80 anos

Filipe Diniz

Há 80 anos, em Junho de 1937, as tropas fran­quistas de­sen­vol­viam uma brutal ofen­siva no País Basco. Tomam Bilbau no dia 19. Segue-se o bár­baro mas­sacre dos si­ti­ados.

No dia 24 re­a­liza-se em Lon­dres um es­pec­tá­culo de an­ga­ri­ação de fundos para as cri­anças bascas re­fu­gi­adas. O grande cantor negro norte-ame­ri­cano Paul Ro­beson pro­fere aí um im­por­tante dis­curso: «Não é pos­sível pairar olim­pi­ca­mente sobre o con­flito. Não há ob­ser­va­dores im­par­ciais. A li­ber­tação de Es­panha da opressão dos re­ac­ci­o­ná­rios fas­cistas não é um as­sunto pri­vado dos es­pa­nhóis, é a causa comum de toda a hu­ma­ni­dade avan­çada e pro­gres­sista».

Estas ad­mi­rá­veis pa­la­vras en­con­tram um cu­rioso eco na ac­tu­a­li­dade. Em par­ti­cular no que diz res­peito aos que hoje, tal como aqueles a quem Ro­beson di­rigiu há 80 anos um cer­teiro re­paro, «pairam olim­pi­ca­mente sobre os con­flitos». Veja-se por exemplo como al­guns se pro­nun­ciam sobre Is­rael e a Au­to­ri­dade Pa­les­tina, ou como apelam à «paz nas ruas» na Ve­ne­zuela.

Tal como os «neu­tra­listas» de há 80 anos as­su­miam um «em­bargo moral» e em vista disso em­bar­gavam a venda de armas à Es­panha re­pu­bli­cana, al­guns in­te­lec­tuais «de es­querda» pairam equi­dis­tantes acima de agre­didos e agres­sores, de opri­midos e opres­sores. Como na sua es­ma­ga­dora mai­oria não só pairam como estão a largas mi­lhas do con­flito real, fazem de conta que têm as mãos im­pe­ca­vel­mente limpas. Al­guns apro­veitam para in­sultar os que não em­barcam em tais po­si­ções.

Re­cusar a equi­dis­tância em con­flitos tão com­plexos não tem nada a ver com iden­ti­fi­cação acrí­tica com tal ou tal pro­cesso. Tem, muito sim­ples­mente, a ver com a ca­pa­ci­dade de iden­ti­ficar o ini­migo prin­cipal. Quem não sabe iden­ti­ficar o ini­migo di­fi­cil­mente será amigo de fiar. Do mesmo modo que não são de fiar os que, re­pro­du­zindo o rol dos ar­gu­mentos que a cen­tral me­diá­tica im­pe­ri­a­lista põe a cir­cular, ao mesmo tempo afirmam a sua so­li­da­ri­e­dade («crí­tica», está bem de ver) com os povos ví­timas de agressão.




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