PS teima na transferência de competências para as autarquias sem estarem reunidas condições

PRO­POSTA O Par­la­mento re­jeitou, dia 4, onze pro­jectos de re­so­lução do PCP para fazer cessar a vi­gência de ou­tros tantos di­plomas sec­to­riais do Go­verno que trans­ferem com­pe­tên­cias para as au­tar­quias.

Em de­bate es­ti­veram ainda ini­ci­a­tivas idên­ticas do PEV e BE com igual pro­pó­sito de ces­sação de vi­gência da­quele con­junto de textos le­gis­la­tivos do Exe­cu­tivo, ob­tendo todas o mesmo des­fecho por efeito do voto contra do PS e das abs­ten­ções do PSD, CDS e PAN. Já o CDS-PP propôs al­te­ra­ções em sete dos de­cretos, que serão dis­cu­tidas em co­missão.

Os di­plomas sec­to­riais em apreço abrangem do­mí­nios como praias, jogos de for­tuna ou azar, pro­moção tu­rís­tica, vias de co­mu­ni­cação, jus­tiça, fundos eu­ro­peus e cap­tação de in­ves­ti­mento, bom­beiros vo­lun­tá­rios, aten­di­mento ao ci­dadão, ha­bi­tação, pa­tri­mónio e es­ta­ci­o­na­mento pú­blico.

In­te­gram o lote de duas de­zenas de di­plomas sec­to­riais que o Go­verno aprovou para a trans­fe­rência de com­pe­tên­cias para au­tar­quias e en­ti­dades in­ter­mu­ni­ci­pais, fal­tando ainda o de­creto de novas atri­bui­ções das fre­gue­sias.

No de­bate, o mi­nistro da Ad­mi­nis­tração In­terna, Edu­ardo Ca­brita, em de­fesa do que chama de «des­cen­tra­li­zação» e que de­finiu como «marca desta le­gis­la­tura», in­vocou o de­bate que pre­cedeu a pu­bli­cação dos di­plomas - «foi o pro­cesso po­lí­tico e le­gis­la­tivo mais par­ti­ci­pado», com «todos os di­plomas dis­cu­tidos um a um», disse – , para su­gerir uma ideia de amplo con­senso que em rigor não existe. Dra­ma­ti­zando, afirmou, até, que «sus­pender o pro­cesso seria trair os au­tarcas».

Ora, um pro­cesso de des­cen­tra­li­zação está longe de se re­sumir à trans­fe­rência de com­pe­tên­cias entre a Ad­mi­nis­tração Cen­tral e Local, como in­sis­ten­te­mente tem afir­mado o PCP, para quem a si­tu­ação é ainda mais grave se essa mesma trans­fe­rência não for acom­pa­nhada dos meios ade­quados para as novas atri­bui­ções, como é o caso da pre­sente le­gis­lação.

Pôr os olhos em Borba

Daí que a de­pu­tada co­mu­nista Paula Santos tenha sido ta­xa­tiva na cons­ta­tação de que o País não está pe­rante um «ver­da­deiro pro­cesso de des­cen­tra­li­zação», está sim con­fron­tado com uma «trans­fe­rência de en­cargos para as au­tar­quias, de um modo des­co­nexo e in­co­e­rente», in­cluindo para en­ti­dades in­ter­mu­ni­ci­pais que, lem­brou, «não são au­tar­quias nem in­te­gram a or­ga­ni­zação ad­mi­nis­tra­tiva do Es­tado».

Trans­fe­rência que, na sua pers­pec­tiva, visa re­con­fi­gurar o Es­tado com o in­tuito não de «me­lhorar o ser­viço pú­blico e a sua efi­ci­ência» mas de des­res­pon­sa­bi­lizar o Go­verno, trans­fe­rindo pro­blemas que se foram acu­mu­lando ao longo de dé­cadas. «O que ocorreu em Borba de­veria servir de exemplo para o que não se deve fazer», ob­servou a pro­pó­sito Paula Santos.

Ava­li­a­ções por fazer

Disse o mi­nistro que a des­cen­tra­li­zação «é o pilar fun­da­mental da re­forma do Es­tado». Só que um ver­da­deiro pro­cesso de des­cen­tra­li­zação im­plica que seja ob­ser­vada a «or­ga­ni­zação ad­mi­nis­tra­tiva do Es­tado como um todo e não de forma par­celar, in­cluindo a cri­ação das re­giões ad­mi­nis­tra­tivas», con­trapôs a de­pu­tada do PCP, para quem um tal pro­cesso não pode re­sumir-se à trans­fe­rência de com­pe­tên­cias.

Mais, para que seja um ver­da­deiro pro­cesso de des­cen­tra­li­zação, acres­centou, vá­rios ou­tros que­sitos têm de ser res­pei­tados e as­se­gu­rados, como, por exemplo, a «pre­ser­vação da au­to­nomia ad­mi­nis­tra­tiva, fi­nan­ceira, pa­tri­mo­nial, nor­ma­tiva e or­ga­ni­za­tiva in­terna das au­tar­quias lo­cais» (ver caixa).

Alvo da crí­tica da ban­cada do PCP foi ainda a ine­xis­tência de fun­da­men­tação para as trans­fe­rên­cias es­co­lhidas pelo Go­verno – «porquê estas e não ou­tras?», ques­ti­onou Paula Santos -, bem como o facto de ser des­co­nhe­cida «qual­quer ava­li­ação ri­go­rosa» sobre o seu im­pacto para as au­tar­quias ao nível fi­nan­ceiro, téc­nico, de re­cursos hu­manos e or­ga­ni­za­ci­o­nais». É assim claro que não estão «ga­ran­tidas as con­di­ções para o exer­cício destas com­pe­tên­cias pelas au­tar­quias», tanto mais que, ar­gu­mentou a par­la­mentar co­mu­nista, «não há norma ha­bi­li­tante» no OE para 2019 que per­mita trans­fe­rên­cias fi­nan­ceiras ao abrigo deste pro­cesso.

