Jerónimo de Sousa insiste que é preciso corrigir injustiças da legislação laboral

TRA­BALHO Je­ró­nimo de Sousa alertou para a per­sis­tência de «traços ne­ga­tivos» na si­tu­ação la­boral e so­cial, de­sa­fi­ando o Go­verno a «fazer op­ções» que se tra­duzam em maior jus­tiça so­cial.

Urge uma mais justa dis­tri­buição da ri­queza

LUSA

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A es­tag­nação média dos sa­lá­rios reais e o cres­ci­mento da pre­ca­ri­e­dade la­boral, dados com­pro­vados por re­centes es­tudos (in­cluindo ofi­ciais), ilus­tram bem essa re­a­li­dade, sa­li­entou o Se­cre­tário-geral do PCP, faz hoje oito dias, no de­bate quin­zenal com o pri­meiro-mi­nistro no Par­la­mento.

Ou­tros pro­blemas há que em sua opi­nião «ti­veram res­posta» mas que «está aquém do que era ne­ces­sário», como é o caso do pro­cesso de in­te­gração dos tra­ba­lha­dores da ad­mi­nis­tração pú­blica com vín­culos pre­cá­rios – «ameaça eter­nizar-se», ad­vertiu –, ou os «va­lores muito re­du­zidos que re­sultam da forma como o Go­verno está a con­cre­tizar o des­con­ge­la­mento da pro­gressão das car­reiras».

O líder co­mu­nista iden­ti­ficou de­pois ou­tras si­tu­a­ções que clas­si­ficou de «graves» e que se mantêm sem re­so­lução, como a des­re­gu­lação dos ho­rá­rios de tra­balho, e, noutro plano, os pro­cessos de des­pe­di­mento, de des­lo­ca­li­zação, de in­sol­vência de em­presas que «deixam os tra­ba­lha­dores des­pro­te­gidos».

E porque a de­fesa dos di­reitos dos tra­ba­lha­dores é uma «com­po­nente que não pode ser des­va­lo­ri­zada», Je­ró­nimo de Sousa con­si­derou que «é pre­ciso fazer op­ções que no con­creto se tra­duzam em me­lhores con­di­ções de tra­balho» e numa «dis­tri­buição mais justa da ri­queza a favor dos tra­ba­lha­dores».

Atacar os pro­blemas

«Não está na hora de mu­darem de po­sição e ata­carem os graves pro­blemas re­sul­tantes dos de­se­qui­lí­brios cau­sados por uma le­gis­lação la­boral pro­fun­da­mente in­justa?», in­quiriu por isso o líder co­mu­nista, di­ri­gindo-se ao chefe do Go­verno.

E apoi­ando-se na ar­gu­men­tação por este antes adu­zida – que a «re­po­sição de di­reitos e ren­di­mentos per­mitiu o de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico e o cres­ci­mento do em­prego» –, Je­ró­nimo de Sousa ques­ti­onou: «Que fazer então? Parar, andar para trás? Ou andar para a frente no sen­tido do pro­gresso e da jus­tiça so­cial que é de­vida aos tra­ba­lha­dores?»

Daí o de­safio lan­çado a An­tónio Costa para que es­cla­re­cesse a po­sição do Exe­cu­tivo sobre o pro­jecto de lei do PCP que viria a ser dis­cu­tido no dia se­guinte para repor as re­gras e os va­lores do pa­ga­mento por tra­balho ex­tra­or­di­nário e em dia de des­canso se­manal ou fe­riado, cor­tados em me­tade pelo an­te­rior go­verno PSD/​CDS-PP.

À questão furtou-se a res­ponder o chefe do Go­verno, e menos de 24 horas de­pois o des­fecho da vo­tação acabou mesmo por ditar o chumbo do di­ploma, com votos nesse sen­tido do PS, PSD e CDS-PP (ver caixa).

Ficou no en­tanto a ga­rantia de Je­ró­nimo de Sousa de que ou­tras ini­ci­a­tivas le­gis­la­tivas da ban­cada co­mu­nista virão aí, no­me­a­da­mente para «ul­tra­passar o pro­blema da ca­du­ci­dade das con­ven­ções co­lec­tivas de tra­balho, usada como ele­mento de chan­tagem sobre os tra­ba­lha­dores para a re­ti­rada de di­reitos», bem como a «eli­mi­nação do prin­cípio do tra­ta­mento mais fa­vo­rável ao tra­ba­lhador».

Andar para a frente

«Po­derá não ir à ve­lo­ci­dade que todos de­se­já­vamos», afirmou An­tónio Costa, alu­dindo ao pro­cesso de in­te­gração de pre­cá­rios, mo­ro­si­dade que jus­ti­ficou com a di­fi­cul­dade em «iden­ti­ficar em muitas si­tu­a­ções qual a na­tu­reza efec­tiva da re­lação de tra­balho».

«Mas não é por ser mais lento que deixa de acon­tecer», as­se­gurou, con­cor­dando que o «ca­minho não é andar para trás nem ficar a marcar passo, mas andar para a frente».

