ide­o­logia do­mi­nante, pro­mo­vendo os seus va­lores e con­di­ci­o­nando gostos, li­qui­dando so­be­ra­nias e iden­ti­dades na­ci­o­nais, pro­cu­rando im­pedir o sur­gi­mento do que é efec­ti­va­mente novo e que rompe com o es­ta­be­le­cido, re­ce­ando a par­ti­ci­pação e a cri­ação, ex­plo­rando tra­ba­lha­dores e im­pe­dindo-os de tra­ba­lhar. Fá-lo, também aqui, con­cen­trando a pro­pri­e­dade, como se ve­ri­fica no nosso País, por exemplo, na in­dús­tria li­vreira, na pro­dução au­di­o­vi­sual ou na co­mu­ni­cação so­cial.

O des­res­peito pela Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa, o aban­dono de po­lí­ticas cul­tu­rais do Es­tado, pra­ti­cado pelos go­vernos da po­lí­tica de di­reita, afundou o te­cido cul­tural por­tu­guês numa pro­funda crise. De­fen­dendo que o Es­tado não deve con­di­ci­onar nem in­tervir na área da cul­tura, de­finem então os grupos eco­nó­micos, nas vá­rias ver­tentes, o que se cria e o que se di­vulga, o que se mantém e o que se apoia: eli­tiza-se, pri­va­tiza-se, mer­can­ti­liza-se.

Os cortes bru­tais no apoio às artes le­varam ao fecho de de­zenas de es­tru­turas, ao au­mento do de­sem­prego e da pre­ca­ri­e­dade, ao di­mi­nuir dos sa­lá­rios; o ci­nema deixou de re­ceber apoios à pro­dução por via do OE, fi­cando de­pen­dente das taxas pagas pelos ope­ra­dores de te­le­visão, di­mi­nuindo sig­ni­fi­ca­ti­va­mente a pro­dução na­ci­onal; a pre­ca­ri­e­dade e a falta de re­cursos hu­manos nas bi­bli­o­tecas, mu­seus, pa­lá­cios e mo­nu­mentos, a de­gra­dação do pa­tri­mónio, dei­xado ao aban­dono ou en­tregue a grupos pri­vados para a sua ex­plo­ração, a con­cen­tração edi­to­rial na in­dús­tria li­vreira, todos estes ele­mentos são traços das po­lí­ticas se­guidas e de­mons­tram a ne­ces­si­dade de uma rup­tura com esta po­lí­tica, par­ti­cu­lar­mente exi­gindo a es­tru­tu­ração de um Ser­viço Pú­blico de Cul­tura e um au­mento or­ça­mental sig­ni­fi­ca­tivo, atin­gindo o ob­jec­tivo mí­nimo de um por cento do OE, con­di­ções para uma outra po­lí­tica de cri­ação e de­mo­cra­ti­zação cul­tural, de afir­mação da so­be­rania e da iden­ti­dade na­ci­onal, de res­peito e va­lo­ri­zação dos tra­ba­lha­dores da cul­tura.

Passos em frente

Por pro­posta e ini­ci­a­tiva do Par­tido in­cluiu-se no OE para 2017: a cri­ação de um pro­grama de apoio à cri­ação li­te­rária, com a atri­buição de bolsas; a gra­tui­ti­dade do acesso aos mu­seus e mo­nu­mentos na­ci­o­nais aos do­mingos e fe­ri­ados; um plano de in­ter­venção ur­gente no Forte de Pe­niche; o re­forço da verba para o apoio às artes em 925 mil euros, que con­tri­buirá para a exis­tência e ma­nu­tenção de es­tru­turas de cri­ação ar­tís­tica, bem como todas as me­didas de re­po­sição de ren­di­mentos e di­reitos dos tra­ba­lha­dores das es­tru­turas pú­blicas e as de com­bate à pre­ca­ri­e­dade. Va­lo­ri­zemos, di­vul­guemos e, so­bre­tudo, uti­li­zemos estes exem­plos de que é pos­sível avançar para di­na­mizar a luta. O alar­ga­mento da luta da cul­tura e a pro­gres­siva in­te­gração dos seus tra­ba­lha­dores na de­fesa dos seus di­reitos e na luta geral dos tra­ba­lha­dores, a es­tru­tu­ração e a con­so­li­dação desta frente, a hoje ge­ne­ra­li­zada acei­tação e de­fesa da rei­vin­di­cação po­lí­tica de um por cento do OE para a cul­tura e da ne­ces­si­dade de di­reitos e con­tratos para os seus tra­ba­lha­dores são hoje con­quistas do nosso tra­balho, das nossas pro­postas, e são um con­tri­buto in­dis­pen­sável para a der­rota da po­lí­tica de di­reita, para um outro rumo para a cul­tura, para o alar­ga­mento da base so­cial de apoio à rup­tura com a po­lí­tica de di­reita e pela cons­trução de uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda.




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