PCP quer criar um serviço público de cultura

O Jardim de In­verno do Te­atro Mu­ni­cipal de São Luís, em Lisboa, foi palco, ao final da tarde de se­gunda-feira, 9, de um en­contro do PCP com ar­tistas e tra­ba­lha­dores da cul­tura, no qual par­ti­cipou o Se­cre­tário-geral, Je­ró­nimo de Sousa. Es­ti­veram pre­sentes re­pre­sen­tantes de or­ga­ni­za­ções e es­tru­turas como o CENA-STE, a Fe­de­ração Na­ci­onal de Sin­di­catos da Função Pú­blica e o Ma­ni­festo em De­fesa da Cul­tura, e um vasto con­junto de en­ce­na­dores, ac­tores, mú­sicos, bai­la­rinos, téc­nicos e ou­tras pro­fis­sões e ac­ti­vi­dades li­gadas às artes e à cul­tura. Com Je­ró­nimo de Sousa es­tavam Jorge Pires, da Co­missão Po­lí­tica, Mi­guel So­ares, do Co­mité Cen­tral, e a de­pu­tada Ana Mes­quita.

Foi pre­ci­sa­mente a par­la­mentar co­mu­nista a abrir o de­bate, re­al­çando as pro­postas apre­sen­tadas pelo PCP em sede de Or­ça­mento do Es­tado, tanto as que foram aco­lhidas (como a re­dução da taxa de IVA dos ins­tru­mentos mu­si­cais, o plano de emer­gência do pa­tri­mónio cul­tural ou a sal­va­guarda do Forte de Pe­niche), como as que não ti­veram aco­lhi­mento, entre as quais se des­taca o au­mento para 25 mi­lhões das verbas dis­po­ní­veis para o apoio às artes. A con­sa­gração de um por cento do Or­ça­mento do Es­tado para a Cul­tura é uma exi­gência an­tiga dos co­mu­nistas que en­tre­tanto se trans­formou em pa­lavra de ordem ge­ne­ra­li­zada no sector.

Tanto na in­ter­venção de Ana Mes­quita como na de Je­ró­nimo de Sousa, que en­cerrou a reu­nião, es­teve so­bre­tudo em des­taque a visão dos co­mu­nistas para a Cul­tura, con­sa­grada no seu Pro­grama (e, em grande me­dida, plas­mada na pró­pria Cons­ti­tuição da Re­pú­blica). Para o PCP, a cul­tura é com­po­nente fun­da­mental da de­mo­cracia e o exer­cício dos di­reitos cul­tu­rais e a luta pela sua ge­ne­ra­li­zação e apro­fun­da­mento são «fac­tores da de­mo­cracia glo­bal­mente con­si­de­rada». O di­reito à cul­tura deve, assim, ser con­cre­ti­zado através de um ser­viço pú­blico de cul­tura fi­nan­ciado pelo Or­ça­mento do Es­tado.

Nada mais longe, por­tanto, da po­lí­tica cul­tural de su­ces­sivos go­vernos – e o ac­tual não é ex­cepção –, mar­cada pela cres­cente mer­can­ti­li­zação, des­res­pon­sa­bi­li­zação do Es­tado e pre­ca­ri­zação das con­di­ções de tra­balho e acen­tuado sub­fi­nan­ci­a­mento. Re­fe­rindo-se pre­ci­sa­mente a estas op­ções po­lí­ticas, o Se­cre­tário-geral do Par­tido re­alçou as con­tra­di­ções do Go­verno, que va­lo­riza a re­dução do dé­fice e, ao mesmo tempo, ga­rante não haver con­di­ções para au­mentar o fi­nan­ci­a­mento das artes e da cul­tura. Os 25 mi­lhões pro­postos pelo PCP são muito pouco no bolo do Or­ça­mento e do dé­fice, acres­centou. Se é certo que, como afirmou Je­ró­nimo de Sousa, os pro­blemas da cul­tura não se re­sumem ao fi­nan­ci­a­mento, não é menos ver­dade que sem este tudo o resto fica posto em causa.

Partir do que há
e virar do avesso

Como será o ser­viço pú­blico de cul­tura? Que ca­rac­te­rís­ticas terá? De que es­tru­turas ne­ces­si­tará? A este de­safio, lan­çado por Ana Mes­quita, res­pon­deram vá­rios dos pre­sentes, que re­la­taram a re­a­li­dade con­creta das suas com­pa­nhias, grupos, ins­ti­tui­ções e pro­fis­sões e pro­pu­seram al­ter­na­tivas. Nos seus tes­te­mu­nhos re­fe­riram-se à de­sar­ti­cu­lação das es­tru­turas pú­blicas, ao re­du­zido nú­mero de es­pec­tá­culos de mú­sica eru­dita, à falta de pro­gra­mação em múl­ti­plos au­di­tó­rios es­pa­lhados pelo País e à ca­rência de tra­ba­lha­dores em di­versas áreas fun­da­men­tais.

Par­ti­cu­lar­mente cri­ti­cado foi o ac­tual mo­delo de apoio às artes, poucos dias após a di­vul­gação dos re­sul­tados do con­curso plu­ri­a­nual, que tantos pro­testos mo­tivou (ver texto nestas pá­ginas). Da pró­pria exis­tência do con­curso – «os hos­pi­tais também são ava­li­ados? E se chum­barem?», per­guntou um – aos seus ac­tuais moldes, pas­sando pelas verbas dis­po­ní­veis, pra­ti­ca­mente tudo foi posto em causa.

A com­pa­nhia de te­atro que apesar de or­ga­nizar um fes­tival in­ter­na­ci­onal (o maior do gé­nero em Por­tugal) vê o seu fi­nan­ci­a­mento re­du­zido por «não pro­mover a in­ter­na­ci­o­na­li­zação»; uma ci­dade como Coimbra que fica sem qual­quer grupo de te­atro fi­nan­ciado; a re­ti­rada do fi­nan­ci­a­mento a uma com­pa­nhia his­tó­rica, com 40 anos de cri­ação de re­co­nhe­cida qua­li­dade; grupos que se vêem ex­cluídos dos apoios por terem tra­ba­lha­dores efec­tivos foram al­gumas das si­tu­a­ções de­nun­ci­adas pelos pre­sentes.

Em des­taque es­teve também a crí­tica à pre­ca­ri­e­dade, que é cada vez mais regra no sector. Um ser­viço pú­blico de cul­tura, afirmou-se por mais do que uma vez, tem que as­sentar na es­ta­bi­li­dade pro­fis­si­onal de cri­a­dores, in­tér­pretes, pro­du­tores e téc­nicos. A luta con­creta que se trava no sector tem cada vez mais esta como uma questão cen­tral, como ficou evi­dente nas in­ter­ven­ções dos di­ri­gentes sin­di­cais pre­sentes e nas ma­ni­fes­ta­ções e con­cen­tra­ções do pas­sado dia 6.

 



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