A odisseia da participação dos trabalhadores na Segurança Social

Maria do Carmo Tavares

DI­REITOS A Se­gu­rança So­cial é es­sen­ci­al­mente fi­nan­ciada pelos tra­ba­lha­dores. No re­gime con­tri­bu­tivo (pre­vi­den­cial) as con­tri­bui­ções advêm di­rec­ta­mente dos sa­lá­rios dos tra­ba­lha­dores e in­di­rec­ta­mente das mais-va­lias pro­du­zidas por eles.

PS, PSD e CDS querem os tra­ba­lha­dores longe da gestão da Se­gu­rança So­cial

Isto re­pre­senta mais do dobro das re­ceitas anuais, em com­pa­ração com a trans­fe­rência do Or­ça­mento do Es­tado ne­ces­sária para que a Se­gu­rança So­cial possa cum­prir as suas obri­ga­ções com o re­gime de ci­da­dania e so­li­da­ri­e­dade (não con­tri­bu­tivo) e a acção so­cial. Mesmo esta trans­fe­rência que advém dos im­postos, em grande parte, re­sulta da con­tri­buição dos tra­ba­lha­dores.

Re­firo esta si­tu­ação a pro­pó­sito dos tra­ba­lha­dores con­ti­nu­arem a não terem uma par­ti­ci­pação efec­tiva na de­fi­nição das po­lí­ticas da Se­gu­rança So­cial e da sua gestão. Par­ti­ci­pação essa que é in­tei­ra­mente le­gí­tima. Não se pode con­fundir com os ór­gãos de con­sulta mi­ti­gada, e mesmo esses ao longo dos anos têm es­tado longos pe­ríodos de­sac­ti­vados. A in­for­mação é nula, as es­ta­tís­ticas são pu­bli­cadas tarde e a más horas. A conta da Se­gu­rança So­cial sofre de um atraso cró­nico.

Go­vernos afastam tra­ba­lha­dores da par­ti­ci­pação
Os go­vernos evocam o Con­selho Per­ma­nente de Con­cer­tação So­cial (CPCS) como uma forma de par­ti­ci­pação, mas as ma­té­rias quando se dis­cutem são res­tritas a de­ter­mi­nado tema e não sobre a gestão da Se­gu­rança So­cial e as es­tra­té­gias a se­guir. O caso mais pa­ra­dig­má­tico de afas­ta­mento da par­ti­ci­pação dos tra­ba­lha­dores, pelos di­versos go­vernos, é o Ins­ti­tuto de Gestão Fi­nan­ceira da Se­gu­rança So­cial (IGFSS).

O IGFSS foi criado pelo DL 17/​77 de 12/​1 e passou a ser uma das peças es­sen­ciais do sis­tema da Se­gu­rança So­cial, res­pon­dendo aos ob­jec­tivos do 25 de Abril: a cons­trução de uma Se­gu­rança So­cial uni­fi­cada, uni­versal e des­cen­tra­li­zada con­forme a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, en­trada em vigor. A missão do IGFSS é nobre. No exer­cício das suas atri­bui­ções passou a de­sen­volver as se­guintes áreas: gestão fi­nan­ceira; or­ça­mento e conta; ad­mi­nis­tração do pa­tri­mónio.

Três meses mais tarde, o DL 124/​77 de 01/​4 re­gulou as com­pe­tên­cias, os ór­gãos e o fi­nan­ci­a­mento do IGFSS, ou seja, este di­ploma marcou o início da sua exis­tência efec­tiva. Passou a es­ta­be­lecer, entre muitas fun­ções im­por­tantes, um plano fi­nan­ceiro acom­pa­nhando a sua exe­cução; con­cen­trou no Ins­ti­tuto a ar­re­ca­dação das con­tri­bui­ções para a pre­vi­dência; passou a ela­borar um or­ça­mento global da Se­gu­rança So­cial, a sub­meter à As­sem­bleia da Re­pú­blica. O di­ploma re­fe­rido re­co­nheceu como ór­gãos do Ins­ti­tuto o Con­selho de Gestão e o Con­selho Di­rec­tivo.

