Bolsonaro e os seus mandantes

Albano Nunes

O candidato da extrema-direita venceu as eleições brasileiras. As expectativas de uma «virada», que a dinâmica em crescendo nos últimos dias da campanha democrática autorizava, não se confirmaram apesar do expressivo resultado alcançado pala candidatura de Fernando Haddad-Manuela d`Avila. O processo golpista desencadeado dois anos atrás com a destituição da legítima Presidente da República, Dilma Roussef, e a prisão arbitrária de Lula da Silva para impedir uma candidatura popular que cortaria caminho aos projectos da reacção, deu um novo e grande passo em frente. O perigo de uma ditadura fascista é real. Como afirma o Partido Comunista do Brasil, «foi eleito um presidente da República declaradamente determinado a instaurar um governo de conteúdo ditatorial, para implementar, a ferro e fogo, um programa ultraliberal e neocolonial». A solidariedade com a luta das forças democráticas e progressistas brasileiras para derrotar um tal projecto é mais necessária do que nunca.

Entretanto, a comunicação social, que diabolizou as presidências do PT e favoreceu descaradamente a vitória de Bolsonaro sem poder esconder as suas boçais diatribes, aparece agora a disfarçar e a desculpar o seu comportamento trauliteiro e a minimizar a ameaça fascista. O discurso lido por Bolsonaro na noite das eleições, no quadro de uma encenação que até uma cerimónia religiosa envolveu – confirmando a vergonhosa instrumentalização dos sentimentos religiosos do povo brasileiro – está construído precisamente com esse objectivo. Ao proclamar que o seu «governo será defensor da Constituição, da democracia e da liberdade» e acrescentando um conjunto de promessas em aberta contradição com as provocações e ameaças que multiplicou ao longo da campanha eleitoral, o seu objectivo é, por um lado, abrir espaço de manobra junto de sectores da direita e do patronato que, partilhando embora os mesmos objectivos, querem preservar uma fachada «democrática» e, por outro lado, desarmar a vigilância e procurar desmobilizar a resistência das forças democráticas e progressistas. Impõe-se alertar para tais manobras.

Mas se é necessário não permitir que se branqueie a personalidade e a trajectória política do aspirante a ditador, não é menos importante saber quem se empenhou em transformar uma nulidade política no presidente da maior potência da América do Sul, quem fabricou este «salvador» cuja divisa é «O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos», que interesses estão por detrás da candidatura fascista vencedora. A reacção das bolsas e o tratamento da grande comunicação social é sintomática. No quadro de divergências e contradições que percorrem a classe dominante, é claro que os cordões da marionete estão nas mãos do grande capital, de grupos económicos de há muito empenhados em abocanhar as enormes riquezas petrolíferas e de outros sectores estatizados, dos grandes interesses do agro-negócio. E do imperialismo norte-americano, obviamente. Tudo quanto veio a lume sobre os projectos de Bolsonaro em matéria económica e social, a começar pelo hipotético ministro da economia, o ultra-liberal e pinochetista Paulo Guedes, que já veio dizer que as suas grandes prioridades eram as privatizações e a reforma da Previdência Social, não deixa lugar para dúvidas.




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