A tragédia dos incêndios persiste na ausência de soluções

FLO­RESTA No do­mingo, 15, Je­ró­nimo de Sousa vi­sitou áreas dos dis­tritos de Viseu e Coimbra atin­gidas pelos ca­tas­tró­ficos in­cên­dios de 15 e 16 de Ou­tubro do ano pas­sado e ve­ri­ficou o muito que há ainda a fazer.

 

Em muitas ma­té­rias está-se ainda na «es­taca zero»

Para além do Se­cre­tário-geral, a de­le­gação do PCP era com­posta por João Frazão e Oc­távio Au­gusto, da Co­missão Po­lí­tica do Co­mité Cen­tral, João Abreu, membro da Co­mité Cen­tral, e Ana Mes­quita, de­pu­tada na As­sem­bleia da Re­pú­blica. Os co­mu­nistas ru­maram ao Centro do País, pas­sando pelos dis­tritos de Viseu e Coimbra, onde en­traram em con­tacto com a po­pu­lação afec­tada pelos fogos: na parte da manhã, no con­celho de Santa Comba Dão, e du­rante a tarde, nos con­ce­lhos de Tábua e Oli­veira do Hos­pital. Para além deste con­tacto, vi­si­taram ainda casas e em­presas que es­peram, pas­sados nove meses, a sua re­a­bi­li­tação e ainda or­ga­ni­za­ções de­di­cadas ao au­xílio dos le­sados pelos in­cên­dios.

O dia co­meçou cedo com um en­contro entre o Se­cre­tário-geral do Par­tido e a po­pu­lação da União das Fre­gue­sias de Trei­xedo e Na­go­zela, no con­celho de Santa Comba Dão. A ca­minho da pe­quena lo­ca­li­dade, pelo IP3, eram ainda vi­sí­veis os efeitos dos in­cên­dios que as­so­laram aquela mesma re­gião no final do Verão pas­sado. Nove meses de­pois, al­gumas ár­vores so­bre­vi­ventes es­tavam ainda pretas, como se co­bertas por fu­ligem, pouca lenha cor­tada ainda se amon­toava perto da berma da es­trada e de vez em quando sur­giam ruínas de al­guns pe­quenos edi­fí­cios.

A cinza e o carvão que co­briam o chão no ano pas­sado davam agora lugar à ve­ge­tação ras­teira ver­de­jante. Apesar da flo­resta mos­trar claros si­nais de re­cu­pe­ração, o mesmo não se aplica às ví­timas das lo­ca­li­dades cir­cun­dantes, como vi­ríamos a ve­ri­ficar, pos­te­ri­or­mente, ao longo do dia.

O drama de Trei­xedo
Já na vila de Trei­xedo, a vi­sita ini­ciou-se com o en­contro entre Je­ró­nimo de Sousa, ha­bi­tantes da­quela lo­ca­li­dade e di­ri­gentes da As­so­ci­ação «Unidos de Trei­xedo e Nar­go­sela».

Vá­rios foram os pro­blemas ex­postos pelos ha­bi­tantes que acom­pa­nharam a de­le­gação. Pas­sados nove meses, a mai­oria do en­tulho das ha­bi­ta­ções e de ou­tros edi­fí­cios que ruíram não foi ainda re­mo­vido. Já o que foi apar­tado da zona ha­bi­ta­ci­onal en­con­trou local de de­pó­sito pro­vi­sório no campo de fu­tebol de Trei­xedo, à falta de al­ter­na­tiva per­ma­nente por parte Câ­mara Mu­ni­cipal e das ins­ti­tui­ções res­pon­sá­veis.

A isto acres­centa-se os pe­rigos para a saúde e se­gu­rança pú­blicas que as ruínas, na­quele es­tado, com­portam, o risco de sur­gi­mento de pragas, além de ser ma­te­rial com­bus­tível sus­cep­tível de ali­mentar um pos­sível novo fogo pró­ximo das ha­bi­ta­ções no Verão deste ano.

A vi­sita pros­se­guiu pelo clube de ca­ça­dores – uma an­tiga es­cola –, cuja co­ber­tura tinha de­sa­bado com­ple­ta­mente, o que im­pedia a sua ac­ti­vi­dade normal. An­tónio Ri­cardo, pre­si­dente do clube, quando ques­ti­o­nado por um dos di­ri­gentes co­mu­nistas acerca do re­curso ao Pro­grama de De­sen­vol­vi­mento Rural 2014-2020 (PDR2020), res­pondeu que ti­nham sido in­ca­pazes de con­correr a qual­quer tipo de apoio ou fi­nan­ci­a­mento.

