«Tempo de alerta, esclarecimento e mobilização» para derrotar as normas gravosas da legislação laboral

Hugo Janeiro

AUDIÇÃO As es­tru­turas re­pre­sen­ta­tivas dos tra­ba­lha­dores con­testam a pro­posta de al­te­ração à le­gis­lação la­boral apre­sen­tada pelo Go­verno e apro­vada no par­la­mento pelas ban­cadas do PS, PSD e CDS. Isso mesmo rei­te­raram em au­dição pro­mo­vida se­gunda-feira, 24, pelo PCP, na As­sem­bleia da Re­pú­blica, sob o lema «Al­te­ra­ções à Le­gis­lação La­boral. Di­reitos dos Tra­ba­lha­dores».

«O que é pre­ciso é avançar e não andar para trás»

Se bem que as al­te­ra­ções, para pior, ao Có­digo do Tra­balho, te­nham sido já vo­tadas na ge­ne­ra­li­dade na As­sem­bleia da Re­pú­blica [em Julho deste ano] pelos mesmos par­tidos da po­lí­tica de di­reita cujos go­vernos o im­pu­seram (PSD/​CDS, em 2003) e agra­varam (PS, em 2009 e PSD/​CDS em 2012), a luta dos tra­ba­lha­dores tem ainda uma pa­lavra a dizer e pode der­rotar as normas gra­vosas da le­gis­lação la­boral, que o Go­verno mi­no­ri­tário do PS apre­sentou ver­tendo em pro­posta de lei o acordo al­can­çado entre as con­fe­de­ra­ções pa­tro­nais e a UGT.

E a luta pode não apenas travar o agra­va­mento da ex­plo­ração plas­mado no pro­jecto que o exe­cu­tivo li­de­rado por An­tónio Costa pre­tender en­xertar no Có­digo do Tra­balho, como se impõe, ainda, que se con­siga re­verter muitas das normas que nos úl­timos 15 anos têm de­se­qui­li­brado so­bre­ma­neira as re­la­ções la­bo­rais, na sequência, aliás, de um longo pro­cesso de ofen­siva aos di­reitos do Tra­balho a favor do Ca­pital, do qual deu conta na au­dição Jo­a­quim Di­o­nísio, an­tigo membro dos or­ga­nismos exe­cu­tivos da CGTP-IN.

Em sín­tese, estas foram as ideias-chave que saíram do de­bate que o PCP pro­moveu, no qual par­ti­ci­param de­zenas de or­ga­ni­za­ções re­pre­sen­ta­tivas dos tra­ba­lha­dores de di­versos sec­tores, do pú­blico e do pri­vado, e na qual o Se­cre­tário-geral do PCP in­ter­veio a abrir os tra­ba­lhos, mo­de­rados pela vice-pre­si­dente do grupo par­la­mentar, Paula Santos.

Sig­ni­fi­ca­tivo foi o facto de Je­ró­nimo de Sousa ini­ciar e en­cerrar o seu dis­curso co­lo­cando o acento tó­nico na ver­dade in­so­fis­mável de que «os di­reitos con­quistam-se e de­fendem-se com a luta».

Com­bate sem tré­guas

Este é por isso um «tempo de alerta, es­cla­re­ci­mento e mo­bi­li­zação». Porquê? Porque «o Go­verno in­siste em manter a ca­du­ci­dade da con­tra­tação co­lec­tiva e re­cusa a rein­tro­dução do prin­cipio do tra­ta­mento mais fa­vo­rável ao tra­ba­lhador»; porque «em vez de as­se­gurar uma po­lí­tica de Es­tado de com­bate à pre­ca­ri­e­dade de modo a que a um posto de tra­balho per­ma­nente cor­res­ponda um con­trato de tra­balho efec­tivo, pondo fim à praga do tra­balho tem­po­rário, das falsas pres­ta­ções de ser­viços, do abuso dos con­tratos a prazo, vem adi­antar ideias que in­cidem sobre as­pectos li­mi­tados que não re­solvem o pro­blema e acres­centa me­didas ne­ga­tivas»; porque «em vez de dar o exemplo na Ad­mi­nis­tração Pú­blica quanto ao com­bate à pre­ca­ri­e­dade, vai adi­ando e blo­que­ando so­lu­ções»; porque ao «in­tro­duzir um nível de ro­ta­ti­vi­dade de tra­ba­lha­dores, de pre­ca­ri­e­dade “acei­tável”», to­lera e le­gi­tima-a.