Ma­no­bras do PSD não dis­farçam cum­pli­ci­dade com o Go­verno

Faz hoje uma se­mana, na vés­pera das apre­ci­a­ções par­la­men­tares aos de­cretos-lei sec­to­riais de trans­fe­rência de com­pe­tên­cias para as au­tar­quias, em de­bate de pro­jecto de re­so­lução do PSD sobre os mon­tantes do Fundo de Fi­nan­ci­a­mento da Des­cen­tra­li­zação (FFD) em 2019, Paula Santos re­gis­tara já o que qua­li­ficou de «ma­no­bras» da­quele par­tido. Aludia quer ao con­teúdo da pro­posta por aquele apre­sen­tada (para o Go­verno en­tregar à AR até Fe­ve­reiro os mapas com os mon­tantes do FFD) quer à po­sição en­tre­tanto as­su­mida no de­bate, com o de­pu­tado la­ranja An­tónio Costa e Silva a acusar o Go­verno de «sis­te­má­ticos atrasos» e de não cum­prir os com­pro­missos.

«Quer estar bem com Deus e com o diabo, pro­cu­rando iludir os pro­blemas de­cor­rentes do pro­cesso em curso», afirmou Paula Santos, não dei­xando de anotar que foi o PSD que deu a mão ao PS para aprovar aquilo que não tinha con­di­ções para ser apro­vado - o pro­cesso de des­cen­tra­li­zação - e por isso dis­tri­buiu por ambos as res­pon­sa­bi­li­dades pela «em­bru­lhada» que foi criada.

O pro­cesso em curso de trans­fe­rência de com­pe­tên­cias para as au­tar­quias é «des­co­nexo e in­co­e­rente», con­si­derou Paula Santos, lem­brando que o pró­prio Pre­si­dente da Re­pú­blica alertou para um con­junto de as­pectos para os quais já antes o PCP cha­mara a atenção, sem que te­nham sido dadas quais­quer res­postas (ver caixa ao lado).

Ques­tões que vão desde a uni­ver­sa­li­dade de di­reitos so­ciais e cons­ti­tu­ci­o­nais, pas­sando pela des­res­pon­sa­bi­li­zação do Go­verno em ma­té­rias fun­da­men­tais, até à ine­xis­tência de con­di­ções e meios para a trans­fe­rência de com­pe­tên­cias.

«Até hoje con­ti­nu­amos a não co­nhecer quais os re­cursos que estão alo­cados, que meios fi­nan­ceiros são ne­ces­sá­rios, que meios hu­manos, que meios téc­nicos para ga­rantir esta trans­fe­rência de com­pe­tên­cias para as au­tar­quias», su­ma­riou a de­pu­tada do PCP, afir­mando-se con­victa de que este não é um pro­cesso de des­cen­tra­li­zação, bem pelo con­trário, trata-se de uma trans­fe­rência de pro­blemas para os mu­ni­cí­pios a que este Go­verno e seus an­te­ces­sores, ao longo dos anos, não deram res­posta.

«O PSD finge estar pre­o­cu­pado com as ques­tões fi­nan­ceiras dos mu­ni­cí­pios para es­conder o sub­fi­nan­ci­a­mento pre­sente em todo este pro­cesso», cen­surou Paula Santos, la­men­tando que nada se saiba sobre esse «ins­tru­mento fi­nan­ceiro» para efec­tivar as trans­fe­rên­cias para os mu­ni­cí­pios.

Re­qui­sitos para uma ver­da­deira des­cen­tra­li­zação

Um ver­da­deiro pro­cesso de des­cen­tra­li­zação está longe de ser uma mera trans­fe­rência de com­pe­tên­cias para as au­tar­quias e pres­supõe o res­peito por prin­cí­pios e va­lores cons­ti­tu­ci­o­nais e o cum­pri­mento de vá­rios re­qui­sitos. É o caso, para além da pre­ser­vação da au­to­nomia das au­tar­quias nas suas di­versas es­feras, da ga­rantia de acesso uni­versal aos bens e ser­viços pú­blicos ne­ces­sá­rios à efec­ti­vação de di­reitos cons­ti­tu­ci­o­nais e à uni­ver­sa­li­zação de fun­ções so­ciais do Es­tado.

A co­esão na­ci­onal, efi­ci­ência e efi­cácia da gestão pú­blica é outro ponto que tem de estar pre­sente num pro­cesso de des­cen­tra­li­zação, se­gundo Paula Santos, que iden­ti­ficou também como questão cen­tral a «uni­dade do Es­tado na re­par­tição legal de atri­bui­ções entre as en­ti­dades pú­blicas e ad­mi­nis­tra­tivas e a ade­quação do seu exer­cício aos ní­veis de ad­mi­nis­tração cen­tral, re­gi­onal e local».

Des­cen­tra­lizar im­plica, ainda, «cla­reza na de­li­mi­tação de res­pon­sa­bi­li­dades», bem como uma cor­recta «ade­quação dos meios às ne­ces­si­dades», sem falar da «es­ta­bi­li­dade de fi­nan­ci­a­mento» que é con­dição im­pe­ra­tiva para o exer­cício das atri­bui­ções que estão co­me­tidas às au­tar­quias.




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