Que diz não

Henrique Custódio

No domingo, no noticiário das 13 horas, a SIC transmitiu durante os primeiros 19 minutos conversatas sobre o jogo Benfica-Porto realizado no dia anterior. A RTP e a TVI acomodaram-se a uns oito ou nove minutos cada, o que apresenta o jogo como o assunto mais importante ocorrido no passado fim-de-semana em Portugal e no mundo.

No fascismo, o regime impunha a política dos três Efes – Futebol, Fado e Fátima. Agora, em pleno regime democrático «consolidado», o futebol parece ter engolido os outros dois efes e massacra o País com um omnipresente e gigantesco Futebol já não das mil caras, mas das mil bolas.

É uma evidência que o futebol domina sobretudo as televisões, o órgão de maior abrangência e capacidade de penetração. A hegemonização aprofunda-se diariamente e os três canais de sinal aberto, mais outros tantos por cabo, encharcam o éter televisivo com debates de eminentes trilogias de comentadores, um por cada dos «três grandes» Benfica-Sporting-Porto, onde tudo é permitido e estimulado, com os intervenientes – todos – a cumprirem à risca o seu papel de simular contendas, frequentemente a rasar a boçalidade.

Evidentemente que nada disto é por acaso, por variada lengalenga que se debite sobre os «interesses do público» e o «respeito pelas audiências». A manipulação das massas é uma arte antiga e bem documentada, de que basta respigar o famoso discurso de Marco António aos cidadãos de Roma, perante o corpo assassinado de Júlio César e escrito pela pena de Shakespeare (sempre ele).

A velha máxima romana de «pão e circo» continua pujante de actualidade. Os novos Coliseus são os estádios de futebol e o acesso aos espectáculos é contínuo e ilimitado graças à televisão e às novas tecnologias de comunicação, tudo estimulado por profissionais que tangem as massas pelos meandros do espectáculo.

É aqui que começa a grande manipulação, que não é apenas conduzir e conter as massas nos Coliseus de agora. A manipulação é mais rentável, sobretudo, pelo adormecimento ou apatia que a concentração no fenómeno futebolístico provoca nas multidões. Uma rentabilidade ideológica, onde o importante é alienar as massas dos seus reais problemas e de quem os provoca e impõe.

As novas gerações não sabem que, nos anos a seguir ao 25 de Abril de 1974, ninguém, no nosso País, se importava com o futebol, que foi votado ao quase esquecimento nacional. Nesses anos, um povo inteiro via à sua frente a possibilidade ilimitada de construir um novo País, livre da canga imposta pelo capitalismo oligárquico.

Mas esse capitalismo oligárquico não se esqueceu do susto que apanhou e hoje trata de promover afincadamente o circo e o pão que adormeçam as massas dos seus problemas.

Mas «há sempre alguém que diz não», como também devem saber.




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