Ao su­birmos pelo in­te­rior da vila, ve­ri­fi­cámos que o nú­mero de casas de­sa­bi­tadas foi au­men­tando, o que fez surgir in­ter­ro­ga­ções na­tu­rais acerca do porquê de ne­nhuma ha­bi­tação estar ainda re­a­bi­li­tada e da lo­ca­li­zação das de­zenas de fa­mí­lias vi­ti­madas. A res­posta de­se­nhou-se com os re­latos dos pró­prios ha­bi­tantes e com as in­for­ma­ções adi­ci­o­nais que foram acres­cen­tadas pelo pre­si­dente da Junta de Fre­guesia, que também acom­pa­nhava a vi­sita: das 77 casas de pri­meira e se­gunda ha­bi­tação atin­gidas no con­celho de Santa Comba Dão ne­nhuma tinha sido ainda re­a­bi­li­tada. Além disso, apenas al­gumas delas es­tavam as­si­na­ladas pela en­ti­dade res­pon­sável e pelos em­prei­teiros con­tra­tados.

Quanto às pes­soas de­sa­lo­jadas em Trei­xedo, todas ti­veram de re­correr à so­li­da­ri­e­dade de amigos e vi­zi­nhos, que os aco­lheram nas suas pró­prias casas.

O final da manhã e a par­tida da vila de Trei­xedo fi­caram mar­cados por al­gumas pa­la­vras de so­li­da­ri­e­dade por parte do PCP, pres­tadas por Je­ró­nimo de Sousa à im­prensa e aos trei­xe­denses ali pre­sentes. «Aqui, pas­sados nove meses, po­demos dizer que es­tamos na es­taca zero», afirmou o di­ri­gente co­mu­nista, que acres­centou: «Ouve-se o Go­verno falar acerca das me­didas e dos mi­lhões, dando uma ideia de an­da­mento, e de­pois che­gamos aqui e esta re­a­li­dade con­fronta essas afir­ma­ções». As op­ções do Go­verno, afirmou ainda, «de­ve­riam ser de res­posta ao an­seios do povo e não o con­trário».

Des­con­ten­ta­mento e de­si­lusão
O resto do dia foi de­di­cado aos dois con­ce­lhos do dis­trito de Coimbra, Tábua e Oli­veira do Hos­pital, onde o ce­nário se re­velou muito se­me­lhante ao ve­ri­fi­cado du­rante a manhã. O ponto de en­contro foi nas ins­ta­la­ções do Mo­vi­mento As­so­ci­a­tivo de Apoio às Ví­timas dos In­cên­dios de Mi­dões (MA­AVIM), onde a de­le­gação co­mu­nista foi re­ce­bida pelos ha­bi­tantes, que es­pe­ravam fazer ouvir as suas re­cla­ma­ções. Nestas lo­ca­li­dades os fogos do ano pas­sado de­sa­lo­jaram, de igual forma, um nú­mero sig­ni­fi­ca­tivo de pes­soas, que es­peram ainda por res­postas da Co­missão de Co­or­de­nação e De­sen­vol­vi­mento Re­gi­onal (CCDR).

A tarde pros­se­guiu com con­tactos com co­mu­ni­dades imi­grantes, que de­sem­pe­nham um papel ful­cral no com­bate ao pro­blema cró­nico da de­ser­ti­fi­cação do in­te­rior do País. Muitos destes per­deram também os seus ne­gó­cios e in­ves­ti­mentos, si­tu­ação agra­vada por es­tarem, em parte, im­pe­didos de re­correr a apoios fi­nan­ceiros pela sua con­dição de imi­grantes. É o caso de Pa­namá, imi­grante bri­tâ­nica que se ocu­pava da plan­tação bi­o­ló­gica de auto-sus­tento, re­si­dente em Por­tugal com a mãe e o irmão: «Perdi tudo no fogo, é muito di­fícil tentar re­cons­truir al­guma coisa porque não tenho di­nheiro nem vou re­ceber ne­nhum apoio. A minha vida nestes úl­timos meses tem sido uma cons­tante ten­ta­tiva de me re­cu­perar dos in­cên­dios, apenas com a ajuda da minha mãe e de ou­tros apoios so­li­dá­rios.»

A de­le­gação do PCP vi­sitou ainda uma uni­dade in­dus­trial e uma outra agrí­cola, igual­mente des­truídas. Em Mi­dões e nas fre­gue­sias cir­cun­dantes, o sector agrí­cola, par­ti­cu­lar­mente, so­freu muito. Não só os agri­cul­tores per­deram a maior parte das suas plan­ta­ções e ani­mais como se de­param também com uma ta­bela de re­tri­buição de va­lores per­didos – por parte da ope­ração 6.2.2. do Res­ta­be­le­ci­mento do Po­ten­cial Pro­du­tivo do PDR2020 – que não de­volve a to­ta­li­dade dos in­ves­ti­mentos.