Na cons­ti­tuição do Con­selho de Gestão con­sa­grou a par­ti­ci­pação das en­ti­dades e sec­tores in­te­res­sados no sis­tema de Se­gu­rança So­cial, des­ta­cando-se, de acordo com o pre­cei­tuado no art. 58.º da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica da al­tura, a re­pre­sen­tação das as­so­ci­a­ções sin­di­cais. A di­recção per­ma­nente do Ins­ti­tuto cabe ao Con­selho Di­rec­tivo, cujos mem­bros foram no­me­ados pelo go­verno.

O Con­selho de Gestão foi cons­ti­tuído por 15 mem­bros, sendo seis re­pre­sen­tantes das or­ga­ni­za­ções sin­di­cais, seis das ac­ti­vi­dades eco­nó­micas e três do sector na­ci­o­na­li­zado. O membro que pre­sidia era no­meado pelo Mi­nis­tério das Fi­nanças e foi o Dr. Ro­dri­gues Porto. A CGTP-IN passou a ter três ele­mentos nesse órgão. Como era de prever, os as­suntos pro­vo­caram acessas dis­cus­sões face às di­fe­renças de opi­nião e de con­cepção, mas cons­ti­tuiu uma grande es­cola para quem nele par­ti­cipou, dada a im­por­tância das ma­té­rias.

Pa­ra­lisia do Con­selho de Gestão
O Con­selho de Gestão tinha vá­rias com­pe­tên­cias, como emitir pa­re­ceres sobre a conta e or­ça­mento da Se­gu­rança So­cial e as suas li­nhas fun­da­men­tais, apre­ciar o plano fi­nan­ceiro e, tri­mes­tral­mente, a exe­cução or­ça­mental e re­co­mendar me­didas a adoptar para cor­rigir even­tuais de­sa­jus­ta­mentos, dar pa­recer ainda sobre a ali­e­nação, troca ou one­ração de tí­tulos de cré­dito e a tran­sacção de imó­veis, etc. Dis­cutiu-se com re­gu­la­ri­dade a si­tu­ação dos de­ve­dores e as formas de pa­ga­mento das di­vidas à Se­gu­rança So­cial. A CGTP-IN, como é sua obri­gação, teve sempre uma in­ter­venção muito ac­tiva neste órgão e muitas das suas pro­postas eram aceites pelos res­tantes pares.

O Con­selho de Gestão fun­ci­onou quase 20 anos. Em 1994, com a saída do seu pre­si­dente con­ju­gada com os re­sul­tados elei­to­rais, em 1995, o Con­selho de Gestão nesta sua nova forma nunca mais reuniu. Este órgão tão im­por­tante de par­ti­ci­pação morreu. Co­meçou logo pelo facto de o go­verno do PS, saído das elei­ções, nunca ter no­meado um novo pre­si­dente do Con­selho de Gestão.

A CGTP-IN exigiu, desde a pri­meira hora, o seu fun­ci­o­na­mento junto do go­verno e reuniu por di­versas vezes com o novo Con­selho Di­rec­tivo no­meado pelo go­verno, cujo pre­si­dente era Fran­cisco Cal. Mas era ní­tido, e sa­bíamos, que o pró­prio pre­si­dente não era adepto de que as or­ga­ni­za­ções sin­di­cais ti­vessem aquele nível de par­ti­ci­pação e co­nhe­ci­mento e par­ti­ci­passem em de­ci­sões que con­si­de­rava res­tritas.

A CGTP-IN nunca se calou sobre este as­sunto e re­correu às vá­rias ins­tân­cias po­lí­ticas. No acordo do CPCS sobre a mo­der­ni­zação da Se­gu­rança So­cial, de No­vembro 2001, no ca­pí­tulo sobre a par­ti­ci­pação dos par­ceiros so­ciais, ficou es­crito que di­versos ór­gãos, nou­tras ins­ti­tui­ções também ino­pe­rantes, pas­sa­riam a fun­ci­onar. E quanto ao IGFSS, ficou o com­pro­misso de que, no pri­meiro se­mestre de 2002, este seria ac­ti­vado, o que nunca veio a acon­tecer, apesar das exi­gên­cias nas di­versas ins­tân­cias.

