Comentário

A raposa no galinheiro

Miguel Viegas

BlackRock é hoje o maior fundo financeiro do mundo. A sua carteira de activos representa uma soma superior a cinco biliões de dólares, qualquer coisa como 30 vezes o PIB português. O fundo detém participações maioritárias em empresas tão importantes como Deutsche Bank, BASF, Siemens, Apple, Microsoft, McDonald’s, Allianz, BMW, Daimler AG, Intel, HSBC Holdings, British American Tobacco (BAT), Vodafone, sem esquecer os três maiores bancos nos Estados Unidos, JPMorgan, Citigroup e Wells Fargo. Em Portugal, o gigante norte-americano tornou-se accionista dos principais bancos durante a crise (BCP, Banif indirectamente através do Santander, BPI, através do CaixaBank e, no passado, também o Banco Espírito Santo onde chegou a ser o terceiro maior acionista).

Dois episódios ilustram a teia de interesses sob a qual repousa o sucesso do BlackRock. O primeiro diz respeito ao Banco Espírito Santo (BES) e à forma pouco ou nada transparente como o Fundo vendeu a sua participação no BES onze dias antes da sua resolução, evitando assim uma perda total do seu capital. Ninguém, nem da parte do Banco de Portugal nem da CMVM, sabe como foi feita a venda nem a quem nem por quanto. A história repete-se cerca de três anos depois, desta vez em Espanha. Dias antes da resolução do Banco Popular, o BlackRock vende 98 milhões de acções que detinha naquele banco, salvando assim 100 milhões de euros. Mais uma vez ficamos sem saber como e onde conseguiu ter a informação privilegiada que lhe permitiu evitar a sorte dos 350 mil accionistas que ficaram sem nada. Quanto ao lucro da operação é fácil. Vendeu as acções do Banco Popular antes das mesmas ficarem reduzidas a nada e depois comprou indirectamente a totalidade do banco por um simbólico euro, através do Santander onde detém 5% do capital.

Carácter de classe

Com a União Bancaria, a supervisão dos bancos ficou centralizada no Banco Central Europeu (BCE). O PCP manifestou-se desde a primeira hora contra esta medida que não visava mais do que retirar competências dos estados nacionais em matéria de supervisão, reforçando o poder do BCE, ao serviço do grande capital financeiro europeu. Este mês ficamos a saber que o BCE irá recorrer aos serviços do BlackRock para realizar os testes de stress ao sistema bancário. Conflitos de interesses? Nem vê-los, segundo o BCE. Mas como relatava um ex-responsável de um banco grego: «à tarde, fomos à BlackRock vender as nossas acções e, ao mesmo tempo, outros funcionários da BlackRock vieram verificar as nossas contas». Registamos o coro de críticas daqueles que se insurgem contra o facto daquele gigante financeiro passar a ter acesso a um manancial de informação que o coloca numa posição de vantagem inequívoca perante os seus concorrentes. Outros criticam o facto de uma empresa privada exercer uma tarefa que deveria ser exclusivamente pública e, acrescentamos, de cada Estado. Pela nossa parte, este é mais um elemento que confirma a carácter de classe desta União Europeia e aponta para a necessidade de acabar com a União Bancária e restabelecer o controlo público nacional sobre o sistema financeiro!




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