Julius Fucik, cantor e construtor da liberdade e da paz

Gustavo Carneiro

Re­por­tagem sob a Forca é um hino à vida e à Hu­ma­ni­dade

A longa luta dos ex­plo­rados pela sua eman­ci­pação e li­ber­tação gerou muitos már­tires e he­róis. Com ori­gens, per­cursos e la­ti­tudes di­fe­ren­ci­adas, in­se­ridos sempre num com­bate mais geral, une-os uma mesma de­di­cação sem li­mites à causa da abo­lição da ex­plo­ração e da opressão e um pro­fundo amor aos povos.

Um desses he­róis é Ju­lius Fucik, en­for­cado com apenas 40 anos na prisão da Ges­tapo em Praga. Pagou com a vida a dig­ni­dade de se opor co­ra­josa e or­ga­ni­za­da­mente, nas fi­leiras do Par­tido Co­mu­nista, à ocu­pação nazi-fas­cista da sua pá­tria. Em tempo de traição ge­ne­ra­li­zada – quando os go­vernos bri­tâ­nico e francês, che­fi­ados res­pec­ti­va­mente por Cham­ber­lain e Da­la­dier, acei­taram des­mem­brar a Che­cos­lo­vá­quia e en­tregá-la a Hi­tler, no tris­te­mente cé­lebre Pacto de Mu­nique –, Fucik e os seus ca­ma­radas op­taram pela via mais dura, a da re­sis­tência clan­des­tina. Muitos, como ele, caíram nas garras da Ges­tapo, que como o pró­prio Fucik es­creveu em Re­por­tagem sob a Forca, sig­ni­fi­cava «o fim».

O go­ver­nador do então cha­mado Pro­tec­to­rado da Boémia e Mo­rávia, Rei­nhard Hey­drich, per­tencia ao nú­cleo duro do nazi-fas­cismo alemão e foi um dos teó­ricos da So­lução Final para o Pro­blema Ju­daico, de­sig­nação bu­ro­crá­tica do Ho­lo­causto. Na Che­cos­lo­vá­quia, entre muitos ou­tros crimes, or­denou o mas­sacre na al­deia de Lí­dice, em Junho de 1942: os ho­mens com mais de 15 anos foram fu­zi­lados, as mu­lheres e cri­anças en­vi­adas para campos de con­cen­tração e todos os edi­fí­cios ar­ra­sados com ex­plo­sivos.

A re­sis­tência, essa, nunca cessou. E o Par­tido Co­mu­nista, a cujo Co­mité Cen­tral Ju­lius Fucik per­tencia quando foi preso, foi sempre o seu mais des­ta­cado motor.

Amar a vida

Re­por­tagem sob a Forca é a mais fa­mosa obra de Ju­lius Fucik. Es­crita na prisão em fo­lhas soltas, foi mais tarde com­pi­lada e edi­tada pela sua com­pa­nheira, Gusta Fu­ci­kova, que no pre­fácio à edição por­tu­guesa, de 1975 (pu­bli­cada pelas Edi­ções Avante!), re­alçou que a obra «re­con­for­tava tanto os com­ba­tentes do Vi­et­name como os de Cuba e da Amé­rica La­tina».

A obra é, de facto, no­tável. De­nuncia o terror e a opressão nazi-fas­cistas e o quo­ti­diano de vi­o­lência pri­si­onal que, como muitos ou­tros, o pró­prio autor co­nheceu. Re­corda ca­ma­radas co­ra­josos e de­di­cados e «fi­gu­ri­nhas» que servil e co­bar­de­mente ser­viram os novos se­nhores. Des­creve uma e outra vez o con­fronto com a morte e o so­fri­mento de não saber o des­tino da mu­lher amada. Porém, es­creve, «podem tirar-nos a vida, não é ver­dade, Gus­tina? Mas nunca a nossa honra e o nosso amor».

O que mais im­pres­siona em Re­por­tagem sob a Forca é pre­ci­sa­mente os va­lores e sen­ti­mentos que dela so­bres­saem. Es­crito em con­di­ções ini­ma­gi­ná­veis, é um hino de con­fi­ança na Hu­ma­ni­dade e uma ode à vida – que Ju­lius Fucik amava e de­se­java «livre e bela». Con­tudo, «mesmo mortos, vi­ve­remos num can­tinho da vossa fe­li­ci­dade, porque por essa fe­li­ci­dade demos a nossa vida».

He­roísmo sim­ples

A vida e as cir­cuns­tân­cias da sua morte, a co­ragem e sen­si­bi­li­dade que de­mons­trou até nos mo­mentos mais di­fí­ceis e os no­tá­veis textos que deixou fi­zeram jus­ta­mente de Ju­lius Fucik um herói da luta an­ti­fas­cista e pela paz e um exemplo de mi­li­tante co­mu­nista.

Pablo Ne­ruda de­dicou-lhe um poema e, da tri­buna do Se­gundo Con­gresso Mun­dial da Paz, re­a­li­zado em Var­sóvia no final de 1950, afirmou: «vi­vemos na época que amanhã se cha­mará a época de Fucik, época do he­roísmo sim­ples… Em Fucik há o sen­tido não só de um cantor da li­ber­dade mas de um cons­trutor da li­ber­dade e da paz».

O Con­selho Mun­dial da Paz ho­me­na­geou-o a tí­tulo pós­tumo nesse mesmo con­gresso com o Prémio In­ter­na­ci­onal da Paz e a Or­ga­ni­zação In­ter­na­ci­onal de Jor­na­listas teve como má­xima dis­tinção a Me­dalha de Honra Ju­lius Fucik. As Na­ções Unidas ins­ti­tuíram o 8 de Se­tembro, data do seu as­sas­si­nato, como Dia In­ter­na­ci­onal do Jor­na­lista.




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