- Nº 2370 (2019/05/3)

Gordos e magros

Argumentos

Com frequência a TV avisa o país, mais concretamente os pais deste nosso país, para os riscos decorrentes da chamada «fast food» cujo consumo é relativamente intenso entre os jovens que constituem a população escolar, e não por acaso: a «fast food» é rápida como aliás a designação informa, é saborosa sobretudo para paladares não muito exigentes, e arrasta uma sugestão de «vida americana» que pode ter um complementar efeito sedutor. Para além disto, não é por acaso nem sem consequências que nas proximidades de estabelecimentos escolares se instalam pontos de venda de «fast food». Porém a questão é que, entre outros eventuais efeitos inconvenientes, a «fast food» implica o risco de poder gerar obesidade com as várias consequências muito negativas, até perigosas, que a obesidade implica. É certo que por vezes a gordura pode ter um efeito estético positivo («-Tão gordinho, tão lindo!», dizem muitas senhoras perante um bebé redondinho; «(…)Sou gorda, bonita!», considerava «A menina gorda» de Ribeiro Couto que Villaret recitava), mas também a saúde é linda, ainda que num outro sentido. De onde, naturalmente, os avisos e a simpática preocupação da TV.

Não querer saber

Porém, não apenas por uma questão de equilíbrio mas sobretudo por razões mais fortes, este cuidado televisivo com a eventual abundância de meninos gordos, e gordos por más razões e com más consequências, faz lembrar a nenhuma preocupação da TV com a provavelmente abundante existência de meninos magros. Por vezes fala-se na televisão e fora dela de «pobreza infantil», o que aliás parece um pouco bizarro por parecer admitir a existência de uma pobreza das crianças independente da pobreza dos pais. Porém, o facto é que os meninos magros existem e que infelizmente ao seu estado de magreza nem sempre é alheio o estado de pobreza a que, como toda a família, estão condenados pela acção de forças que a militância de esquerda permanentemente denuncia. De qualquer modo, porém, os meninos portugueses magros, excessivamente magros, existem e bem poderiam ser um motivo de apreensão perante a possibilidade de serem magros por alimentação escassa. Que deles e dessa eventualidade não cuide a televisão num país em que, segundo dados oficiais e confirmados pela evidência, cerca de um quinto dos seus habitantes vivem em condições de pobreza, é curioso ou um pouco pior que isso: parece-se muito com a decisão de não ver, de não saber. E isto de não querer saber nem ver parece-se muito com cumplicidade.


Correia da Fonseca