Despudoradamente

Anabela Fino

Há quem se sinta con­for­tável com o au­mento às pin­gui­nhas do Sa­lário Mí­nimo Na­ci­onal, em­bora re­co­nhe­cendo como é exíguo para uma digna re­tri­buição do tra­balho. Há quem faça voz grossa di­zendo la­mentar a le­gis­lação do tra­balho que de­grada a con­tra­tação co­lec­tiva, se­meia a pre­ca­ri­e­dade e im­pos­si­bi­lita a con­ci­li­ação da vida pro­fis­si­onal, pes­soal e fa­mi­liar, tra­zendo no bolso a ca­neta com que as­sinou na con­cer­tação so­cial o acordo que a tornou pos­sível. Há quem tenha tanta ver­gonha na cara como as ga­li­nhas têm dentes e ande de dis­curso em dis­curso, de feira em feira, de te­le­visão em te­le­visão, apon­tando o dedo aos pro­blemas que criou no pas­sado que en­tre­tanto vai re­es­cre­vendo, quando não mesmo apa­gando em su­ces­sivas pres­ta­ções me­di­a­ti­zadas. Há gente para tudo em (quase) todo o lado, não haja dú­vida, mas im­porta re­co­nhecer que está a tornar-se di­fícil ga­nhar a palma ao CDS no res­pei­tante a de­ma­gogia, po­pu­lismo, ci­nismo, des­pudor e sem ver­go­nhice pura e sim­ples.

Os exem­plos su­cedem-se e a di­fi­cul­dade está na es­colha. Para não ir mais longe, veja-se o des­plante de Mes­quita Nunes, que an­te­ontem, num al­moço na Ca­pa­rica – há uma dé­cada que o CDS ce­lebra o Dia do Tra­ba­lhador em Al­mada, gabou-se –, disse sem se en­gasgar que a quebra do de­sem­prego no País «se deve muito à le­gis­lação la­boral apre­sen­tada pelo go­verno an­te­rior». Ao que pa­rece, não houve des­pe­di­mentos em Por­tugal no go­verno PSD/​CDS. É talvez um mito ur­bano, em­bora tenha le­vado ao maior fluxo emi­gra­tório de sempre desde 1974, que entre ou­tros as­pectos se tra­duziu numa dra­má­tica de­ses­tru­tu­ração das fa­mí­lias e numa brutal quebra dos sa­lá­rios. Os dados ofi­ciais re­velam que em 2017 os sa­lá­rios eram 8,2% mais baixos do que em 2010.

Mas como já dizia o sábio Aleixo, «para a men­tira ser se­gura e atingir pro­fun­di­dade tem de trazer à mis­tura qual­quer coisa de ver­dade». Vai daí, o vice-pre­si­dente do CDS lá re­co­nheceu que a lei pre­cisa de umas mu­danças «para dar res­posta aos pro­blemas da pre­ca­ri­e­dade» e aos «abusos do tra­balho tem­po­rário» que a pró­pria ex­po­nen­ciou. Po­demos dormir des­can­sados. O CDS apre­sen­tará nos «pró­ximos meses» um «con­junto de pro­postas». E o au­mento do sa­lário mí­nimo? Nada contra, ga­rante, desde que.... as con­di­ções da eco­nomia o per­mitam.

Al­guém devia apre­sentar Mes­quita Nunes a Vítor Gaspar, ou mandar-lhe um link para a co­mu­ni­cação em que o então mi­nistro das Fi­nanças do go­verno PSD/​CDS anun­ciou o «enorme au­mento de im­postos», cujo seria di­mi­nuído ao ritmo da di­mi­nuição da dí­vida pú­blica. Sendo o CDS pra­ti­cante en­tu­si­asta da tese de que em re­cessão não há au­mentos, em es­tag­nação idem e em cres­ci­mento se re­co­menda cau­telas e caldos de ga­linha, con­clui-se que o al­moço na Ca­pa­rica terá ce­le­brado qual­quer coisa, mas não foi de cer­teza o 1.º de Maio.




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