Futebol?

Correia da Fonseca

Inunda-nos a te­le­visão, e deve ser ver­dade, com a mul­ti­pli­ci­dade de no­tí­cias, mais ver­da­deiras ou es­pe­cu­la­tivas, sobre o «mundo do fu­tebol», mais pro­pri­a­mente sobre as es­tru­turas que su­portam os clubes, no­me­a­da­mente as SAD, que a te­le­visão não é se­nhora para nos mentir so­bre­tudo em temas im­por­tantes.

As SAD são, como bem se sabe, a sigla de «so­ci­e­dade anó­nima des­por­tiva», e a exis­tência das SAD cor­res­ponde afinal à pas­sagem da ini­cial per­tença do fu­tebol ao in­génuo mundo do des­porto para o mundo sa­bidão do co­mércio, onde aliás todos os dias ou quase acon­tecem ne­gó­cios de mi­lhões com lu­cros cho­ru­dís­simos para in­ter­me­diá­rios, os cha­mados agentes, que não dão um pon­tapé na bola mas chegam a con­di­ci­onar de modo in­di­recto e le­ga­lís­simo os re­sul­tados ainda qua­li­fi­cados de des­por­tivos. Como bem se sabe, o fu­tebol não nasceu sendo coisa de co­mércio, de com­pras e vendas, do ac­tual trá­fico efec­tivo de seres hu­manos mo­bi­li­zados para a con­dição de gla­di­a­dores: chegou ao que é hoje com o tempo, aliás re­la­ti­va­mente breve, e so­bre­tudo por efeito de con­ta­mi­nação pelo mo­delo de so­ci­e­dade em que flo­resceu.

O pés­simo ser­viço

A ver­dade em geral co­nhe­cida e em es­pe­cial sa­bida pelos te­les­pec­ta­dores por­tu­gueses é que, mais do que des­porto, o que faz trans­bordar do ecrã dos te­le­vi­sores e a der­ramar-se no do­mi­cílio de cada qual é, em larga me­dida muito pouco deste, e, muito, se­gu­ra­mente de­mais, exa­cer­ba­mento clu­bís­tico mais ou menos acom­pa­nhado por fe­nó­menos de po­pu­lismo.

É assim que ao li­garmos o nosso apa­relho e tendo quase ine­vi­ta­vel­mente de­sem­bo­cado num pro­grama dito des­por­tivo por abuso de lin­guagem e da nossa pa­ci­ência, ou­vimos falar de golos e de foras-de-jogo, de vi­de­oár­britos e de grandes pe­na­li­dades, mas tornou-se cada vez mais fre­quente que de ques­tões mais ou menos téc­nicas as con­versas des­lizem para temas onde não será di­fícil sur­pre­ender con­textos quase po­li­ciais. De um modo su­mário, bem se pode dizer que dos tais pro­gramas des­por­tivos em que o fu­tebol é a ve­deta ex­clu­siva se des­prende um odor ten­den­ci­al­mente re­pug­nante: visto e ou­vido nesses pro­gramas, o fu­tebol por­tu­guês cheira mal, bem pior que abor­dado ao na­tural.

Ainda há quem se lembre do fu­tebol com uma di­fe­rente imagem pú­blica, em­bora na ver­dade já con­ta­mi­nado pelos vírus que ha­ve­riam de pro­vocar a ac­tual in­fecção. Esse facto re­vela o pés­simo ser­viço que a te­le­visão está a prestar ao fu­tebol. E a cada te­les­pec­tador que sin­to­niza um dos tais pro­gramas. E ao país.




Mais artigos de: Argumentos

Manuais escolares, gratuitidade e qualidade

A gratuitidade da escolaridade obrigatória significa que manuais e outro material didáctico devem ser gratuitos para todos. Mas até ao ano lectivo 2017/2018 tudo era pago pelas famílias portuguesas, que no espaço da UE são das que mais custos directos têm com a educação. Segundo o último...

Frágeis argumentos

Em artigo publicado no Avante! de 30/8/2018, procurou-se aclarar as razões do PCP para a defesa do Serviço Militar Obrigatório (SMO). Como nele é referido, o tema ganhou relevo a partir da hipotética afirmação do ministro da Defesa Nacional (MDN) de que não podia, em absoluto, descartar a...