Venezuela resiste a guerra económica e mediática

RE­SISTÊNCIA A de­tenção re­cente, pelas au­to­ri­dades ve­ne­zu­e­lanas, de em­pre­sá­rios do ramo da dis­tri­buição, in­cluindo al­guns por­tu­gueses, acu­sados de de­lito de açam­bar­ca­mento e es­pe­cu­lação de preços, deu azo a mais uma vi­o­lenta cam­panha me­diá­tica contra o go­verno bo­li­va­riano, para a qual con­tri­buíram as de­cla­ra­ções do mi­nistro dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros por­tu­guês, Au­gusto Santos Silva.

O açam­bar­ca­mento e a es­pe­cu­lação de preços é parte da guerra eco­nó­mica em curso contra a Ve­ne­zuela bo­li­va­riana

Ao con­trário do que a ge­ne­ra­li­dade da co­mu­ni­cação so­cial re­pro­duziu, os em­pre­sá­rios em causa foram de­tidos – e se­gui­da­mente li­ber­tados sob me­didas de co­acção, no caso a apre­sen­tação pe­rió­dica às au­to­ri­dades. Tudo se­me­lhante, por­tanto, ao que su­ce­deria em Por­tugal nesta como nou­tras si­tu­a­ções.

Além do mais, os de­litos que lhes são im­pu­tados não re­sultam de uma qual­quer ex­cen­tri­ci­dade do go­verno bo­li­va­riano, como su­geriu o go­ver­nante por­tu­guês. Pelo con­trário, ambos estão in­clu­si­va­mente pre­vistos no có­digo penal por­tu­guês, no ca­pí­tulo II, de­di­cado aos «crimes contra a eco­nomia»: açam­bar­ca­mento e es­pe­cu­lação são pu­ní­veis, em Por­tugal, com penas de prisão entre seis meses e três anos e multas não in­fe­ri­ores a 100 dias. Por que ha­veria de ser di­fe­rente o pro­ce­di­mento na Ve­ne­zuela?

A co­mu­ni­dade por­tu­guesa é também ela vítima dos aten­tados ter­ro­ristas e da es­pe­cu­lação. A adopção por parte do Es­tado de me­didas de com­bate ao crime eco­nó­mico ou a ou­tros de­litos, como a par­ti­ci­pação em ac­ções de na­tu­reza ter­ro­rista, in­de­pen­den­te­mente de quem as pra­tique, são um ele­mento da de­fesa do povo ve­ne­zu­e­lano e da co­mu­ni­dade por­tu­guesa naquele país. Uma coisa é a vi­o­lação de di­reitos, que não deve ser ad­mi­tida, outra coisa é in­vocar uma dita«vi­o­lação de di­reitos» para exigir a im­pu­ni­dade de prá­ticas efec­ti­va­mente vi­o­la­doras dos di­reitos do povo ve­ne­zu­e­lano e da co­mu­ni­dade por­tu­guesa no seu con­junto.

Em todo este pro­cesso, as ati­tudes de ambos os go­vernos foram di­a­me­tral­mente opostas. Do lado por­tu­guês, o re­fe­rido mi­nistro re­feriu-se a «li­nhas ver­me­lhas» nas re­la­ções entre os dois países e a «con­versas duras» com o ho­mó­logo ve­ne­zu­e­lano, ao mesmo tempo que se pro­nun­ciava sobre o quadro legal do país sul-ame­ri­cano. Já as au­to­ri­dades bo­li­va­ri­anas ti­veram a ati­tude oposta, va­lo­ri­zando a co­mu­ni­dade por­tu­guesa e lu­so­des­cen­dente no país, com­posta por mais de 400 mil pes­soas e ca­rac­te­ri­zada pelo «seu com­pro­misso com o tra­balho digno, hon­radez e hu­mil­dade», como se lê num co­mu­ni­cado do go­verno da Re­pú­blica Bo­li­va­riana da Ve­ne­zuela emi­tido a 22 de Se­tembro.

Nesse do­cu­mento, su­bli­nhava-se que as ati­tudes pon­tuais e in­di­vi­duais de um grupo de em­pre­sá­rios «ja­mais con­se­guirá obs­cu­recer o brilho e be­ne­fí­cios de tão que­rida co­mu­ni­dade na vida eco­nó­mica e so­cial do país». Porém, re­al­çava igual­mente que na Ve­ne­zuela vi­gora um «Es­tado De­mo­crá­tico e So­cial de Di­reito e Jus­tiça», pelo que as ins­ti­tui­ções se en­car­re­garão de in­ves­tigar e de­ter­minar as res­pon­sa­bi­li­dades im­pu­tadas aos ar­guidos, «sem dis­cri­minar por origem ou pro­ce­dência» e ga­ran­tindo-lhes todos os di­reitos le­gais.

