A convite do Presidente da República, João Miguel Tavares (JMT) presidiu à Comissão Organizadora das Celebrações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas e, nessa qualidade, discursou em Portalegre, no dia 10 de Junho. Aproveitando a oportunidade, JMT deu expressão às suas concepções reaccionárias e obscurantistas.
Diz JMT que os portugueses lutaram pela liberdade em 1974, pela democracia em 1975, pela integração na Comunidade Europeia nos anos 80 e pela entrada na moeda única na década de 90. Mas que não é fácil saber por que lutamos hoje.
Devia saber JMT que os portugueses, ou seja, os trabalhadores e o povo português, com o destacado papel do PCP, lutaram, de facto, pela liberdade e pela democracia durante os 48 anos de fascismo. Lutaram pelo avanço da Revolução de Abril e suas extraordinárias conquistas (que não lhe merecem qualquer referência). Lutaram e lutam em defesa dessas conquistas e valores fustigados pela política de direita (da responsabilidade do PS, PSD e CDS); lutaram e lutam por uma política alternativa que dê resposta aos problemas dos trabalhadores, do povo e do País.
Mas não lutaram, como afirma, pela integração de Portugal na Comunidade Europeia ou pela entrada na moeda única, que lhe foram impostas pelo capital monopolista e seus partidos de serviço: PS, PSD e CDS. Lutam, isso sim, contra os perniciosos efeitos da submissão à União Europeia e ao euro e pelo desenvolvimento soberano do País.
Conclui JMT que há «um grande desinteresse pela política» e responsabiliza «os nossos fracassos»: a corrupção, a lentidão da justiça e a falta de empenhamento da classe política. Lamenta, de forma especial, que a ascensão social (o «elevador social», como lhe chama) não se faça pelo talento, o mérito e o trabalho e que um jovem de 20 anos tenha de competir «com uma geração mais velha já licenciada, integrada num mercado de trabalho rígido que confere muita protecção a quem tem um lugar no quadro» e muito pouca «a quem não o tem».
Transformar a sociedade
Ora, aí temos a velha tese dos «políticos todos iguais»: os que estiveram nos governos do PS, PSD e CDS ao longo de décadas e os que, como o PCP e a CDU, estiveram na oposição e combateram a política de direita; os que se servem da política para enriquecer e promover a concentração da riqueza e os que lutam pelo progresso e a justiça social; os que servem clientelas, grupos monopolistas, esquemas de corrupção e os que servem os trabalhadores, o povo e o País.
É muito evidente ao longo de todo o discurso que JMT não quer mobilizar para a transformação progressista da sociedade. O seu sentido é outro: pela via populista, promover, sobretudo junto dos jovens, a acomodação, a resignação e o conformismo e, se possível, fazer deles tropa de choque contra os valores de Abril. Afastá-los da luta organizada pelos seus direitos ou mobilizá-los contra esses mesmos direitos.
O discurso meritocrático insere-se no mesmo propósito de fazer passar a ideia de que todos têm igualdade de oportunidades de «ascensão social» desde que o mérito individual seja reconhecido. Outra tese de sentido reaccionário que importa desmistificar. A emancipação social não se atinge pelo reconhecimento do mérito individual ou pela correspondente competição social ou geracional. Consegue-se lutando pela construção de uma sociedade com direitos para todos, de justiça e progresso social, a caminho da eliminação da exploração do homem pelo homem. Essa sim, sociedade verdadeiramente democrática, onde todos e cada um terão plena realização.
Na edição do Público de 15 de Junho, a propósito de reacções a este discurso, vem JMT garantir que nunca fez, não faz e não crê que venha a fazer «política».
É o cúmulo do cinismo. Como se este discurso não estivesse carregado de mensagens políticas e ideológicas de cariz populista, reaccionário e obscurantista.
Confrontando o discurso do PR na mesma cerimónia percebe-se melhor porque foi JMT o escolhido. Com tais discursos, quem ficou a perder foram Portugal e as comunidades portuguesas, que do que precisam é de avançar e não de andar para trás, como pretendem concepções deste jaez.