As autárquicas, o PCP e a RTP

Fernando Correia

MEDIA Com lou­vável sen­tido de opor­tu­ni­dade, o Pro­vedor do Te­les­pec­tador, Jorge We­mans (JW), de­dicou o seu pro­grama Voz do Ci­dadão a se­guir às elei­ções au­tár­quicas à forma como a cam­panha foi co­berta pela RTP1.

É evi­dente que há uma des­pro­porção entre a atenção dada ao BE em pre­juízo do PCP

LUSA

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Re­fere o pro­vedor queixas re­ce­bidas dos te­les­pec­ta­dores que re­metem para a im­por­tância da TV, neste caso da te­le­visão pú­blica, sobre as es­co­lhas do elei­to­rado, desde pouca ou muita, im­por­tante ou mesmo de­ci­siva, e onde a po­demos de­tectar. E in­ter­roga: terão os edi­tores e pro­fis­si­o­nais da in­for­mação cons­ci­ência do poder que as­sumem para des­fazer uma can­di­da­tura ou fa­bricar pre­si­dentes de Câ­mara e de Junta? Uma coisa é certa, acres­centa JW: «o can­di­dato que não apa­rece na TV é, à par­tida, per­dedor».

Das re­postas dos cinco «es­tu­di­osos do as­sunto» con­vi­dados do pro­vedor para este pro­grama à questão «Terá a TV ca­pa­ci­dade para fa­bricar can­di­datos ven­ce­dores?», ci­tamos três, que vão de algum modo no mesmo sen­tido, ainda que as ou­tras duas não sejam pro­pri­a­mente contra.

João Pe­reira Cou­tinho, da Uni­ver­si­dade Ca­tó­lica, acha que «a TV tem ca­pa­ci­dade para fa­bricar ven­ce­dores em elei­ções au­tár­quicas», acres­cen­tando que «aquela frase que ficou cé­lebre de que é tão fácil vender um can­di­dato como quem vende um sa­bo­nete per­ma­nece vá­lida (...) sendo ainda hoje pos­sível dar uma ajuda de­ci­siva a um can­di­dato».2

Para An­tónio Costa Pinto, do ICS/​ISCTE, «os meios de co­mu­ni­cação so­cial (c.s.), prin­ci­pal­mente a TV, são um dos ele­mentos do­mi­nantes que podem ou não in­flu­en­ciar, e per­verter até, cam­pa­nhas elei­to­rais e re­sul­tados elei­to­rais em de­mo­cracia».

Se­gundo Pedro Ma­ga­lhães, do centro de son­da­gens da Uni­ver­si­dade Ca­tó­lica e do ICS/​ISCTE, a «te­le­visão in­flu­encia», mas «não é só nas elei­ções, é um pro­cesso, dar ou não no­to­ri­e­dade a esta pessoa, in­sistir ou não na­quele tema, é um pro­cesso con­tínuo, e a opi­nião das pes­soas vai-se for­mando ao longo do tempo, se bem que as elei­ções são o mo­mento em que há um ve­re­dicto».

As queixas

À «Voz do Ci­dadão» che­garam al­gumas queixas, das quais duas se re­ferem ao tema que aqui nos in­te­ressa. Numa per­gunta-se quais as ra­zões para que «uma te­le­visão que se chama pú­blica» tenha le­vado a que no tra­ta­mento de Odi­velas só te­nham exis­tido PS e PSD; outra in­ter­roga qual a jus­ti­fi­cação para que numa re­por­tagem in­ti­tu­lada pela RTP «Cinco can­di­datos à Câ­mara de Gon­domar» apenas três te­nham es­tado pre­sentes, e dois, do PCP e BE, au­sentes.

Ques­tiona o pro­vedor se o PCP, «que tem sido his­to­ri­ca­mente aquele que mais ra­zões de queixa tem in­vo­cado pela falta de atenção que lhe é dada em pe­ríodos elei­to­rais e não só, tem mo­tivos para con­ti­nuar a pro­testar». Dois dos con­vi­dados res­pondem.

João Pe­reira Cou­tinho é as­ser­tivo: «Eu acho que o Par­tido Co­mu­nista tem toda a razão quando se queixa que não tem toda a atenção que seria na­tural tendo em conta a sua re­pre­sen­tação, quer a nível au­tár­quico quer até a nível na­ci­onal. Ou seja, quando com­pa­ramos o BE e o PCP, é evi­dente que há uma des­pro­porção entre a atenção dada ao BE em pre­juízo do PCP. Ou seja, o BE não tem ne­nhuma Câ­mara, tem uma re­pre­sen­tação au­tár­quica muito re­du­zida, para não dizer ab­so­lu­ta­mente di­mi­nuta, e no en­tanto tem uma re­pre­sen­tação te­le­vi­siva muito maior do que o PCP, que apesar de agora ter per­dido dez câ­maras tem uma re­pre­sen­tação que não se com­para de ma­neira al­guma à do BE. Mas cu­ri­o­sa­mente não é só o BE. Quando olhamos para os es­paços de co­men­tário na TV, sem estar agora aqui a sin­gu­la­rizar, vimos re­pre­sen­tantes de par­tidos que são ab­so­lu­ta­mente re­si­duais, que mesmo assim têm uma re­pre­sen­tação te­le­vi­siva muito su­pe­rior, ab­sur­da­mente su­pe­rior, àquilo que valem po­li­ti­ca­mente».