Com o Chile na me­mória

Para com­pre­ender o que está na origem da de­tenção dos em­pre­sá­rios é ne­ces­sário ir mais fundo do que a es­puma me­diá­tica ou a re­pe­tição de cha­vões es­ta­fados contra a Ve­ne­zuela. A ver­dade é que a Ve­ne­zuela e o seu povo estão a ser alvo de uma guerra eco­nó­mica lan­çada pelos Es­tados Unidos da Amé­rica – os mesmos que es­ti­veram por de­trás do golpe fa­lhado contra Chávez, em 2002, da re­cente onda de vi­o­lência e ter­ro­rismo e, ao que tudo in­dica, do aten­tado fa­lhado contra o pre­si­dente Ni­colás Ma­duro. Foi ainda o chefe de Es­tado dos EUA, Do­nald Trump, que na se­mana pas­sada, da tri­buna das Na­ções Unidas, ame­açou de forma ina­cei­tável a Ve­ne­zuela com uma agressão mi­litar.

A uti­li­zação da guerra eco­nó­mica nem se­quer é nova. Foi usada contra o Chile da Uni­dade Po­pular nos meses que an­te­ce­deram o golpe fas­cista de Pi­no­chet. Fi­caram cé­le­bres as ins­tru­ções do então pre­si­dente dos EUA, Ri­chard Nixon, para que se fi­zesse a eco­nomia chi­lena «gritar», de modo a so­cavar o apoio po­pular ao go­verno de Sal­vador Al­lende. A ac­tual guerra contra a Ve­ne­zuela é, em muitos as­pectos, si­milar. O ob­jec­tivo das san­ções norte-ame­ri­canas ao país, de­ci­didas por Ba­rack Obama e agra­vadas pala ad­mi­nis­tração Trump (e que podem ser con­sul­tadas em www.state.gov/​e/​eb/​tfs/​spi/​ve­ne­zuela/), pre­tendem fazer co­lapsar a eco­nomia ve­ne­zu­e­lana com pro­pó­sitos de der­rubar o go­verno, der­rotar a re­vo­lução bo­li­va­riana e des­truir as con­quistas al­can­çadas.

No seu tra­balho La Mano Vi­sible del Mer­cado (pu­bli­cado em três partes em la­len­guatv.com.ve), a eco­no­mista Pas­cu­a­lina Curcio adi­anta três ca­rac­te­rís­ticas de guerra eco­nó­mica pre­sentes na Ve­ne­zuela: açam­bar­ca­mento de pro­dutos es­sen­ciais, in­flação ar­ti­fi­ci­al­mente in­du­zida e blo­queio fi­nan­ceiro. Fo­quemo-nos no pri­meiro, o mais re­le­vante para o as­sunto abor­dado neste texto.

A au­tora, sus­ten­tada em dados ob­jec­tivos, com­prova que a si­tu­ação de ca­rência de al­guns pro­dutos de pri­meira ne­ces­si­dade não se deve à po­lí­tica go­ver­na­mental de preços má­ximos ta­be­lados nem a sig­ni­fi­ca­tivas que­bras de pro­dução. Esses pro­dutos, es­tejam ou não su­jeitos à re­gu­lação de preços (pois nem todos o estão), têm ca­rac­te­rís­ticas es­pe­ciais: são de con­sumo ge­ne­ra­li­zado, a sua pro­dução e dis­tri­buição en­con­tram-se con­cen­tradas nas mãos de poucas em­presas ou grupos, e ou não são pe­re­cí­veis ou são, pelo menos, pas­sí­veis de serem ar­ma­ze­nados du­rante longos pe­ríodos.

Pas­cu­a­lina Curcio dá exem­plos: a ba­nana é de con­sumo ge­ne­ra­li­zado, mas não só não está con­tro­lada pelos mo­no­pó­lios como não aguenta longos pe­ríodos de ar­ma­ze­na­mento, pelo que não está em falta nas pra­te­leiras dos su­per­mer­cados. Já a fa­rinha de trigo pré-co­zida, a mar­ga­rina, o azeite ou o café, entre ou­tros, são mai­o­ri­ta­ri­a­mente pro­du­zidos por grandes grupos e aguentam um ano ou mais em ar­mazém. Por essa razão, não são fá­ceis de en­con­trar nas lojas, mas apenas no mer­cado negro. No caso da carne ou dos ovos, al­ta­mente pe­re­cí­veis, não vão para o mer­cado negro, sendo ven­didos nas lojas a preços su­pe­ri­ores aos le­gal­mente es­ta­be­le­cidos.




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