O retrocesso

Correia da Fonseca

Parte do serão da pas­sada se­gunda-feira foi de­di­cado pela RTP1 ao Or­ça­mento de Es­tado para 2019, e não se dirá que se tra­tava de um tema menor. Até po­derá acres­centar-se que a me­mória não re­gista que em anos an­te­ri­ores o «Prós e Con­tras» ou algum outro pro­grama de im­pacto equi­va­lente se tenha apli­cado à dis­cussão do OE então em apre­ci­ação. Con­tudo, o mais im­por­tante que a te­le­visão nesse dia nos trouxe chegou logo de manhã: foi a no­tícia de que Do­nald Trump anun­ciara que os Es­tados Unidos irão des­ligar-se do Tra­tado de Forças Nu­cle­ares de Al­cance In­ter­médio as­si­nado em 1987 por Re­agan e Gor­bat­chov. Como bem se sabe, o anúncio do acordo foi re­ce­bido em todo o mundo com um enorme alívio: era o fim de muitos anos de tensão e an­gústia com a hu­ma­ni­dade per­ma­nen­te­mente sob ameaça de um ca­ta­clismo sem pre­ce­dentes; era também a vi­tória das forças ac­tivas que um pouco por todo o globo fa­ziam ouvir a sua voz contra as armas nu­cle­ares. De então para cá de­cor­reram mais de trinta anos, acon­te­ceram di­versos mo­mentos de tensão entre as duas cha­madas su­per­po­tên­cias, mas nem nesses mo­mentos o pe­sa­delo do risco nu­clear re­gressou com a in­ten­si­dade que ti­vera em mo­mentos an­te­ri­ores e len­ta­mente foi cres­cendo a ge­ne­ra­li­zada es­pec­ta­tiva de que o an­ta­go­nismo EUA /URSS, a dada al­tura trans­mu­tado em EUA/​RÚSSIA, nunca im­pli­caria o enorme risco nu­clear.

Uma amarga sur­presa

Eleito pre­si­dente em No­vembro de 2016 e tendo sido em­pos­sado em Ja­neiro do ano se­guinte, Do­nald Trump cedo con­firmou os seus ha­bi­tuais com­por­ta­mentos ca­rac­te­ri­zados pela ru­deza e a bru­ta­li­dade verbal, que aliás pa­recem agradar ao seu elei­to­rado, mas nunca exibiu ati­tudes que pu­dessem im­plicar uma su­bida de tensão nas re­la­ções dos Es­tados Unidos com a Rússia: bem pelo con­trário, até de­mons­trou uma sur­pre­en­dente ca­pa­ci­dade de en­ten­di­mento com Vla­dimir Putin, o que aliás logo lhe valeu muitos olhares se­veros. Dir-se-ia que Trump é muito mais um homem dos ne­gó­cios que um homem de guerra, e di­fi­cil­mente se dirá que isso é mau. O que talvez se possa e até deva dizer-se é que esse pendor ne­go­cista em de­tri­mento de um pendor be­li­cista não agra­dará a todos, quer nos Es­tados Unidos quer fora deles: Trump chegou a des­va­lo­rizar a NATO, sa­cros­santa para muitos. Neste con­texto, que aqui na­tu­ral­mente não se es­gota, sur­pre­ende a des­truição de um im­por­tan­tís­simo acordo que havia sido uma pre­ciosa no­tícia e emerge a sus­peita de o aban­dono ter sido con­sequência de pres­sões por parte dos «fal­cões» que ro­deiam Trump, de­sig­na­da­mente do Se­cre­tário de Es­tado, de­sig­nação local para o «mi­nistro dos ne­gó­cios es­tran­geiros», e também da po­de­rosa in­dús­tria ar­ma­men­tista e ac­ti­vi­dades co­nexas. Uma coisa é certa: o fim do Acordo cons­titui um gra­vís­simo re­tro­cesso e abre a porta para o re­gresso da an­gústia. E é claro que as gentes de todo o mundo me­recem um rumo to­tal­mente di­fe­rente.




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