Reflictamos

Henrique Custódio

Neste tempo de ofen­siva de­cla­rada contra a or­ga­ni­zação sin­dical e a luta dos sin­di­catos, re­flic­tamos na aná­lise mar­xista ao ca­pi­ta­lismo (aná­lise tão vital, que sem ela nin­guém o per­ce­beria, in­cluindo os ideó­logos pro-ca­pital) a partir de uma das suas as­ser­ções: o ca­pi­ta­lismo não produz para sa­tis­fazer ne­ces­si­dades so­ciais, mas para acu­mular lu­cros pri­vados.

Esta é uma das de­for­ma­ções pri­mor­diais do ca­pi­ta­lismo, de­sen­ca­de­ando de­sas­tres desde a re­vo­lução in­dus­trial, seja na de­pre­dação con­tínua de re­cursos, seja no des­per­dício de ma­té­rias e pro­dutos que conduz à es­cassez ine­vi­tável, sem falar na luta por mer­cados que de­sem­bocam, in­va­ri­a­vel­mente, na agressão ar­mada e nas guerras.

Hoje não existe a Man­chester dos sé­culos XVIII e XIX graças às re­vo­lu­ções so­ciais, com re­levo para a Grande Re­vo­lução de Ou­tubro, cujas he­róicas lutas foram cons­truindo, a suor e sangue, um tempo de di­reitos e de jus­tiça so­cial.

Mas a de­for­mação pri­mor­dial con­tinua e a busca in­sa­ciável do lucro con­duziu à si­tu­ação ac­tual, onde apenas 1% da po­pu­lação possui mais de 80% da ri­queza mun­dial, o que é uma co­nhe­cida bomba re­lógio na His­tória da Hu­ma­ni­dade.

O ca­pital adapta-se a quase tudo, menos a mo­di­ficar a sua es­sência – a ânsia per­ma­nente de lucro – e é essa ca­rac­te­rís­tica pri­mor­dial (como também dizia Marx) que o conduz ine­xo­ra­vel­mente ao de­sastre, mas não sem, antes disso, es­pa­lhar em mancha de óleo a mi­séria e a ex­plo­ração, como se vê na si­tu­ação ac­tual onde, apesar de a ca­pa­ci­dade pro­du­tiva da Hu­ma­ni­dade ter atin­gido pro­dí­gios, um quarto da po­pu­lação vive na mi­séria ex­trema e mais de me­tade no li­miar da po­breza, dados ca­tas­tró­ficos que todos os anos se agravam.

O ne­o­li­be­ra­lismo, que Re­agan e «os boys de Chi­cago» te­o­ri­zaram para os EUA e o mundo oci­dental, foi a grande contra-ofen­siva do ca­pital após a der­ro­cada da URSS e do mundo so­ci­a­lista em 1990, ten­tando des­man­telar as grandes con­quistas ci­vi­li­za­ci­o­nais que a Re­vo­lução de Ou­tubro trou­xera aos povos e ao mundo e es­pa­lhando a des­re­gu­la­men­tação nas re­la­ções de tra­balho, im­pondo «a eco­nomia» como ele­mento de­ter­mi­nante nos con­tratos la­bo­rais e, a co­berto dela, fa­zendo valer as vi­sões re­ac­ci­o­ná­rias do ca­pi­ta­lismo, como chamar aos sa­lá­rios «um peso» a cortar e aos di­reitos la­bo­rais «um luxo» neste novo tempo da «glo­ba­li­zação», es­que­cendo o prin­cípio mar­xista de que o tra­balho é sempre o ele­mento de­ter­mi­nante da pro­dução e que a «glo­ba­li­zação» mo­derna já vem desde as na­ve­ga­ções por­tu­guesas pelo mundo.

O tempo da grande luta aí está, vivo e pul­sante, para re­mover mais uma vez o to­ta­li­ta­rismo ca­pi­ta­lista.

Aqui e agora, apenas a luta dos tra­ba­lha­dores pode fazer frente e der­rotar a ofen­siva res­tau­ra­ci­o­nista do ca­pital, pelo que é de­ter­mi­nante o re­forço e a mo­bi­li­zação dos sin­di­catos.

Re­flic­tamos.

 



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