An­tónio Costa Pinto, pri­meiro, é enig­má­tico: «Há um par­tido po­lí­tico que foi muitas vezes acu­sado de ter a grande sim­patia da c.s. em re­lação a outro, falo do BE e do PCP», sendo que a «vi­si­bi­li­dade dos di­ri­gentes do BE nos úl­timos anos sempre foi mais ele­vada do que a dos do PCP, o que re­mete para fac­tores de pro­xi­mi­dade, porque são in­te­lec­tuais, ou pro­fes­sores uni­ver­si­tá­rios, ou co­men­ta­dores». Será que esta alusão a «fac­tores de pro­xi­mi­dade» se re­fere es­pe­ci­fi­ca­mente aos co­men­ta­dores, cuja pro­xi­mi­dade com os co­mu­nistas, re­al­mente, pra­ti­ca­mente não existe?

Logo a se­guir Costa Pinto, é mais claro: «Mas não há dú­vida de que vi­vemos numa so­ci­e­dade de­mo­crá­tica, com uma co­mu­ni­cação so­cial au­tó­noma, que faz as op­ções que en­tende que deve fazer».

Pois. E viva a au­to­nomia dos media e dos jor­na­listas!

As obri­ga­ções

Se­gundo JW, a «co­ber­tura da cam­panha feita pela RTP teve al­guns mo­mentos menos bons, e não terá sido par­ti­cu­lar­mente ino­va­dora. Mas não ma­ni­pulou dados, dis­cursos ou ima­gens. Pro­curou ga­rantir igual tra­ta­mento às di­versas can­di­da­turas e glo­bal­mente cum­priu com o dever de isenção e de rigor edi­to­rial. In­flu­en­ciou de­certo as es­co­lhas dos elei­tores. Só uma TV ir­re­le­vante o não faria. Da TV pú­blica es­pera-se que essa in­fluência de­corra uni­ca­mente da qua­li­dade do es­paço que ofe­receu aos di­versos pro­jectos au­tár­quicos».

Creio que o ba­lanço do Pro­vedor peca por um pouco de op­ti­mismo a mais. Quando re­fere que a RTP teve «al­guns mo­mentos menos bons», eu ti­raria o «menos» e pre­feria dizer que teve «al­guns mo­mentos bons». Na noite elei­toral, por exemplo, foi o único canal ge­ne­ra­lista que in­te­grou no painel fixo de co­men­ta­dores um re­pre­sen­tante da CDU.

Além do mais, a apre­ci­ação de Costa Pinto passa por cima de uma re­a­li­dade que muitos fingem ig­norar: o lugar do Ser­viço Pú­blico no nosso sis­tema de in­for­mação, cons­ti­tu­ci­o­nal­mente con­sa­grado. Dir-se-á, e com razão, que as re­gras do bom jor­na­lismo são, ou de­ve­riam ser, iguais para todos – mas é sa­bido até que ponto nas em­presas pri­vadas, desde logo as in­te­gradas nos grupos me­diá­ticos do­mi­nados pelo grande ca­pital, no­me­a­da­mente fi­nan­ceiro, se torna muitas vezes di­fícil para os jor­na­listas ser in­tei­ra­mente fiéis ao seu Có­digo De­on­to­ló­gico.

Mas isso são contas de outro ro­sário. A prece, aqui, vai apenas no sen­tido de in­sistir na ne­ces­si­dade que temos de ter em conta e lutar pelo cum­pri­mento do es­ti­pu­lado nos ar­tigos 37.º, 38.º e 39.º da Cons­ti­tuição sobre li­ber­dade de ex­pressão e in­for­mação, li­ber­dade de im­prensa e meios de co­mu­ni­cação so­cial e res­pec­tiva re­gu­lação, assim como, no que se re­fere à c.s. de Ser­viço Pú­blico, (mas também a outra não pode nem deve ig­norar) a ne­ces­si­dade de «Pro­por­ci­onar uma in­for­mação isenta, ri­go­rosa, plural e con­tex­tu­a­li­zada, que ga­ranta a co­ber­tura no­ti­ciosa dos prin­ci­pais acon­te­ci­mentos na­ci­o­nais e in­ter­na­ci­o­nais».

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1 O pro­grama do pro­vedor do te­les­pec­tador é trans­mi­tido às sextas-feiras na RTP1. Também o pro­vedor da rádio pú­blica, João Paulo Guerra, tem um pro­grama se­manal, «Em nome do ou­vinte», na An­tena1. Todos os pro­gramas trans­mi­tidos podem ser ace­didos através da RTP Play.

2 A frase é de Emídio Rangel, então di­rector-geral da SIC.




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