O pri­meiro-mi­nistro de­clarou ainda que o Go­verno vai con­ti­nuar no «com­bate à pre­ca­ri­e­dade», na «me­lhoria do sa­lário mí­nimo na­ci­onal», na «di­na­mi­zação da con­tra­tação co­lec­tiva». Porque, sus­tentou, «não há eco­nomia mo­derna as­sente na pre­ca­ri­e­dade, nos baixos sa­lá­rios e na des­truição de di­reitos».

«Vamos avançar e, com cer­teza, juntos», re­forçou An­tónio Costa, em res­posta a Je­ró­nimo de Sousa.

 

De­mora ina­cei­tável

Abor­dadas no de­bate foram também as pri­va­ti­zação dos sec­tores es­tra­té­gicos da nossa eco­nomia, com Je­ró­nimo de Sousa a não es­conder a sua pre­o­cu­pação pelas con­sequên­cias ne­ga­tivas que hoje se fazem sentir na vida das po­pu­la­ções e na pres­tação dos ser­viços pú­blicos es­sen­ciais.

O líder co­mu­nista deu como exemplo a «gra­vís­sima si­tu­ação dos CTT, com a de­gra­dação do ser­viço postal», mas foi no com­por­ta­mento da PT/​Al­tice que se de­teve mais por­me­no­ri­za­da­mente, ques­ti­o­nando em par­ti­cular a forma como a em­presa res­ponde no que toca à «re­po­sição do ser­viço pú­blico a que está obri­gada nos ter­ri­tó­rios de­vas­tados pelos fogos flo­res­tais».

«Há quase quatro meses que muitas das nossas al­deias de­vas­tadas pelos in­cên­dios es­peram li­ga­ções de co­mu­ni­cação fixas (In­ternet, te­le­fone fixo, te­le­visão)», cons­tatou em tom crí­tico o líder do PCP.

A esta si­tu­ação que clas­si­ficou de «ina­cei­tável, para não dizer um es­cân­dalo», acresce o facto de a em­presa, na sequência da subs­ti­tuição da rede an­tiga de cobre por fibra óp­tica, estar a negar-se a «repor o ser­viço e a exigir aos utentes o pa­ga­mento das li­ga­ções às suas casas e ac­ti­vi­dades».

«A PT/​Al­tice, que é dona da MEO, tem que ga­rantir a re­po­sição do ser­viço pú­blico a que está obri­gada. Esse é um di­reito que as pes­soas têm. E este não é um pro­blema que se em­purra para o re­gu­lador re­solver. É um pro­blema que exige uma in­ter­venção do pró­prio Go­verno», su­bli­nhou o Se­cre­tário-geral do PCP, que quis saber o que ten­ciona o Exe­cu­tivo fazer «para apressar as li­ga­ções e ga­rantir a re­po­sição a todos sem custos adi­ci­o­nais».

«Não pode ser. An­damos aqui a en­cher a boca de de­sen­vol­vi­mento do in­te­rior, de apoio ao in­te­rior, de com­bate à de­ser­ti­fi­cação e de­pois, na vida con­creta das pes­soas, não se res­ponde», la­mentou o di­ri­gente co­mu­nista.

Não basta boas pa­la­vras...

Na res­posta, de­pois de in­formar que a pri­meira pri­o­ri­dade es­ta­be­le­cida entre o Go­verno e a Al­tice para a «re­po­sição da nor­ma­li­dade da si­tu­ação» foi a ca­blagem que sus­tenta as co­mu­ni­ca­ções de emer­gência, An­tónio Costa, alu­dindo à «co­ber­tura», disse estar o Go­verno «su­jeito às obri­ga­ções e às com­pe­tên­cias atri­buídas à en­ti­dade re­gu­la­dora dos ser­viços de co­mu­ni­ca­ções», ar­gu­men­tando que cabe a esta «ve­ri­ficar o cum­pri­mento das con­di­ções de pres­tação de ser­viços por parte das con­ces­si­o­ná­rias, de­sig­na­da­mente da PT».

«É isso que de­corre do nosso quadro ju­rí­dico e o Go­verno não pode fazer mais do que pro­curar sen­si­bi­lizar», jus­ti­ficou o pri­meiro-mi­nistro.

«Não pode ser esta a res­posta», con­testou Je­ró­nimo de Sousa, que re­latou um caso con­creto che­gado ao seu co­nhe­ci­mento di­recto: «um ci­dadão na re­gião de Anadia a quem foi pe­dido para pagar 900 euros de fibra óp­tica».

Na ré­plica, o pri­meiro-mi­nistro re­co­nheceu que a re­a­li­dade «é má» e que «é la­men­tável que uma em­presa não tenha ainda con­se­guido, pas­sados estes meses, repor as con­di­ções de ser­viço».

In­sistiu porém na tecla de que é à en­ti­dade re­gu­la­dora que «com­pete fis­ca­lizar le­gal­mente o cum­pri­mento dos con­tratos de con­cessão», não ao Go­verno que na sua óp­tica «tem res­pon­dido àquilo que lhe com­pete» em apoios, mas a quem «não cabe», «ainda por cima, fi­nan­ciar em­presas que prestam ser­viços pú­blicos e que não estão neste mo­mento a re­a­lizar aquilo que têm de re­a­lizar».

 



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