Frank Carlucci: contra-revolução e resistência

Manuel Rodrigues

O im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano in­ter­feriu no rumo da re­vo­lução por­tu­guesa

Frank Car­lucci morreu no pas­sado dia 3 de Junho, aos 87 anos, em McLean, no Es­tado da Vir­gínia (EUA). Em­bai­xador dos EUA em Por­tugal no pe­ríodo do pós-25 de Abril, foi também vice-di­rector da CIA e con­se­lheiro de Se­gu­rança Na­ci­onal dos EUA.

Tal como a di­ta­dura fas­cista em Por­tugal con­tara sempre com o apoio do im­pe­ri­a­lismo, também após o 25 de Abril, à me­dida que avan­çavam as trans­for­ma­ções re­vo­lu­ci­o­ná­rias, o im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano pro­curou in­tervir na re­vo­lução de­mo­crá­tica por­tu­guesa no sen­tido de travar os seus avanços e li­quidar as suas con­quistas. Fê-lo sob di­versas formas e em di­fe­rentes mo­mentos, no­me­a­da­mente en­vi­ando para Por­tugal como em­bai­xador Frank Car­lucci (de Ja­neiro de 1975 a De­zembro de 1977), um agente da CIA, essa «gi­gan­tesca e si­nistra or­ga­ni­zação de es­pi­o­nagem, cons­pi­ra­ções, golpes fas­cistas, ope­ra­ções de ter­ro­rismo de Es­tado, as­sas­si­natos de mi­li­tantes pro­gres­sistas», como a ca­rac­te­riza Álvaro Cu­nhal na sua obra A Ver­dade e a Men­tira na Re­vo­lução de Abril (A contra-re­vo­lução con­fessa-se).

«Frank Car­lucci – es­creve Álvaro Cu­nhal – tinha sido “se­cre­tário po­lí­tico do em­bai­xador dos Es­tados Unidos em Kinshasa, quando as­sas­si­naram Pa­trice Lu­mumba no início dos anos 60”. Ajudou Tchombé e Mo­butu no Zaire, e La­cerda no golpe dos ge­ne­rais no Brasil. Em Zan­zibar teve tão im­pru­dente in­ge­rência que acabou por ser ex­pulso do país».

A con­fir­mação da ver­dade após a sua morte

Frank Car­lucci de­sem­pe­nhou um des­ta­cado papel no xa­drez da contra-re­vo­lucão em Por­tugal, como mos­tram, por exemplo, as suas de­cla­ra­ções num re­en­contro com Mário So­ares, em Lisboa, su­bli­nhadas pelo Pú­blico de 23 de Se­tembro de 2006: «O Dr. So­ares e eu pas­sá­vamos aqui [no sótão da em­bai­xada] muitas horas a con­versar sobre os pro­blemas po­lí­ticos por­tu­gueses, sobre as re­la­ções entre os nossos dois países e como seria pos­sível fazer de Por­tugal uma de­mo­cracia de tipo oci­dental. Fa­lá­vamos horas e horas (…).»

É igual­mente cu­rioso como, a pro­pó­sito da sua morte, ve­nham de novo agora certos ór­gãos da co­mu­ni­cação so­cial re­novar a con­fissão.

É o que fazem, por exemplo, o DN e o Pú­blico de 5 de Junho. Afirma o DN que «Frank Car­lucci tinha uma cum­pli­ci­dade es­tra­té­gica com Mário So­ares. Du­rante os anos tur­bu­lentos de­pois da re­vo­lução de 1974 o em­bai­xador dos EUA e o líder so­ci­a­lista gas­taram horas sem conta a tratar da causa da de­mo­cracia e dos di­reitos hu­manos para o povo numa pe­quena sala, co­nhe­cida como “o ninho do corvo”, si­tuada mesmo no cimo da re­si­dência ofi­cial do Em­bai­xador em Lisboa». Já o Pú­blico, no mesmo sen­tido, afirma: «Frank Car­lucci chegou a Por­tugal em 1975 e cul­tivou uma re­lação pre­fe­ren­cial com Mário So­ares.»

A luta pela de­mo­cracia
e o so­ci­a­lismo con­tinua

Apesar da contra-re­vo­lução em Por­tugal, em que Car­lucci teve papel de re­levo, con­ti­nuam a ser vá­lidas e ac­tuais as pa­la­vras de Álvaro Cu­nhal na obra atrás re­fe­rida: «Uma Re­vo­lução de Abril não se re­pete. Con­quistas fun­da­men­tais foram li­qui­dadas. Mas muitos dos seus va­lores não estão mortos. Muito dela está ainda pre­sente na so­ci­e­dade e na cons­ci­ência, hoje aba­lada mas la­tente, que a re­vo­lução deu aos por­tu­gueses. Cons­ci­ência de que a li­ber­dade vale. Cons­ci­ência dos di­reitos do ser hu­mano.

«A his­tória das re­a­li­za­ções, con­quistas, va­lores e li­ções da Re­vo­lução de Abril contém ele­mentos fun­da­men­tais da ex­pe­ri­ência ne­ces­sária para, na si­tu­ação ac­tual, optar por um ca­minho do fu­turo e con­fiar na­queles que, fa­lando ver­dade ao povo, têm mos­trado ser ca­pazes de cum­prir aquilo que anun­ciam e pro­metem».

Sendo igual­mente certo que, como a his­tória da Re­vo­lução de Abril com­prova, o PCP, par­tido ne­ces­sário, in­dis­pen­sável e in­subs­ti­tuível na so­ci­e­dade por­tu­guesa, com os tra­ba­lha­dores e o povo, con­tinua a luta pela de­mo­cracia e o so­ci­a­lismo.

 




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