Pôr termo ao abandono do interior exige investimento e outras opções políticas

PRODUÇÃO Por­tugal pre­cisa de uma po­lí­tica que apoio os sec­tores pro­du­tivos, in­vista nos ser­viços pú­blicos, va­lo­rize o tra­balho e os tra­ba­lha­dores.

O País pre­cisa de uma outra po­lí­tica para se de­sen­volver

LUSA

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Sem estas traves-mestra de uma outra po­lí­tica que in­verta op­ções de fundo da velha po­lí­tica de di­reita não ha­verá de­sen­vol­vi­mento in­te­gral nem co­esão ter­ri­to­rial e so­cial e con­ti­nuar-se-á a as­sistir a pun­gentes la­mentos sobre o de­fi­nha­mento do in­te­rior do País, sem que nada de subs­tan­tivo mude.

O dis­trito de Por­ta­legre é disso exemplo e, tal como em ou­tras re­giões de fron­teira e no in­te­rior centro e Norte, os pro­blemas que o atingem e às suas gentes – de­sin­ves­ti­mento, des­po­vo­a­mento, en­ve­lhe­ci­mento, de­sem­prego, pre­ca­ri­e­dade – não são a causa da re­a­li­dade ac­tual mas sim uma con­sequência de «anos de po­lí­tica de di­reita, de in­te­gração na União Eu­ro­peia, de Po­lí­tica Agrí­cola Comum, de de­sin­dus­tri­a­li­zação, de de­sin­ves­ti­mento».

Estas foram ideias-chave que es­ti­veram muito pre­sentes nas re­centes Jor­nadas Par­la­men­tares do PCP re­a­li­zadas nos dias 5 e 6 deste mês na­quele dis­trito alen­te­jano, a que o Avante! deu o de­vido re­levo há uma se­mana (8), e que na vés­pera mar­caram a de­cla­ração po­lí­tica através da qual o de­pu­tado co­mu­nista João Ramos deu a co­nhecer o es­sen­cial dos seus tra­ba­lhos e con­clu­sões.

E o que estas evi­den­ci­aram desde logo foi a con­fir­mação de que o dis­trito de Por­ta­legre, a exemplo do que acon­tece com ou­tros ter­ri­tó­rios do in­te­rior, está su­jeito a cons­tran­gi­mentos e blo­queios que li­mitam as suas enormes po­ten­ci­a­li­dades pro­du­tivas e travam o seu de­sen­vol­vi­mento.

Sempre a re­gredir

Foram anos e anos de «de­sin­ves­ti­mento e aban­dono» do in­te­rior, re­alçou João Ramos, que lem­brou a pro­pó­sito a si­tu­ação do in­ves­ti­mento pú­blico: a re­gistar uma queda desde 2010, atingiu o seu valor mais baixo em 2016, e, apesar da re­cu­pe­ração em 2017, esta é «tão re­du­zida que em nada al­tera a dra­má­tica es­cassez» que se ve­ri­fica.

Para esse quadro ac­tual con­tri­buíram também, na pers­pec­tiva do PCP, os «mo­delos de in­ves­ti­mento e de cres­ci­mento ori­en­tados apenas para os pro­veitos sem res­peitar os re­cursos e as po­pu­la­ções».

Isso mesmo pu­deram tes­te­mu­nhar os de­pu­tados co­mu­nistas no de­curso das Jor­nadas, quer quanto ao Tejo onde os pro­blemas am­bi­en­tais e suas im­pli­ca­ções para as po­pu­la­ções têm vindo a agravar-se, quer em re­lação aos campos onde a ex­plo­ração agrí­cola in­ten­siva e de mo­no­cul­tura (vide o olival) pro­move a con­cen­tração da pro­pri­e­dade, dei­xando «rastos am­bi­en­tais e so­ciais de di­fícil re­so­lução».

A agravar tudo isto está o facto de a infra-es­tru­tu­ração do in­te­rior – cons­trução de re­servas es­tra­té­gicas de água, cri­ação ou con­clusão de vias ro­do­viá­rias ou pro­moção e ar­ti­cu­lação do trans­porte fer­ro­viário – «ser ine­xis­tente ou não ter ca­rácter es­tra­té­gico», anotou João Ramos, para quem este re­trato do dis­trito de Por­ta­legre só con­firma a ne­ces­si­dade que o País tem, para se de­sen­volver, de uma «outra po­lí­tica, uma po­lí­tica al­ter­na­tiva pa­trió­tica e de es­querda».