Porque, re­alçou ainda, «in­siste em pro­mover a des­re­gu­lação dos ho­rá­rios man­tendo as cha­madas adap­ta­bi­li­dades e o banco de horas grupal, cri­ando cres­centes di­fi­cul­dades à com­pa­ti­bi­li­zação da vida pro­fis­si­onal com a vida pes­soal e fa­mi­liar, à saúde e à vida dos tra­ba­lha­dores».

Ora, na ini­ci­a­tiva, Je­ró­nimo de Sousa en­fa­tizou que «a luta contra as normas gra­vosas da le­gis­lação la­boral é in­dis­so­ciável da luta quo­ti­diana pelos di­reitos e a me­lhoria das con­di­ções de vida dos tra­ba­lha­dores». Vincou, assim, a ne­ces­si­dade de va­lo­rizar os sa­lá­rios, «in­cluindo dos tra­ba­lha­dores da Ad­mi­nis­tração Pú­blica», e do Sa­lário Mí­nimo Na­ci­onal em 650 euros já em Ja­neiro de 2019, pro­posta que o PCP apre­sentou re­cen­te­mente na As­sem­bleia da Re­pú­blica e aguarda dis­cussão e vo­tação.

PS des­per­diça opor­tu­ni­dades

Este ca­minho de ele­vação dos ren­di­mentos já re­gis­tado, pos­sível na ac­tual cor­re­lação de forças no par­la­mento e, so­bre­tudo, em re­sul­tado da acção per­sis­tente do PCP, provou ser be­né­fico ao nível eco­nó­mico e do em­prego, su­bli­nhou ainda o Se­cre­tário-geral do PCP. Mas é tanto mais evi­dente a ne­ces­si­dade da sua ma­te­ri­a­li­zação apro­fun­dada, quanto se cons­tata que a vida da mai­oria dos tra­ba­lha­dores por­tu­gueses re­clama mais avanços em ma­téria de dis­tri­buição da ri­queza. Os nú­meros con­firmam-no e al­guns foram mesmo ci­tados por Je­ró­nimo de Sousa: 1 por cento da po­pu­lação detém cerca de 25 por cento da ri­queza na­ci­onal e 5 por cento da po­pu­lação acu­mula quase 50 por cento da­quela; em 2017, os ren­di­mentos do Tra­balho re­pre­sen­tavam 34,6 por cento da ri­queza na­ci­onal contra os 41,6 por cento acu­mu­lados pelo Ca­pital; dados do INE in­dicam que, em 2016, cerca de 10,8 por cento da po­pu­lação em­pre­gada se en­con­trava em risco po­breza, ou seja, sem ren­di­mento mensal su­fi­ci­ente para as des­pesas bá­sicas fa­mi­li­ares.

«O que é pre­ciso é avançar e não andar para trás», in­sistiu o Se­cre­tário-geral do Par­tido, dei­xando claro que se o PCP já provou que não des­per­diça ne­nhuma opor­tu­ni­dade para con­quistar ga­nhos para os tra­ba­lha­dores, «nesta nova fase da vida po­lí­tica na­ci­onal só não se foi mais longe porque o Go­verno mi­no­ri­tário do PS, em con­ver­gência com o PSD e o CDS, con­tinua amar­rado às ori­en­ta­ções e di­tames do Euro e da UE e aos in­te­resses do grande ca­pital».

