Pluralismo
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) tornou-se notícia ao longo do último ano – e particularmente nos últimos dias – pelas piores razões. Desde então funciona (se é que os últimos tempos se pode classificar como funcional) nos mínimos, com apenas três dos cinco membros em funções, quando são necessários três votos para aprovar o que quer que seja.
Isto porque PS e PSD não se entendem quanto à eleição dos quatro membros a serem eleitos pelo Parlamento, já que está armadilhada através da exigência de uma maioria de dois terços – impossível sem o voto de ambas as bancadas –, funcionando como obsctáculo ou, neste momento, travão ao seu funcionamento e conformidade constitucional.
A ERC foi criada em 2005 para concentrar amplas competências na regulação da comunicação social, alargadas recentemente com novas atribuições em período eleitoral. Na altura, o negócio foi feito pelo bloco central de maneira a que dividissem entre si os membros da entidade, com o quinto a ser cooptado pelos eleitos. O histórico mostra que essa norma não passou de um formalismo, já que aos quatro eleitos era imposto o nome do quinto por PS e PSD – pelo que se diz, a verdadeira razão do desentendimento actual. Um historial que revela o seu carácter: nomeada e capturada pelo bloco central e colocada ao serviço do poder económico.
Mas nada disto devia ser novidade: corresponde ao que alertou o PCP, tanto aquando da criação da ERC como da eleição dos seus primeiros elementos.
A inoperância da ERC revelou-se na última semana, quando chamada a dar um parecer vinculativo à compra da Media Capital, que detém toda uma cadeia da produção à difusão de conteúdos audiovisuais (com posições de liderança na TV, rádio e Internet), pela Altice, através da PT/Meo, a maior operadora de telecomunicações, líder de mercado na televisão por cabo, operadora única da TDT, dona da rede de fibra óptica e do SIRESP. Mas como era necessária a unanimidade dos três membros que restam e o seu presidente escolheu contrariar o próprio parecer dos serviços jurídicos da ERC, que podia travar o negócio, passou a responsabilidade para a Autoridade da Concorrência.
O processo é de tal forma paradoxal que o documento técnico elenca as razões para que o negócio não se faça: no plano da concorrência, da liberdade de imprensa, da viabilidade de outros meios, da degradação do serviço de TDT ou do acesso a outros órgãos. «A presente operação não permite antever benefícios em prol do pluralismo no sistema mediático português», diz-se antes de ser assumida a não-decisão.
Outro episódio recente confirma o diagnóstico. Numa decisão sobre um protesto da CDU em período eleitoral, cuidadosamente gerida para que seja inútil, tomada dez dias após as autárquicas, a entidade reconhece razão à CDU mas decide apenas «sensibilizar» o jornal em causa para «que as peças jornalísticas [estejam] conformes às normas ético-jurídicas».
Em ambos os casos, perante todas as evidências de violação das normas e dos princípios que a ERC está legalmente obrigada a proteger, a entidade revela talento para a análise. Mas os seus defeitos de fabrico impedem-na de decidir o que quer que seja, cumprindo o objectivo dos que a criaram: submeter o pluralismo aos interesses do poder económico.