A CGTP-IN, já no dia 8 de Maio 2001, tinha re­a­li­zado uma con­cen­tração junto da sede do Ins­ti­tuto para exigir o fun­ci­o­na­mento do Con­selho de Gestão. Pas­sados cinco anos, o go­verno de Só­crates pro­move um acordo sobre a Se­gu­rança So­cial no CPCS, em 10 de Ou­tubro de 2006, para anular parte do de 2001. A CGTP-IN re­jeitou li­mi­nar­mente tal acordo, pe­rante a in­tro­dução do factor de sus­ten­ta­bi­li­dade que, como se provou, iria re­duzir o valor das pen­sões a que os tra­ba­lha­dores ti­nham di­reito.

Mais uma vez, «pro­messas» por parte do go­verno. E no ca­pí­tulo sobre o re­forço da in­for­mação aos par­ceiros so­ciais e à so­ci­e­dade, ficou es­crito que iriam im­ple­mentar os di­versos ór­gãos con­sul­tivos, quase todos ino­pe­rantes, e pro­mover mais in­for­mação, também quase ine­xis­tente.

A odis­seia sobre o IGFSS en­tre­tanto não ter­minou em 2007. Foi apro­vada uma nova or­gâ­nica pelo DL n.º215 de 29 de Maio, com o ob­jec­tivo, tal como re­fere o preâm­bulo, de ra­ci­o­na­lizar e sim­pli­ficar a es­tru­tura (ori­en­ta­ções de­fi­nidas pelo PRACE), cujos ór­gãos são Con­selho Di­rec­tivo, Con­selho Con­sul­tivo, Fiscal Único.

O Con­selho Con­sul­tivo (e não de Gestão) passa a ter dois re­pre­sen­tantes das con­fe­de­ra­ções sin­di­cais, entre ou­tros mem­bros, e com­pete-lhe emitir pa­recer sobre o Or­ça­mento e Conta da Se­gu­rança So­cial. A CGTP-IN no­meou o seu re­pre­sen­tante, que es­teve pre­sente na única reu­nião para que foi con­vo­cado…

PSD, CDS e PS não querem par­ti­ci­pação dos tra­ba­lha­dores
Já com o go­verno de Passos Co­elho, há uma nova Lei or­gâ­nica, com o DL n.º84/​12 de 30 de Março. Com o com­pro­misso de efi­ci­ência (PREMAC), a nova Lei or­gâ­nica pro­mete mais efi­cácia e efi­ci­ência; os ór­gãos mantêm-se do di­ploma an­te­rior, mas o fun­ci­o­na­mento foi nulo, assim como foi nulo o fun­ci­o­na­mento de todos os ou­tros ór­gãos de con­sulta exis­tentes.

Prova disso foi o que acon­teceu com a pa­ra­li­sação do Con­selho Na­ci­onal do Ren­di­mento Mí­nimo, com mais de 15 anos de fun­ci­o­na­mento, e que, com altos e baixos, teve um papel es­sen­cial na con­cre­ti­zação desta pres­tação, na cor­recção de as­pectos ne­ga­tivos e na me­lhoria do seu con­teúdo.

E, ainda, do órgão con­sul­tivo do Ins­ti­tuto de Se­gu­rança So­cial, a quem cabe ga­rantir a pro­tecção e a in­clusão so­cial das pes­soas, re­co­nhe­cendo os seus di­reitos, as­se­gu­rando o cum­pri­mento das obri­ga­ções con­tri­bu­tivas, que deixou de fun­ci­onar.

O mesmo acon­teceu ao Con­selho Con­sul­tivo do Ins­ti­tuto de In­for­má­tica da Se­gu­rança So­cial. Outro caso de pa­ra­lisia ma­ni­fes­ta­mente re­pro­vável é o do Ins­ti­tuto de Gestão de Fundos de Ca­pi­ta­li­zação da Se­gu­rança So­cial.

É inad­mis­sível que os tra­ba­lha­dores não te­nham re­pre­sen­tação no órgão de gestão, como muitas vezes foi re­cla­mado, mas mesmo o órgão con­sul­tivo pra­ti­ca­mente não existe. Este im­por­tante ins­ti­tuto pú­blico que gere, entre ou­tros, o Fundo de Es­ta­bi­li­zação Fi­nan­ceira da Se­gu­rança So­cial e o Fundo de Cer­ti­fi­cados de Re­forma que são do re­gime pre­vi­den­cial (con­tri­bu­tivo), ou seja, são per­tença dos tra­ba­lha­dores.

