Direitos, indivíduo e individualismo

Jorge Cordeiro (Membro da Comissão Política)

«Nenhum dos chamados direitos do homem vai, portanto, além do homem egoísta, além do homem tal como ele é membro da sociedade civil (da sociedade burguesa), a saber: um indivíduo remetido a si, ao seu interesse privado e ao seu arbítrio privado, e isolado da comunidade».

O direito individual absolutizado colide com regras e normas sociais

A frase de Marx pode suscitar incredulidade. Mas ela concita reflexão tão necessária quanto a invocação dos direitos individuais são assumidos como valor absoluto que a tudo se sobreporiam, incluindo aos direitos e interesses coletivos, e não enquanto conquista inseparável da evolução social.

A cada período do percurso do homem e do desenvolvimento da sociedade corresponderam direitos e garantias. Mas a verdadeira liberdade e direito individuais é inseparável do processo de emancipação social e da superação do capitalismo. Seguramente que a passagem de condição de «servo» a «cidadão», com o manancial de «direitos de cidadania» invocáveis, representou um avanço civilizacional e uma nova condição política. Avanço que entretanto não vence os limites socioeconómicos associados ao modo de produção capitalista para onde cada um é remetido e em que se engendra a teia que tece os valores individualistas.

A opinião dominante estimula e exacerba a proclamação do direito individual até aos limites do egoísmo privado. O campo de confronto social transita da luta pela transformação social para o campo de batalha do interesse privado de todos contra todos.

Não estão em causa os valores intrínsecos associados aos direitos, liberdades e garantias individuais. Aliás é não só a política de direita e os interesses económicos que representa que os negam como será com a construção de uma sociedade socialista que eles ganharão inteira realização. Mas é indispensável, em particular para os comunistas e para quem não se rende ao actual sistema, que a dimensão colectiva da sociedade não seja desvalorizada. Não será difícil elencar inúmeros exemplos em que o direito individual absolutizado colide com regras e normas sociais, valores colectivos, formas de organização social.

Individual e colectivo

A reflexão sobre a exacerbação do «eu» e do que isso significa de atomização da vida social e de caminho para tudo o resto, incluindo obstáculo a objectivos mais gerais de luta, tem de ser inscrita com a importância que assume. Tanto mais quanto predominam as teorizações sobre o «empreendedorismo» individual, a glorificação do «sucesso» de cada um enquanto razão de desigualdades face aos mal sucedidos, a apresentação da «competitividade» individual como diferenciador entre capazes e incapazes.

Ideias como «sou dono de mim» ou «em mim mando eu», tão presentes e repetidas à exaustão, mais do que afirmação de independência pessoal transportam cada um para o terreno do egoísmo privado tão necessário à perpetuação ideológica do capitalismo. Conceitos como os direitos à propriedade (associado ao direito a explorar) ou a deter meios de produção que socialmente deveriam ser de todos são inseparáveis do acervo de «direitos individuais» que o capitalismo cultiva, fomenta e idolatra.

Para os que não se conformam com os limites da sociedade capitalista é desarmante a observação e análise das questões sociais, económicas e políticas que ao nosso redor ocorrem, e sobre as quais há que intervir, a partir do «eu». Ignorá-lo compromete a acção colectiva e o nosso projecto político.

Retenhamos as palavras de Álvaro Cunhal: «O individualista tem por vezes a ilusão de que o individualismo é uma manifestação de liberdade individual.(…) a opção pela formação de uma opinião colectiva e de uma actuação colectiva constitui uma afirmação de que o individuo se libertou das próprias limitações individuais. Constitui assim uma expressão de liberdade individual».

 



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