O alívio

Correia da Fonseca

Era o fim da tarde do pas­sado do­mingo quando, sem sur­presas, chegou a no­tícia da vi­tória de Ma­cron sobre Ma­rine Le Pen. E, logo a se­guir, uma in­for­mação com­ple­mentar que com mí­nimas va­ri­a­ções foi pres­tada por mais de um canal: «…a Eu­ropa res­pirou de alívio!». Sem ne­ces­si­dade de grandes ex­pli­ci­ta­ções, en­tendeu-se que o alívio teria re­sul­tado menos da vi­tória de Ma­cron que da der­rota de Ma­rine cujo papá, fun­dador e an­te­rior líder do Front Na­ti­onal agora co­man­dado por Ma­rine, tre­san­dava ao odor si­nistro dos campos de ex­ter­mínio nazis cuja exis­tência, na sua ava­li­ação, foi des­va­lo­ri­zada como apenas «un de­tail» no quadro da Se­gunda Guerra Mun­dial. Quanto à sua her­deira e ao res­pec­tivo dis­curso, a tó­nica será mais a da hos­ti­li­dade ao is­la­mismo e à en­trada na Eu­ropa de imi­grantes em geral e em es­pe­cial de re­fu­gi­ados vindos da margem Sul do Me­di­ter­râneo, tudo en­qua­drado em molho de xe­no­fobia bem sal­gada. Foi aliás esta re­ceita, que afinal rima per­fei­ta­mente com sen­ti­mentos de algum ten­den­cial medo do ter­ro­rismo e com a me­mória dos ata­ques ao «Charlie Hebdo» e ao «Ba­ta­clan», que gran­jeou a Ma­rine perto de 40 por cento dos votos dos fran­ceses. Se ad­mi­tirmos que a filha terá her­dado do pai a ad­mi­ração pela di­reita de que Pé­tain e a co­la­bo­ração pe­tai­nista foram o mo­mento su­premo, ainda que Ma­rine tenha ten­tado afastar-se dessa in­có­moda he­rança, com­pre­ende-se o sus­piro de alívio que os media no­ti­ci­aram. Mas a re­a­li­dade é sempre mais com­plexa do que even­tu­al­mente nos seria có­modo e uma só das suas fa­tias não a ex­prime com ver­dade. Neste caso das pre­si­den­ciais fran­cesas, é pre­ciso não es­quecer que à der­rota de Ma­rine Le Pen cor­res­pondeu a eleição de Em­ma­nuel Ma­cron, e é con­ve­ni­ente que abramos essa outra fatia da re­a­li­dade para que, aper­ce­bendo-nos do que tem dentro, pos­samos saber se se mantêm ra­zões para sus­piros de alívio. Ou não.

A «fac­tura Ma­cron»

No plano da ca­rac­te­ri­zação po­lí­tica, o que mais sal­tará aos olhos de quem passe os olhos pelo per­curso de Em­ma­nuel Ma­cron será, mais do que a sua pas­sagem pelo Par­tido So­ci­a­lista Francês (mas, note-se, pela ala di­reita), a apli­cação das suas sa­benças de eco­no­mista ao ser­viço do Banco Roths­child. É le­gí­timo supor que a pas­sagem de Ma­cron por banco tão em­ble­má­tico foi sa­tis­fa­tória para ambas as partes, mas é du­vi­doso que esse êxito tenha sido mo­tivo bas­tante para gerar o ge­ne­ra­li­zado alívio de que tão pres­su­ro­sa­mente fomos in­for­mados pela te­le­visão. É claro que não, que o alívio de­correu da der­rota da ex­trema-di­reita. Surge, porém, uma es­pécie de ob­jecção: à ge­ne­ra­li­dade dos ali­vi­ados não terá se­quer ocor­rido per­guntar-se o que irá fazer um pre­si­dente da Re­pú­blica fran­cesa, com os po­deres exe­cu­tivos que terá, de­pois de bri­lhar no Roths­child e de, como mi­nistro de Eco­nomia que também foi, ter feito pu­blicar le­gis­lação fa­vo­re­cendo o em­pre­sa­riado contra os tra­ba­lha­dores? Pe­rante essa questão, não se terá adi­ci­o­nado algum re­ceio ao apre­goado alívio? Ou de outro modo: os media não terão aus­cul­tado apenas os ali­vi­ados, es­que­cendo os que a partir de hoje se ar­riscam a pagar, em França e talvez não só, a «fac­tura Ma­cron»?




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