Para além de os ór­gãos não fun­ci­o­narem, as es­ta­tís­ticas e a in­for­mação são es­cassas e des­fa­sadas no tempo, como acon­tece com a pu­bli­cação das contas da Se­gu­rança So­cial.

Face às crí­ticas, ao longo do tempo, pelo facto dos ór­gãos não fun­ci­o­narem e pe­rante as exi­gên­cias de par­ti­ci­pação na Se­gu­rança So­cial, o go­verno de Passos Co­elho criou um mega con­selho para as po­lí­ticas de so­li­da­ri­e­dade onde juntou o vo­lun­ta­riado, as fa­mí­lias, e a re­a­bi­li­tação, etc. Com este órgão, li­quidou todos os ou­tros. Porém, este também acabou por não fun­ci­onar.

Face às crí­ticas dos tra­ba­lha­dores sobre o órgão de con­sulta cons­ti­tuído pelo go­verno do PSD/​CDS, o ac­tual Go­verno do PS al­terou o di­ploma. O DL n.º 48/​2017, de 22 de Maio, rege o cha­mado Con­selho Na­ci­onal para as Po­lí­ticas de So­li­da­ri­e­dade e Se­gu­rança So­cial. No en­tanto, é, como o an­te­rior, um mega órgão, com mais de 60 ele­mentos, que é con­sul­tivo e diz ter a missão de pro­mover e as­se­gurar a par­ti­ci­pação dos par­ceiros so­ciais, do mo­vi­mento as­so­ci­a­tivo e de ou­tras en­ti­dades da so­ci­e­dade, com as en­ti­dades pú­blicas, para de­finir e acom­pa­nhar as po­lí­ticas so­ciais e de fa­mília, bem como da in­clusão das pes­soas com de­fi­ci­ência e do vo­lun­ta­riado.

É pre­ciso ter pre­sente que os tra­ba­lha­dores têm um re­gime pró­prio que subs­titui os seus ren­di­mentos de tra­balho quando for ne­ces­sário e o fi­nan­ciam, o que não pode ser di­luído com as po­lí­ticas de so­li­da­ri­e­dade na­ci­onal que cabe ao Es­tado, nem com o vo­lun­ta­riado. Pe­rante esta ad­ver­tência, cri­aram-se, para além do Con­selho Geral, cinco co­mis­sões te­má­ticas: Co­missão de Po­lí­ticas de Se­gu­rança So­cial, Co­missão Exe­cu­tiva de Po­lí­ticas da Se­gu­rança So­cial, Co­missão de Po­lí­ticas So­ciais e de Fa­mília, de Po­lí­ticas de In­clusão das Pes­soas com De­fi­ci­ência e de Po­lí­ticas de Vo­lun­ta­riado.

Neste con­texto per­gunta-se que in­ter­venção pode ter um mega órgão desta na­tu­reza? Como os ou­tros é para ficar no es­que­ci­mento, dado que o Con­selho Geral

só reuniu, até hoje, uma vez, e so­mente para apre­sen­tação.

Mas o Art. 20.º do di­ploma também es­cla­rece tudo, ao es­pe­ci­ficar que «Os pa­re­ceres emi­tidos, quer pelo Con­selho Geral quer pelas Co­mis­sões te­má­ticas, nos termos do pre­sente de­creto-lei, não têm ca­rácter vin­cu­la­tivo». Está tudo dito sobre a par­ti­ci­pação dos tra­ba­lha­dores nas po­lí­ticas de Se­gu­rança So­cial.

É por de­mais claro e evi­dente que os go­vernos do PSD, CDS e PS não querem a par­ti­ci­pação dos tra­ba­lha­dores nas ins­ti­tui­ções, o que é ina­cei­tável porque estes são os seus grandes pro­ta­go­nistas. Há, pois, que con­ti­nuar a exigir e a lutar por uma par­ti­ci­pação com efi­cácia dos tra­ba­lha­dores, con­tri­buto in­dis­pen­sável para de­fesa e re­forço do Sis­tema de Se­gu­rança So­cial pú­blico, so­li­dário e uni­versal.

 



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