Mudar de rumo

O que im­plica romper com a «po­lí­tica de di­reita e as suas op­ções de cum­pri­mento cego do dé­fice e de fa­vo­re­ci­mentos dos grandes grupos eco­nó­micos» e, bem assim, por em si­mul­tâneo apoiar os sec­tores pro­du­tivos e in­vestir nos ser­viços pú­blicos tão ne­ces­sá­rios ao in­te­rior do País e ao seu de­sen­vol­vi­mento», su­bli­nhou o par­la­mentar do PCP.

«É pre­ciso re­verter as op­ções que le­varam à ex­tinção de fre­gue­sias, en­cer­ra­mento de ex­ten­sões de saúde e de es­colas, de postos da GNR e de es­ta­ções de cor­reios, de tri­bu­nais, à de­sar­ti­cu­lação e ao de­sin­ves­ti­mento nos trans­portes pú­blicos», in­sistiu João Ramos, con­victo de que a re­gião e o País pre­cisam ainda de ou­tras li­nhas de ori­en­tação (ver caixa), em par­ti­cular de uma ade­quada afec­tação dos fundos co­mu­ni­tá­rios (apli­cados não em função do mer­cado mas sim para cor­rigir de­si­gual­dades do País), bem como de mais in­ves­ti­mento nos ser­viços pú­blicos de saúde e nas ins­ti­tui­ções do En­sino Su­pe­rior.

Pri­o­ri­dades ab­so­lutas

A va­lo­ri­zação da pro­dução na­ci­onal en­quanto factor capaz de ga­rantir a im­pres­cin­dível so­be­rania ali­mentar e ul­tra­passar as ac­tuais as­si­me­trias ter­ri­to­riais é, para o PCP, uma linha de acção es­tra­té­gica de que o País não pode ab­dicar.

En­ca­beça mesmo as pri­o­ri­dades que, do seu ponto de vista, devem con­formar uma po­lí­tica ori­en­tada para o de­sen­vol­vi­mento do País, ge­ra­dora de maior jus­tiça e pro­gresso so­cial.

Essa é uma exi­gência na­ci­onal há muito iden­ti­fi­cada pelo PCP – in­tegra aliás um dos eixos da po­lí­tica al­ter­na­tiva pa­trió­tica e de es­querda que de­fende –, e que as Jor­nadas vol­taram a evi­den­ciar.

João Ramos re­levou essa ab­so­luta ne­ces­si­dade, fa­zendo-a acom­pa­nhar de ou­tras li­nhas de acção que, na óp­tica da sua ban­cada, são ful­crais para o de­sen­vol­vi­mento do País, como é desde logo a va­lo­ri­zação do tra­balho e dos tra­ba­lha­dores, o que pres­supõe a eli­mi­nação dos as­pectos gra­vosos do Có­digo do Tra­balho.

Uma ad­mi­nis­tração pú­blica ao ser­viço do País, com o ade­quado in­ves­ti­mento nos ser­viços pú­blicos, no­me­a­da­mente nos sec­tores da saúde, edu­cação, trans­portes e co­mu­ni­ca­ções, cons­titui outra aposta que uma po­lí­tica pau­tada pelo in­te­resse na­ci­onal e pelo res­peito pelas pes­soas, pela sua dig­ni­dade e di­reitos, não pode dis­pensar.

Como in­ques­ti­o­nável é pôr os sec­tores es­tra­té­gicos ao ser­viço do de­sen­vol­vi­mento na­ci­onal, o que passa por as­se­gurar o seu con­trolo pú­blico e por travar a des­truição de em­presas fun­da­men­tais.

Su­bli­nhada por João Ramos foi por fim a im­por­tância de en­frentar os cons­tran­gi­mentos e blo­queios que im­pedem o nosso de­sen­vol­vi­mento, quer os ex­ternos quer «aqueles que os go­vernos se auto im­põem, na pers­pec­tiva de fa­zerem boa fi­gura pe­rante Bru­xelas ou de cor­res­pon­derem aos in­te­resses dos grandes in­te­resses e dos grupos eco­nó­micos que não são os do País e os dos por­tu­gueses».

Des­truição de re­cursos

O dis­trito de Por­ta­legre ilustra bem as po­ten­ci­a­li­dades do País mas também os es­tran­gu­la­mentos e di­fi­cul­dades ge­rados por dé­cadas de po­lí­tica de di­reita. João Ramos as­si­nalou em par­ti­cular o nível de in­dus­tri­a­li­zação que a re­gião já pos­suiu e que as­se­gu­rava a trans­for­mação dos re­cursos lo­cais, exem­pli­fi­cando com a in­dús­tria cor­ti­ceira ou os la­ni­fí­cios.

