PCP contra institucionalização da provocação da morte antecipada

DEBATE Muito se disse na última semana sobre a problemática da morte antecipada, que esteve ontem em debate na Assembleia da República. A posição do PCP, expressa a 24 de Maio, é transcrita em seguida.

Este não é um debate sobre opções individuais mas sim políticas

1. O debate sobre a introdução legal da possibilidade da provocação da morte antecipada não corresponde à discussão sobre hipotéticas opções ou considerações individuais de cada um perante as circunstâncias da sua própria morte. É, sim, uma discussão de opções políticas de reforçada complexidade e com profundas implicações sociais, comportamentais e éticas.

A legalização da eutanásia não pode ser apresentada como matéria de opção ou reserva individual. Inscrever na Lei o direito a matar ou a matar-se não é um sinal de progresso mas um passo no sentido do retrocesso civilizacional, com profundas implicações sociais, comportamentais e éticas que questionam elementos centrais de uma sociedade que se guie por valores humanistas e solidários.

A ideia de que a dignidade da vida se assegura com a consagração legal do direito à morte antecipada merece rejeição da parte do PCP.

A oposição do PCP à eutanásia tem o seu alicerce na preservação da vida, na convocação dos avanços técnicos e científicos (incluindo na medicina) para assegurar o aumento da esperança de vida e não para a encurtar, na dignificação da vida em vida. É esta consideração do valor intrínseco da vida que deve prevalecer e não a da valoração da vida humana em função da sua utilidade, de interesses económicos ou de discutíveis padrões de dignidade social.

 

2. A invocação de casos extremos, para justificar a inscrição na Lei do direito à morte antecipada, apresentando-o como um acto de dignidade, não é forma adequada para a reflexão que se impõe. Pode expressar em alguns casos juízos motivados por vivência própria, concepções individuais que se deve respeitar mas é também, para uma parte dos seus promotores, uma inscrição do tema em busca de protagonismos e de agendas políticas promocionais.

A ciência já hoje dispõe de recursos que, se utilizados e acessíveis, permitem diminuir ou eliminar o sofrimento físico e psicológico. Em matérias que têm a ver com o destino da sua vida, cada cidadão dispõe já hoje de instrumentos jurídicos (de que o «testamento vital» é exemplo, sem prejuízo dos seus limites) e de soberania na sua decisão individual quanto à abstinência médica (ninguém pode ser forçado a submeter-se a determinados tratamentos contra a sua vontade). A prática médica garante o não prolongamento artificial da vida, respeitando a morte como processo natural, recusando o seu protelamento através da obstinação terapêutica. Há uma diferença substancial entre manter artificialmente a vida ou antecipar deliberadamente a morte, entre diminuir ou eliminar o sofrimento na doença ou precipitar o fim da vida.

 

3. Num quadro em que o valor da vida humana surge relativizado com frequência em função de critérios de utilidade social, de interesses económicos, de responsabilidades e encargos familiares ou de gastos públicos, a legalização da provocação da morte antecipada acrescentaria uma nova dimensão de problemas.

Desde logo, contribuiria para a consolidação das opções políticas e sociais que conduzem a essa desvalorização da vida humana e introduziria um relevante problema social resultante da pressão do encaminhamento para a morte antecipada de todos aqueles a quem a sociedade recusa a resposta e o apoio à sua situação de especial fragilidade ou necessidade. Além disso a legalização dessa possibilidade limitaria ainda mais as condições para o Estado promover, no domínio da saúde mental, a luta contra o suicídio.

 

4. O princípio da igualdade implica que a todos seja reconhecida a mesma dignidade social, não sendo legítima a interpretação de que uma pessoa «com lesão definitiva ou doença incurável» ou «em sofrimento extremo» seja afectada por tal circunstância na dignidade da sua vida. E ainda mais que ela seja invocada para consagrar em Lei o direito à morte, executada com base numa Lei da República.

A vida não é digna apenas quando (e enquanto) pode ser vivida no uso pleno das capacidades e faculdades físicas e mentais e a sociedade deve assegurar condições para uma vida digna em todas as fases do percurso humano, desde as menos autónomas (seja a infância ou a velhice) às de maior autonomia; na presença de condições saudáveis ou de doença; no quadro da integridade plena de faculdades físicas, motoras ou intelectuais ou da deficiência mais ou menos profunda, congénita ou sobreveniente.

O que se impõe é que o avanço e progresso civilizacionais e o aumento da esperança de vida decorrente da evolução científica sejam convocados para garantir uma vida com condições materiais dignas em todas as suas fases.

 

5. O PCP afirma a sua oposição a legislação que institucionalize a provocação da morte antecipada seja qual a forma que assuma – a pedido sob a forma de suicídio assistido ou de eutanásia –, bem como a eventuais propostas de referendo sobre a matéria.

O PCP continuará a lutar para a concretização, no plano político e legislativo, de medidas que respondam às necessidades plenas dos utentes do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente no reforço de investimento sério nos cuidados paliativos, incluindo domiciliários; na garantia do direito de cada um à recusa de submeter-se a determinados tratamentos; na garantia de a prática médica não prolongar artificialmente a vida; no desenvolvimento, aperfeiçoamento e direito de acesso de todos à utilização dos recursos que a ciência pode disponibilizar, de forma a garantir a cada um, até ao limite da vida, a dignidade devida a cada ser humano.

 

6. É esta a concepção de vida profundamente humanista que o PCP defende e o seu projecto político de progresso social corporiza. Uma concepção que não desiste da vida, que luta por condições de vida dignas para todos e exige políticas que as assegurem desde logo pelas condições materiais necessárias na vida, no trabalho e na sociedade.

Perante os problemas do sofrimento humano, da doença, da deficiência ou da incapacidade, a solução não é a de desresponsabilizar a sociedade promovendo a morte antecipada das pessoas nessas circunstâncias, mas sim a do progresso social no sentido de assegurar condições para uma vida digna, mobilizando todos os meios e capacidades sociais, a ciência e a tecnologia para debelar o sofrimento e a doença e assegurar a inclusão social e o apoio familiar.

A preservação da vida humana, e não a desistência da vida é património que integra o humanismo real – e não proclamatório – que o PCP assume nos princípios e na luta.

 

NOTA: no sítio do PCP na Internet há um dossier específico sobre o assunto, que pode ser consultado em www.pcp.pt/provocacao-da-morte-antecipada

 



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