Liberdade de consciência, de religião e de culto

Carlos Gonçalves (Membro da Comissão Política do PCP)

A «vi­sita apos­tó­lica» do Papa Fran­cisco a Fá­tima é uma breve vi­agem re­li­giosa no cen­te­nário dos acon­te­ci­mentos que estão na gé­nese do San­tuário e das pe­re­gri­na­ções e ac­ções sub­se­quentes, no plano dou­tri­nário, ide­o­ló­gico e po­lí­tico.

As con­vic­ções re­li­gi­osas não im­pedem a con­ver­gência na luta

LUSA

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Esta não é uma vi­sita de Es­tado, como as que o Papa tem re­a­li­zado em países pe­ri­fé­ricos, com grandes massas de «po­bres e ofen­didos» – pri­o­ri­dade na agenda ac­tual da Igreja de Roma. O ca­rácter re­li­gioso da vi­sita exi­giria re­serva e res­peito, em vez de ve­lhas e novas ten­ta­tivas de ins­tru­men­ta­li­zação.

Não cabe ao Par­tido a aná­lise te­o­ló­gica dos eventos de Fá­tima em 1917, nem das «apa­ri­ções», ou como agora se diz – numa nova ela­bo­ração te­o­ló­gica que en­volve o pró­prio Rat­zinger –, das «vi­sões mís­ticas» de três cri­anças na Cova da Iria.

Acre­ditar ou não e em quê é questão de «li­ber­dade de cons­ci­ência, de re­li­gião e de culto, in­vi­o­lável», em que cada um de­cide. Tal como as igrejas e co­mu­ni­dades re­li­gi­osas – «se­pa­radas do Es­tado» – de­cidem li­vre­mente a «sua or­ga­ni­zação e exer­cício». Estas são ga­ran­tias da CRP, con­quistas de Abril a de­fender, para que não acon­teçam re­tro­cessos obs­cu­ran­tistas e se avance para um país com fu­turo, sem ques­tões re­li­gi­osas de monta.

Uma nota da his­tória de Fá­tima

Não re­fe­rindo as ques­tões de na­tu­reza re­li­giosa e te­o­ló­gica, im­porta dar atenção ao pro­cesso his­tó­rico, em con­creto.

Ob­jec­ti­va­mente, dez mil por­tu­gueses foram mortos na pri­meira guerra e, até 1919, cento e vinte mil foram ful­mi­nados pela «gripe es­pa­nhola». Em 1917 era muita a fome dos mais ex­plo­rados e grande o atraso e de­ses­pero nas zonas mais po­bres do País, como Fá­tima.

Era pri­meiro-mi­nistro Afonso Costa, ini­migo ju­rado do mo­vi­mento ope­rário e que (diz-se) vi­sava «eli­minar o ca­to­li­cismo do País em duas ge­ra­ções». Con­fiscou os bens da Igreja e tomou me­didas anti-cle­ri­cais, era ape­li­dado de «mata-frades» (em 1943, Álvaro Cu­nhal re­feriu-se aos «erros de in­to­le­rância» da Re­pú­blica). E foi com o Va­ti­cano de re­la­ções cor­tadas com Por­tugal que acon­te­ceram as «apa­ri­ções», em tudo se­me­lhantes às de Lourdes, de 1858.

Re­li­gi­o­si­dade po­pular

Fá­tima criou raízes na re­li­gi­o­si­dade po­pular, fre­quen­tada por tra­ba­lha­dores, «povo miúdo», de­mo­cratas, pa­tri­otas, co­mu­nistas. Era ex­pec­tável. As op­ções hu­ma­nistas, os va­lores de paz, jus­tiça e igual­dade do «cris­ti­a­nismo pri­mi­tivo» e o acervo cul­tural das massas ca­tó­licas não estão longe de ideais co­mu­nistas. E as con­vic­ções re­li­gi­osas não de­finem a po­sição de classe, nem im­pedem a con­ver­gência na luta pela trans­for­mação so­cial.

O PCP, onde mi­litam muitos ca­tó­licos e ou­tros crentes, res­peita as ex­pres­sões de re­li­gi­o­si­dade e va­lo­riza o re­la­ci­o­na­mento com a Igreja Ca­tó­lica e ou­tras or­ga­ni­za­ções re­li­gi­osas.

E neste sen­tido, o PCP, re­co­nhe­cendo e as­su­mindo di­fe­renças, às vezes sig­ni­fi­ca­tivas, não de­siste e per­siste em in­tervir, sempre em de­fesa dos que menos têm e menos podem, de um País com mais jus­tiça so­cial e de um mundo de Paz.

Neste Pon­ti­fi­cado, apesar de in­con­sequên­cias, as de­nún­cias da ex­plo­ração, da opressão e da guerra dão mais ac­tu­a­li­dade às pa­la­vras de Álvaro Cu­nhal, em 1974, em de­fesa de «boas re­la­ções com a Igreja». «Esta po­lí­tica não se ba­seia em cri­té­rios de opor­tu­ni­dade, mas numa po­sição de prin­cípio. O mundo evolui e a Igreja Ca­tó­lica ... mostra in­dí­cios de evo­lução po­si­tiva .... Con­fi­amos que os ho­mens mais es­cla­re­cidos da Igreja com­pre­endam a sin­ce­ri­dade e as pro­fundas im­pli­ca­ções desta po­sição do PCP».




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