As al­te­ra­ções à le­gis­lação la­boral são disto um exemplo gri­tante, na linha aliás, de ini­ci­a­tivas le­gis­la­tivas «cen­trais para a vida dos tra­ba­lha­dores e do País», em ma­téria de di­reitos la­bo­rais e so­ciais, que o PCP tem apre­sen­tado ao longo da le­gis­la­tura, lem­brou no en­cer­ra­mento da au­dição Rita Rato, para quem «não foi o PCP que perdeu por ter visto as suas pro­postas re­jei­tadas [por PS, PSD e CDS]: foram os tra­ba­lha­dores e o País» quem perdeu com as «su­ces­sivas opor­tu­ni­dades des­per­di­çadas pelo PS para repor e con­quistar di­reitos», con­cluiu.



Ex­plo­ração e mais ex­plo­ração


Ates­tando o que foi sa­li­en­tado por Je­ró­nimo de Sousa, muitos dos par­ti­ci­pantes na ini­ci­a­tiva, na sua mai­oria mem­bros do mo­vi­mento sin­dical uni­tário, fri­saram que a pro­posta do Go­verno mi­no­ri­tário do PS «é má pelo que lá está, mas do mesmo modo pelo que lá não está e de­veria de estar».

O exe­cu­tivo li­de­rado por An­tónio Costa tem a opor­tu­ni­dade de, por via le­gis­la­tiva, va­lo­rizar o papel das co­mis­sões de tra­ba­lha­dores, mas pre­fere mantê-las num «papel de­co­ra­tivo», afirmou o re­pre­sen­tante da Co­or­de­na­dora das CT da Re­gião de Lisboa, sem pos­si­bi­li­dade de in­ter­virem con­ve­ni­en­te­mente na vida das em­presas, de que serve de exemplo o facto de «nos úl­timos oito meses a ad­mi­nis­tração nos ter so­li­ci­tado 2600 pa­re­ceres, ao que é im­pos­sível res­ponder com as horas dis­po­ní­veis», tes­te­mu­nhou, em se­guida, um membro da CT dos CTT.

Quanto ao pro­pa­gan­deado com­bate à pre­ca­ri­e­dade dos vín­culos la­bo­rais, im­punha-se que o prin­cípio de que a um posto de tra­balho per­ma­nente cor­res­ponda um vín­culo efec­tivo, fosse o de­si­de­rato a al­cançar. To­davia, os laços do Go­verno PS ao grande pa­tro­nato de­ter­mi­naram que na sua pro­posta fosse con­tem­plado, além de uma taxa que «chan­cela» a pre­ca­ri­e­dade, o alar­ga­mento do pe­ríodo ex­pe­ri­mental para 180 dias e dos con­tratos de muito curta du­ração, até agora apenas ad­mi­tidos na agri­cul­tura e tu­rismo e por um má­ximo de 15 dias.

Está bom de ver que, ao abrigo das novas dis­po­si­ções, o pa­tro­nato na ho­te­laria, tu­rismo e res­tau­ração, do co­mércio e ser­viços, da quí­mica me­ta­lurgia e me­ta­lo­me­câ­nica – só para citar al­guns dos sec­tores cujos di­ri­gentes sin­di­cais usaram da pa­lavra – fica de mãos li­vres para ad­mitir e dis­pensar tra­ba­lha­dores. A cada seis meses ou a co­berto da sa­zo­na­li­dade, dos picos de pro­dução e das cada vez mais fre­quentes «cam­pa­nhas» sob os mais va­ri­ados pre­textos (Natal, Verão, Páscoa, de adesão a car­tões, de saldos e pro­mo­ções, etc., etc., etc.).

E con­si­de­rando, além do mais, que, por um lado, a ar­qui­tec­tura em­pre­sa­rial é cada vez mais em so­ci­e­dades ges­toras de um grupo, os pa­trões podem eter­nizar «tra­ba­lha­dores à ex­pe­ri­ência» ou com con­tratos de curta du­ração ro­dando-os entre «en­ti­dades em­pre­ga­doras», bem como des­pedir e con­tratar outro logo no dia se­guinte para a mesma em­presa, visto que muitos estão à pro­cura de pri­meiro em­prego, nunca ti­veram um con­trato de tra­balho ou são em­pre­gados de longa du­ração. Neste con­texto, os tra­ba­lha­dores nem se­quer têm di­reito a sub­sídio de de­sem­prego, mas as es­ta­tís­ticas ofi­ciais sobre pre­ca­ri­e­dade ficam «limpas» de tra­ba­lha­dores com vín­culos pre­cá­rios, no­taram al­guns in­ter­ve­ni­entes, no­me­a­da­mente um membro do Con­selho Na­ci­onal da CGTP-IN.