In­dús­trias que en­tre­tanto foram des­truídas ou des­lo­ca­li­zadas, em larga me­dida pela acção «de­ter­mi­nante da União Eu­ro­peia e do pro­cesso de de­sin­dus­tri­a­li­zação que esta pro­moveu», la­mentou o de­pu­tado co­mu­nista, que apontou o dedo ainda aos go­vernos res­pon­sá­veis pela des­truição de es­tru­turas pú­blicas, como foi o caso da Cou­de­laria de Alter, outro exemplo de «des­truição de re­cursos re­gi­o­nais».

Te­kever voa alto

Em Ponte de Sôr há uma em­presa tec­no­ló­gica por­tu­guesa que se de­dica à pro­dução de drones. Fun­dada em 2001 por ex- alunos do Ins­ti­tuto Su­pe­rior Téc­nico, de­sen­volve ainda de forma ino­va­dora ou­tros pro­dutos e ser­viços nas áreas da tec­no­logia de in­for­mação, ae­ro­es­pa­cial, de­fesa e se­gu­rança.

Com a sua sede na­quele con­celho do Alto Alen­tejo, a Te­kever dispõe hoje de vá­rios es­cri­tó­rios e in­ves­ti­mentos por todo o mundo.

Em 2017, um con­sórcio li­de­rado pela por­tu­guesa Te­kever venceu dois con­cursos in­ter­na­ci­o­nais lan­çados pela agência eu­ro­peia de se­gu­rança ma­rí­tima para de­se­nhar drones des­ti­nados a vi­giar os mares e flo­restas eu­ro­peus.

Na vi­sita à em­presa, que re­corre a mão-de-obra es­pe­ci­a­li­zada, os de­pu­tados do PCP re­gis­taram a in­for­mação de que esta prevê atingir ao longo deste ano os 60 postos de tra­balho, no que é sem dú­vida um bom exemplo de in­ves­ti­mento em ino­vação, de aposta na con­tra­tação de pes­soas lo­cais e no de­sen­vol­vi­mento do in­te­rior.

O lado som­brio do olival in­ten­sivo

A ex­plo­ração do olival in­ten­sivo tem co­lo­cado pro­blemas de di­versa ín­dole, no­me­a­da­mente am­bi­ental, saúde pú­blica, la­bo­rais e de fis­ca­li­zação e agrí­colas.

Na vi­sita que os de­pu­tados co­mu­nistas re­a­li­zaram du­rante as Jor­nadas à bar­ragem do Ma­ra­nhão, acom­pa­nhados de au­tarcas e pro­du­tores lo­cais, ou­viram re­latos que con­firmam que a ex­plo­ração de olival não está a ter re­flexo na cri­ação de «postos de tra­balho com di­reitos», antes, na sua grande mai­oria, traduz-se em «sub­con­tra­tação, ne­gação de di­reitos, con­di­ções de­su­manas e sa­lá­rios de mi­séria».

Quanto aos pro­blemas am­bi­en­tais, estes de­correm acima de tudo do tipo de cul­tura, que sorve de forma in­tensa os re­cursos hí­dricos, e da uti­li­zação sis­te­má­tica de her­bi­cidas e pes­ti­cidas.

Já as im­pli­ca­ções para a saúde pú­blica têm so­bre­tudo a ver com esse uso fre­quente de pes­ti­cidas, que se re­per­cute não só no plano da saúde mas pa­rece estar a afectar ou­tras cul­turas e ac­ti­vi­dades, no­me­a­da­mente a api­cul­tura.

A ins­ta­lação de olival in­ten­sivo, no­me­a­da­mente em ter­renos de alta qua­li­dade, tra­duziu-se ainda na des­truição de ou­tras pro­du­ções, com im­pactos ne­ga­tivos na pro­dução na­ci­onal e na so­be­rania ali­mentar.

Mo­tivo de pre­o­cu­pação é igual­mente a falta de fis­ca­li­zação por parte das en­ti­dades com­pe­tentes, de­sig­na­da­mente dos mi­nis­té­rios do Am­bi­ente e da Agri­cul­tura, tendo os de­pu­tados co­mu­nistas ou­vido ainda queixas sobre as «li­nhas de cré­dito para a seca», muito anun­ci­adas nas que não estão a chegar aos agri­cul­tores.




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