O des­con­ten­ta­mento e a de­si­lusão com os anún­cios de mi­lhões por parte Go­verno marca for­te­mente os agri­cul­tores da zona: «Os agri­cul­tores desta re­gião estão a ser des­pre­zados», afirmou Paulo, um pastor do con­celho de Oli­veira do Hos­pital, um dos mais le­sados pelo in­cêndio.

 

PCP na de­fesa da flo­resta

O PCP foi o pri­meiro par­tido a apre­sentar um pro­jecto de lei vi­sando o apoio às ví­timas dos in­cên­dios flo­res­tais de Pe­drogão Grande e dos con­ce­lhos li­mí­trofes, que, de­pois, se alargou ao con­junto dos con­ce­lhos atin­gidos em Ou­tubro de 2017. A sua pro­posta de cri­ação de um Pro­grama In­te­grado de Apoio ás Ví­timas e Áreas Atin­gidas pelos In­cên­dios Flo­res­tais de 2017, de De­fesa da Flo­resta contra In­cên­dios, de Va­lo­ri­zação da Agri­cul­tura Fa­mi­liar e do Mundo Rural e de Pro­moção do De­sen­vol­vi­mento Re­gi­onal teve um im­por­tante papel na cons­trução do Or­ça­mento de Es­tado para 2018.

Mas a atenção aos pro­blemas da flo­resta e dos fogos não é de hoje. Já em 1980 o PCP propôs a lei de De­fesa da Flo­resta Contra In­cên­dios e a cri­ação de Zonas de In­ter­venção Flo­restal (ZIF) sub­me­tidas a um plano de gestão flo­restal. Estas ZIF se­riam so­mente cri­adas 25 anos mais tarde… Em 1990 foi a vez de propor a cri­ação de planos in­te­grados de de­fesa e de­sen­vol­vi­mento flo­restal e, em 1994, a Lei de Bases do De­sen­vol­vi­mento Flo­restal, pri­meiro passo para a Lei de Bases da Po­lí­tica Flo­restal.

A ac­tu­ação e o con­tri­buto do Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês ao longo da his­tória e as con­sequên­cias re­centes da au­sência de rumo para o in­te­rior do ter­ri­tório têm vindo a de­mons­trar a ne­ces­si­dade de uma po­lí­tica que vi­a­bi­lize o com­bate aos in­cên­dios e ao rasto de des­truição por eles dei­xado, que actue na pre­venção e com­bate aos mesmos, em po­lí­ticas de or­de­na­mento flo­restal e a ne­ces­si­dade de apoio às ví­timas.

Re­a­li­dade e pro­posta
Nove meses vol­vidos sobre os in­cên­dios de Ou­tubro, de­pois de anún­cios de mi­lhões de euros em apoios por parte do Go­verno e do en­gano a que certas afir­ma­ções con­du­ziram, as se­quelas dos in­cên­dios do Verão pas­sado são ainda vi­sí­veis nas zonas afec­tadas no In­te­rior do País. As pri­meiras e se­gundas ha­bi­ta­ções con­ti­nuam, em grande parte, sem avanços sig­ni­fi­ca­tivos na sua re­a­bi­li­tação, em­pur­rando assim parte da po­pu­lação para o de­sa­lo­ja­mento e para a de­pen­dência da so­li­da­ri­e­dade de amigos e vi­zi­nhos.

Os agri­cul­tores e as pe­quenas e mé­dias em­presas con­ti­nuam a sentir grandes di­fi­cul­dades no acesso aos planos de apoio, pondo em causa o po­ten­cial eco­nó­mico local per­dido. A de­ser­ti­fi­cação, o es­va­zi­a­mento dos ser­viços do Ins­ti­tuto de Con­ser­vação da Na­tu­reza e Flo­restas (ICNF) e dos ser­viços do Es­tado nas áreas in­te­ri­ores do ter­ri­tório na­ci­onal con­ti­nuam a ser uma re­a­li­dade in­con­tor­nável, per­mi­tindo o avanço dos in­cên­dios e falta de res­posta aos mesmos. O apoio e o acom­pa­nha­mento à saúde mental das ví­timas como parte ful­cral da sua re­cu­pe­ração não são efec­tu­ados em muitas lo­ca­li­dades.

A po­lí­tica de or­de­na­mento flo­restal con­tinua a co­locar-se como uma di­fi­cul­dade maior, sendo que o Re­gime Ju­rí­dico da Ar­bo­ri­zação e Re­ar­bo­ri­zação ainda não foi apli­cado, o que por sua vez per­mite a mo­no­cul­tura de eu­ca­lipto, ali­mento da in­dús­tria de ce­lu­lose.