Quanto ao exemplo que devia ser dado pelo Es­tado no seu uni­verso pú­blico e em­pre­sa­rial, um di­ri­gente do STAL e um outro de um sin­di­cato da RTP de­nun­ci­aram que a re­gu­la­ri­zação dos vín­culos pre­cá­rios é um pro­cesso re­plecto de obs­tá­culos e al­ça­pões, te­mendo-se que se chegue ao final não apenas sem o grosso das ques­tões re­sol­vidas, mas com mais tra­ba­lha­dores com vín­culos pre­cá­rios, uma vez que con­tinua, e de forma ace­le­rada, a sua con­tra­tação e a cha­mada ex­ter­na­li­zação de ser­viços, re­latos que con­fir­maram a ad­ver­tência feita por Rita Rato, mais adi­ante no en­cer­ra­mento da au­dição, quando afirmou que a pre­ca­ri­e­dade não se com­bate só com pro­gramas ex­tra­or­di­ná­rios, com­bate-se todos os dias. Ma­ni­fes­ta­mente, não é isso que está a acon­tecer, alertou a de­pu­tada co­mu­nista.

In­ferno geral

A este ciclo in­fernal agra­vado com maior in­ci­dência em sec­tores es­pe­cí­ficos, somam-se ou­tros ma­le­fí­cios que atingem todos. De­sig­na­da­mente porque a pro­posta do Go­verno do PS de al­te­ração à le­gis­lação la­boral, ao invés de cor­rigir os abusos na des­re­gu­lação dos ho­rá­rios (nos es­pec­tá­culos e en­tre­te­ni­mento, no ser­viço postal, na ho­te­laria e res­tau­ração, no co­mércio e ser­viços, entre ou­tros, pro­li­feram ho­rá­rios de mais de oito horas e casos de pe­ríodos de la­bo­ração com muito longas pausas, re­sul­tando em dis­po­ni­bi­li­dade do tra­ba­lhador por 10, 12 e mais horas, de­nun­ci­aram sin­di­ca­listas do CENA-STE, do STT e do SNTCT), e de dotar de meios a Au­to­ri­dade para as Con­di­ções do Tra­balho, au­menta o banco de horas grupal. Per­mite que este seja apli­cado com a anuência de 65 por cento dos tra­ba­lha­dores ou, em caso de ine­xis­tência de es­tru­tura re­pre­sen­ta­tiva, por uma es­tru­tura even­tual, bem ao sabor das ma­no­bras do pa­tro­nato., e aduz um ins­tru­mento para agravar a ex­plo­ração pelo não pa­ga­mento de tra­balho que o devia ser como ex­tra­or­di­nário.

A atingir todos por igual e de forma pe­sada, o Go­verno do PS in­siste ainda em não re­vogar a ca­du­ci­dade da con­tra­tação co­lec­tiva, com re­flexos no con­ge­la­mento dos sa­lá­rios e ou­tras ma­té­rias pe­cu­niá­rias. Tendo os pa­trões a pos­si­bi­li­dade de de­nun­ciar as con­ven­ções co­lec­tivas, têm-no feito abun­dan­te­mente com as mais va­ri­adas e até sór­didas des­culpas (como a Pe­trogal, que, re­latou um membro da CT, alegou di­fi­cul­dades eco­nó­micas). Como o PS se re­cusa também a repor o prin­cípio do tra­ta­mento mais fa­vo­rável para o tra­ba­lhador, as­siste-se a uma per­ma­nente de­gra­dação da dis­tri­buição da ri­queza criada entre Tra­balho e Ca­pital por via do blo­que­a­mento da con­tra­tação co­lec­tiva.