AUDIÇÃO «Portugal precisa de encetar um novo rumo com outra política, em ruptura com as questões nucleares da política de direita», sublinhou Jerónimo de Sousa numa audição anteontem em Lisboa.
A iniciativa realizada numa unidade hoteleira ao final da tarde de segunda-feira, 17, insere-se na consulta alargada sobre o Programa Eleitoral que o Partido vai apresentar às legislativas. E se bem que a elaboração da proposta se encontre já «numa fase adiantada», tendo como ponto de partida a «política patriótica e de esquerda, que é a nossa própria perspectiva de solução dos problemas do País», o processo de auscultação prossegue e pode ser profícua na consolidação e aperfeiçoamento das respostas adequadas a questões «novas ou agravadas», começou por dizer o Secretário-geral do PCP.
Jerónimo de Sousa abriu os trabalhos duma audição em que intervieram uma dúzia dos cerca de 30 participantes. Começou por realçar que sendo «consensual que o País vive hoje uma conjuntura diferente daquela que se apresentava há 4 anos», tal «não significa um País substancialmente diverso, já que, a nosso ver, ele continua marcado por graves problemas estruturais que se mantêm inalterados e por enormes atrasos no seu desenvolvimento», em resultado das «consequências negativas de prolongados anos de políticas de direita e de recuperação capitalista de governos da responsabilidade de PS, PSD e CDS».
A marcar a situação nacional, também, «a reposição defesa e conquista de direitos e rendimentos, pelos quais nos temos batido com êxito», e que «se traduziram na dinamização do mercado interno com impactos positivos no crescimento económico e na criação de emprego». Medidas positivas, acrescentou, «que não só confirmaram o acerto das análises do PCP em relação ao caminho que se impunha seguir, como mostram que o desenvolvimento do País, como sempre defendemos, é inseparável da elevação das condições de vida dos trabalhadores e do povo».
Mais longe se poderia ter ido e «outros passos em direcção à solução dos problemas estruturais» podiam ter sido dados «se na governação do País não permanecessem as opções essenciais de uma política que há muito revelou a sua falência», ou, dito doutro modo, «se o governo do PS não tivesse optado pela submissão às imposições do euro e da União Europeia e pela subordinação aos interesses do capital monopolista».
Questões centrais
Nesse sentido, o Secretário-geral do PCP identificou «cinco problemas nucleares para o futuro do País a que o Programa deve responder:
Para as solucionar, o Partido adianta «como linhas essenciais de uma política patriótica e de esquerda» a valorização salarial assumida como emergência nacional; darprioridade ao investimento público com o objectivo de impulsionar o crescimento económico, assegurar um elevado nível de resposta ao desenvolvimento de infra-estruturas e equipamentos do Estado e qualificar todos os serviços públicos e funções sociais do Estado, o que implica uma política orçamental com tais propósitos ao invés da mobilização do excedente orçamental para o sorvedouro da dívida.
A ruptura com a política de direita implica, igualmente, uma gestão criteriosa e rigorosa das despesas públicas; medidas para garantir um salto qualitativo e quantitativo no desenvolvimento das forças produtivas, a dinamização do mercado interno, o combate aos abusos dos grupos monopolistas e a predação por parte do sector financeiro, assim como o controlo público e a dinamização das empresas estratégicas.
«É nossa profunda convicção que Portugal não está condenado ao atraso. É possível e necessário realizar outra política», concluiu, por isso, Jerónimo de Sousa.
Debate fecundo
À intervenção do Secretário-geral do Partido seguiu-se um período de debate que confirmou o acerto do diagnóstico e muitos dos eixos em que vai assentar o programa que o PCP proporá ao povo para as eleições de 6 de Outubro próximo.
Atestou a análise e proposta quanto ao carácter parasitário da finança e da banca e dos grupos monopolistas, à necessidade de colocar os sectores estratégicos ao serviço do povo e do País e de promover uma matriz fiscal que privilegie o progresso económico e social em detrimento da acumulação de rendas e lucros (Miguel Tiago e Tiago Cunha); quanto à incompatibilidade entre os interesses e agenda do grande capital transnacional com a defesa do meio ambiente e o aproveitamento criterioso dos recursos, no quadro de um desenvolvimento sustentável e soberano, nas vertentes energética, do património natural e alimentar (Demétrio Alves, Vladimiro Vale, Alfredo Campos).
Quanto, ainda, à necessidade imperiosa de reforçar o investimento público, apostar na produção e na fileira industrial básica para alcançar um rumo sólido de crescimento económico, combater as desigualdades, satisfazer as necessidades e elevar as condições de vida (Eugénio Rosa, José Lourenço, Fernando Sequeira), ou quanto à incontornável centralidade do desenvolvimento de uma política de transportes capaz de garantir o direito à mobilidade das populações, apoiar o desenvolvimento das forças produtivas, contribuir para a vitalidade e a coesão territorial e para sacudir a dependência externa (Catarina Cardoso, José Encarnação, Carlos Silva, Francisco Asseiceiro).
A discussão do Programa eleitoral do PCP vai prosseguir, afirmou, depois Vasco Cardoso, que dirigiu e encerrou a iniciativa. «Um programa que não aceita que a soberania nacional é o que sobra depois da União Europeia e as grandes multinacionais imporem a sua vontade», que «não pode ser o exercício do possível nos estritos limites impostos por quem quer perpetuar e mesmo aprofundar a exploração dos trabalhadores e dos recursos nacionais», mas «para fazer o que o País precisa – consolidar os avanços nos direitos e rendimentos, romper com os constrangimentos e com a política de direita, dar novos passos na criação de riqueza e de emprego numa sociedade mais justa e democrática», concluiu.