Lucros e impostos no preço dos combustíveis

Vasco Cardoso (Membro da Comissão Política)

Quando se ob­serva a evo­lução dos preços dos com­bus­tí­veis em Por­tugal há quem pro­cure cen­trar a dis­cussão apenas na sua ver­tente fiscal.

Entre 2006 e 2017 a Galp dis­tri­buiu três mil mi­lhões em di­vi­dendos

É um facto que uma parte não pouco re­le­vante da­quilo que se paga de­corre, à se­me­lhança de ou­tros países, dos im­postos que lhe são apli­cados com re­le­vância para o cha­mado ISP e o IVA. Mas a fo­cagem ex­clu­siva nos im­postos apenas con­tribui para apagar as con­sequên­cias da pri­va­ti­zação da Galp ini­ciada em 1999 e da li­be­ra­li­zação dos preços dos com­bus­tí­veis, bem como bran­quear os res­pon­sá­veis po­lí­ticos por esse per­curso: PSD, PS e CDS.

Quando em 2004 os preços foram li­be­ra­li­zados, a di­fe­rença entre um litro de pe­tróleo e um litro de ga­sóleo era de 0,55 euros; no caso da ga­so­lina a di­fe­rença si­tuava-se em 0,79 euros. 14 anos vol­vidos, essa di­fe­rença, no caso do ga­sóleo atingia os 94 cên­timos e no da ga­so­lina 1,15 euros. Neste tra­jecto não só se alar­garam sig­ni­fi­ca­ti­va­mente as mar­gens das em­presas pe­tro­lí­feras na co­mer­ci­a­li­zação dos com­bus­tí­veis como se au­men­taram os seus lu­cros. Só no caso da GALP, entre 2006 e 2017, foram dis­tri­buídos em di­vi­dendos quase 3 mil mi­lhões de euros aos ac­ci­o­nistas.

Na ver­dade, é que aqui que re­side a questão cen­tral não apenas dos preços, mas também da pró­pria po­lí­tica ener­gé­tica, num país que ficou pri­vado dos seus prin­ci­pais ins­tru­mentos de in­ter­venção. Sem uma em­presa pú­blica em con­di­ções de as­se­gurar o abas­te­ci­mento do País numa ma­téria-prima es­tra­té­gica como esta, a su­jeição em pri­meira linha a prá­ticas de car­te­li­zação dos preços (com a co­ni­vência da AdC), como aquelas que se ve­ri­ficam ac­tu­al­mente pelos grupos mo­no­po­listas, ou de uma forma mais vasta a com­pleta de­pen­dência que o País tem dos grupos mo­no­po­listas, co­loca em causa as­pectos cen­trais da so­be­rania e do de­sen­vol­vi­mento na­ci­onal.

Rever o «adi­ci­onal»

Mas o PCP não ig­nora também a di­mensão fiscal desta re­a­li­dade. A cha­mada dupla tri­bu­tação do IVA (que in­cide também sobre o ISP) tem sido ques­ti­o­nada pelo Par­tido. No caso do ISP, em 2016, face a um pe­ríodo em que o preço do pe­tróleo es­tava ex­cep­ci­o­nal­mente baixo (30,7 dó­lares/​barril), o Go­verno mi­no­ri­tário do PS avançou com um adi­ci­onal sobre o ISP de modo a com­pensar a quebra de re­ceita pro­ve­ni­ente do IVA. Fê-lo na base de um com­pro­misso pú­blico de que esse «adi­ci­onal» seria mo­de­lado de modo a obter uma dita neu­tra­li­dade fiscal face à re­ceita es­ti­mada. Mas o Go­verno não cum­priu, ou me­lhor, deixou de cum­prir esse com­pro­misso.

Para o OE de 2018 o preço es­ti­mado do barril de pe­tróleo foi de 54,8 dó­lares. Ora, esse preço está ac­tu­al­mente na casa dos 77 dó­lares (mais 40% do que o pre­visto). Razão mais do que su­fi­ci­ente para que o tal «adi­ci­onal» sobre o ISP fosse re­visto, como propôs re­cen­te­mente o PCP na AR, num pro­jecto de re­so­lução que aca­baria por ser apro­vado.

Não es­pe­raria o PS que face a esta re­a­li­dade o PCP as­so­bi­asse para o ar, com re­ceio do opor­tu­nismo po­lí­tico que o CDS tem re­ve­lado nesta ma­téria. Aliás, esta si­tu­ação só se ve­ri­ficou porque o Go­verno não cum­priu o que pro­meteu.

En­frentar os grandes in­te­resses

Uma úl­tima pa­lavra para aqueles que, vi­sando o Par­tido, se apres­saram a acusá-lo de ir­res­pon­sa­bi­li­dade pela perda de re­ceita fiscal. Se­jamos claros, não nos tem fal­tado ini­ci­a­tiva para alargar a re­ceita fiscal, não sobre os tra­ba­lha­dores e o con­sumo das fa­mí­lias mas sobre o grande ca­pital.

Al­ter­na­tivas à re­ceita do adi­ci­onal sobre o ISP não faltam por aí. Pense-se no en­glo­ba­mento obri­ga­tório dos ren­di­mentos (IRS e IRC), na ta­xação das tran­sa­ções fi­nan­ceiras, na tri­bu­tação do pa­tri­mónio mo­bi­liário, só para citar al­guns exem­plos, e fa­cil­mente se en­con­trarão os re­cursos ne­ces­sá­rios para res­ponder a muitas das ne­ces­si­dades do País. É só pre­ciso en­frentar os grandes in­te­resses, aqueles com que PSD, CDS e também o PS, mantém o seu vín­culo.

 



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