As crianças não terão direitos enquanto os pais não os tiverem
PROPOSTA Educação, protecção social, trabalho com direitos foram temas em debate na sessão «Crianças e pais com direitos, Portugal com futuro», realizada no domingo, 13, com a presença de Jerónimo de Sousa.
A actual natalidade não garante a substituição de gerações
É redutor (ou hipócrita, dependendo de quem o faz) falar de direitos das crianças ou do necessário aumento da natalidade quando nada se diz acerca das condições de vida e de trabalho dos pais ou aspirantes a pais, desde há muito em constante degradação. Na sessão promovida pelo PCP foram muitos os exemplos desta realidade partilhados pelos vários oradores.
O quadro geral foi traçado por Catarina Morais, economista e membro da Comissão de Freguesia do Lumiar (onde se realizou a sessão), que deu a conhecer os dados do Inquérito à Fecundidade, de 2013: a fecundidade desejada era de 2,31 filhos por mulher e a efectivamente realizada foi de 1,4 – bastante inferior, também, ao limiar de substituição de gerações, cujo valor se situa nos 2,1. Ainda no campo dos números, Catarina Morais revelou que em 2016 nasceram 87 mil crianças em Portugal; se a fecundidade realizada correspondesse à desejada teriam nascido mais 59,6 mil crianças. «Além de se ter menos filhos, tem-se filhos cada vez mais tarde», resumiu.
Tal como a economista, também Paula Santos, deputada e membro do Comité Central, rejeitou a acusação de «egoísmo» por vezes lançada contra as jovens mulheres por não terem mais filhos. Se não têm, sublinha, é porque não lhes é dada qualquer perspectiva de futuro capaz de garantir uma maternidade e paternidade responsáveis. Grande parte dos trabalhadores, sobretudo os mais jovens, confrontam-se com baixos salários, precariedade e instabilidade nos vínculos laborais, desemprego, desregulação dos horários, desrespeito pelos direitos de maternidade e paternidade e reduzidos apoios sociais, acrescentou.
Centralidade do trabalho
Se é difícil a situação de quem deseja ter filhos e adia esta opção à espera de melhores dias, a vida dos jovens pais e das próprias crianças não é mais fácil. Disso falou a deputada Rita Rato, para quem os baixos salários, os horários laborais extensos e desregulados e a precariedade tem consequências a diversos níveis, entre os quais a «intermitência dos afectos e das rotinas», fundamentais para a «estabilidade emocional dos pais e das crianças». A deputada denunciou ainda as constantes violações aos direitos de maternidade e paternidade em empresas e serviços públicos.
Margarida Botelho, da Comissão Política, acrescentou ao rol de obstáculos o encerramento de 10 maternidades, só em 2006; o corte do abono de família a quase meio milhão de crianças entre 2010 e 2016; e o encerramento, desde 2005, de quatro mil escolas do Ensino Básico. A recuperação verificada desde 2015, com o alargamento do pré-escolar público, a gratuitidade dos manuais escolares no primeiro ciclo e valorização do abono de família, é ainda insuficiente para inverter a situação, que se manterá enquanto permanecerem intocadas as leis laborais, realçou.
Precariedade, habitação, educação
O debate, aberto por Jaime Rocha, do executivo da Direcção da Organização Regional de Lisboa, e moderado por Bruno Rolo, do organismo dirigente da Cidade de Lisboa, ficou marcado pelas intervenções da assistência, que revelaram um conhecimento aprofundado da realidade das crianças e das famílias e um pensamento consistente acerca do que é necessário alterar. Exemplos concretos de precariedade e desrespeito pelos mais elementares direitos laborais, a habitação como problema central colocado às jovens famílias, o papel desempenhado pelos avós na vida das crianças e o ataque aos seus direitos, com influência nas vidas dos filhos e netos, foram algumas das questões levantadas.
Nunca deixando de colocar o acento tónico nas condições sociais das famílias, muitos foram os que reflectiram sobre a escola pública, tanto no que respeita às condições materiais e humanas, manifestamente insuficientes, como no que se relaciona com os próprios tempos e currículos lectivos. No caso do pré-escolar, é notório o excesso de horas passadas pelas crianças na escola e a falta de tempo para brincarem livremente. A este nível, como em todos os outros, a escola deve «atender às necessidades das crianças» e não ser meramente um «depósito de crianças».
Propostas essenciais
A terminar, o Secretário-geral do Partido garantiu que, como até aqui, o PCP continuará a «aprofundar propostas e soluções» que promovam os direitos dos que são pais ou desejam sê-lo e dos próprios direitos das crianças. Os pilares fundamentais de uma «sociedade verdadeiramente amiga das crianças», acrescentou, são o «tempo para viver» e a salvaguarda da sua autonomia económica e social.
Entre as propostas do Partido para cumprir estes pilares conta-se a redução do horário de trabalho para as 35 horas, sem redução de salário; alargamento das licenças de maternidade e das licenças obrigatórias da mãe do pai; aumento do salário mínimo nacional para 650 euros; concretização de um Plano Nacional de Combate à Precariedade; universalização do abono de família e a valorização dos seus montantes; criação de uma rede pública de creches; gratuitidade dos manuais escolares no ensino obrigatório; garantia de médico e enfermeiro de família a todos os agregados familiares com crianças e de pediatras nos cuidados primários; e a constituição de uma Comissão Nacional dos direitos da Criança. O PCP defende ainda a «criação de um plano nacional de ocupação de tempos livres, em substituição das AEC».