As perguntas regressadas

Correia da Fonseca

Ainda que dis­cre­ta­mente, talvez mais dis­cre­ta­mente do que seria ade­quado e apenas na es­teira de in­for­ma­ções vei­cu­ladas pela im­prensa es­crita, a te­le­visão in­forma-nos de que o in­cêndio do Pi­nhal de Leiria foi ateado por mãos cri­mi­nosas, co­nhe­ci­mento este que vem acres­centar-se a idên­ticas in­for­ma­ções an­te­ri­ores re­la­tivas a ou­tros fogos flo­res­tais ha­vidos entre Junho e Ou­tubro pas­sados. Re­gres­sará assim às ca­be­ci­nhas dos te­les­pec­ta­dores, o mesmo é dizer que a boa parte do povo por­tu­guês, um con­junto de per­guntas que, for­mu­ladas ex­pressa ou ta­ci­ta­mente, nunca ob­ti­veram res­postas: sabe-se, ou vai-se sa­bendo apa­ren­te­mente a muito custo, que uma grande (ou enorme?) parte dos fogos que mu­ti­laram o País foi ateada por in­cen­diá­rios; chegou mesmo a saber-se, em­bora graças a in­for­ma­ções só muito dis­cre­ta­mente pres­tadas pela te­le­visão, que o nú­mero de sus­peitos desses crimes ul­tra­pas­sava a cen­tena, mas nunca se soube nem apa­ren­te­mente al­guma re­por­tagem o tentou saber, que ra­zões ou sem-ra­zões mo­ti­varam essa gente. Falou-se, é certo, falou-nos também a te­le­visão, de pi­ro­mania, de al­co­o­lismo, de pon­tuais e raros casos de ódio entre vi­zi­nhos, mas sempre de uma forma muito apres­sada e li­geira, to­tal­mente im­pró­pria para tão grave série de acon­te­ci­mentos.

Es­pantar os fan­tasmas

Há si­tu­a­ções em que não são dadas res­postas na ex­pec­ta­tiva de que de­pois de algum tempo breve cessem as per­guntas. Não pa­rece que possa ser esse o caso dos in­cên­dios flo­res­tais de 2017. A questão é que, como regra geral, quando não há res­postas para uma per­gunta grave ha­verá sempre quem tente su­prir essa au­sência, de boa-fé ou sem ela mas sempre com a le­gi­ti­mi­dade que de­corre do facto que, em mui­tís­simos casos, saber é pre­ciso. No caso dos fogos que fi­zeram de 2017 um ano trá­gico para o País, e uma vez que a te­le­visão já vei­culou em tom ofi­cial a exis­tência de «mãos cri­mi­nosas», é de todo in­dis­pen­sável que acres­cente mais al­guma coisa ao que, es­casso mas im­por­tante, já disse. Só desse modo se po­derá im­pedir que ocorra o que pode ou não ser de­sa­gra­dável mas será ine­vi­tável: que co­mecem a surgir, ou sim­ples­mente re­gressem, ten­ta­tivas de ex­pli­cação que será fácil ca­rac­te­rizar como «te­o­rias da cons­pi­ração» mas cuja flo­ração será di­fícil im­pedir. Entre elas, e talvez com uma pu­jança re­for­çada pela au­sência de in­for­ma­ções, pode voltar a clás­sica in­ter­ro­gação «quem be­ne­fi­ciou com o crime?» e também uma res­posta grave que mesmo sem só­lidos fun­da­mentos aponte numa di­recção. Esta é, sem dú­vida, uma si­tu­ação em que é in­dis­pen­sável dis­sipar o ne­vo­eiro e com isso es­pantar os fan­tasmas que ele pode gerar. Es­pe­rando, na­tu­ral­mente, que sejam fan­tasmas. Passou o ano triste de 2017, está prestes a findar o pri­meiro mês de 2018, um dia destes (di­gamos assim, já que sa­bemos como tempo ga­lopa) co­me­çará a Pri­ma­vera e de­pois virá o Verão. E o calor. Po­derá ser o tempo do re­gresso de «mãos cri­mi­nosas». Não é acei­tável que então ainda não sai­bamos tudo, ou pelo menos o fun­da­mental, quanto às «mãos» de 2017. Que in­cen­di­aram grande parte do País fi­zeram ví­timas e, não o es­que­çamos, muito cha­mus­caram o Go­verno.




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